Quem lê tanta notícia?

Um jovem Caetano Veloso, em foto em preto e branco, canta em um microfone com os braços abertos. Ele veste camiseta branca e um terno quadriculado claro.

O ano era 1967 e Caetano Veloso, em “Alegria, alegria”, perguntava: quem lê tanta notícia? Eu, quase meio século depois, com frequência me pego fazendo o mesmo questionamento. Quem lê tanta notícia? Quem consome tanto conteúdo?

Não que o final dos anos 1960 tenha sido tranquilo. No Brasil, a ditadura militar ainda escalava (o AI-5 seria editado em 1968); lá fora, a Guerra Fria fervia. Hoje o problema talvez seja pior não porque há mais coisas noticiáveis (embora haja), mas porque há mais meios de fazê-lo. Meios ininterruptos, pervasivos, por vezes inescapáveis.

“O meio é a mensagem”, já dizia a máxima de McLuhan.

No século XX, era preciso um esforço ativo para informar-se: ligar a TV ou o rádio ou, como na canção de Caetano, ir a uma banca de revista.

Hoje, o esforço é no sentido contrário. O noticiário é onipresente, até nos mais insuspeitos como aplicativos de mensagens e redes sociais (supostamente) de fotos, como é (ou era) o Instagram.

O relatório de notícias digitais anual do Instituto Reuters, edição 2022, dá um bom panorama de como nos afogamos em notícias: 83% dos brasileiros se informam por meios digitais e quando o recorte se limita às redes sociais, somos 64%. O celular é rei, sendo usado por 75% dos respondentes como meio de contato com o noticiário.

A mesma pesquisa notou um aumento expressivo no grupo de brasileiros que evitam notícias: 54% vez ou outra faz um esforço para não se informar. Em 2019, esse percentual era de 34%. Rodrigo Carro, jornalista de economia que apresenta os dados brasileiros no site do Instituto Reuters, atribui à “fadiga de más notícias” o aumento da ojeriza, citando especificamente a extensa cobertura da covid-19 em 2021.

Não há dieta de informação capaz de neutralizar más notícias sistêmicas. De qualquer forma, alienar-se — ainda que fosse uma opção — é uma saída ruim. Boas decisões são precedidas de boas informações, o que, por sua vez, não é sinônimo de muitas informações.

Do meu lado, tenho sido mais seletivo com o que leio, ouço e assisto, ao ponto de considerar até o formato. Menos vídeo, mais texto. Menos redes sociais, mais notícias apuradas. Menos celeridade, mais acuidade. Menos, no geral. Quem lê tanta notícia?

Outra coisa que tenho feito sem peso na consciência é recorrer ao “marcar tudo como lido”. Quando o agregador de feeds de notícias ou o filtro de newsletters chega aos três dígitos de itens não lidos, tocar nesse botão é libertador. É uma sensação similar, resguardadas as devidas proporções, a acordar em um primeiro de janeiro, a começar um caderno novo. É um recomeço, um fácil e inconsequente. Está ali, o tempo todo, ao alcance de um clique ou toque.

Pode soar como um gol contra alguém que ganha a vida escrevendo… escrever isto, mas meu compromisso maior aqui é com a honestidade: pouco do que é publicado é imperdível ou inesquecível. O que realmente importa a gente se vira para saber, chega até nós, de um jeito ou de outro.

Já virou clichê dizer que vivemos em uma economia da atenção. Clichê porque verdade. E isto não é, nem de longe, um lamento por tempos mais cascudos, quando o poder de comunicar estava restrito a quem tinha uma licença de TV ou de rádio ou uma gráfica.

A liberdade de publicar, de “produzir conteúdo” (imagino alguém fabricando salsichas toda vez que ouço isso), é maravilhosa, mas é ao mesmo tempo uma cilada. É preciso estar sempre atento na economia da atenção para não termos a nossa usurpada sem que sequer percebamos.

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6 comentários

  1. realmente eu mesmo estou desistindo de ler e ouvir tanto, mas tendo manter e aumentar um mini de “coisas relevantes como política e economia, mas escolhendo a fonte com muito cuidado. pena que por ter tanta opção fica dificil “confiar” /”se filiar” a algo mais tranquilo e ouvir sem ficar comparando com um monte.

  2. Semana passada acho que atinge o ápice com a “””notícia””” que o Airbnb tinha mandado um SMS escrito TEST pra usuários de Android. Eu li aquilo no meu twitter e fiquei tipo: Mas que caralho? QUEM PRECISA SABER DISSO? QUE INUTILIDADE È ESSA? E na real, isso é só a gota né, porque é tudo isso, sempre todas, todo dia. To tentando fazer fermento natural! Mas ainda não consegui largar todas essas merdas de notícias.

  3. Curiosade: queria saber qual (ou quais) as publicações que o Ghedin ler, seja assinatura paga ou não.

    1. Leio bastante coisa, Carlos, se considerarmos “ler” o mesmo que “passar os olhos para ver o que interessa/parece importante”, em especial newsletters (Meio, Folha de S.Paulo, Bloomberg Línea, por exemplo). Também acompanho um jornal local, publicações especializadas em negócios e tecnologia e tento diversificar o cardápio com newsletters e fóruns online de links — vem deles boa parte dos links da newsletter de sábado, por exemplo.

  4. Minha esposa faz parte destes 54%. Evita ao máximo, de vez em quando procura se inteirar. Até chegou a comentar de um podcast com esse título – quem lê tanta notícia .

    O problema acho que são os feeds, esses dias me falou do caso do Caio Castro, coisa que nem me interessava mas é o que populariza nas redes sociais