Modo avião, com Larissa Manoela, dá uma bugada ao abordar vício em celulares e redes sociais

Larissa Manoela vestindo uma jaqueta rosa tira selfie com um cachorro no colo.

O grande filósofo da nossa geração, Alexandre Magno Abrão, o Chorão, já alertava no final dos anos 1990 que o jovem no Brasil nunca é levado a sério. Então, quando a atriz e fenômeno teen Larissa Manoela resolveu tocar em temas como a cultura dos influenciadores digitais e o vício em celulares em seu novo longa metragem, Modo Avião, o mínimo que alguém interessado nesses assuntos poderia fazer era prestar atenção. Assim o fiz.

No filme, Larissa interpreta Ana, uma influenciadora digital com milhões de seguidores nas redes sociais, um contrato de exclusividade com a marca de roupas True Fashion, um namoro de fachada com outro influenciador que ela — e só ela — leva a sério e apenas uma amiga que considera verdadeira. Ana mora com seus pais, mesmo já sendo financeiramente independente, e vive em função dos seus seguidores, o que gera diversos problemas dos quais o filme só mostra dois: os relacionamentos disfuncionais generalizados e as batidas frequentes que ela dá em outros carros com seu indestrutível Fiat 500.

Tudo muda quando, após seu namorado romper o relacionamento em uma live (limites, gente!), Ana vai embora frustrada e, ao se distrair com o celular enquanto dirige, desta vez capota o carro e vai parar no hospital. Seria neste momento que pais normais indicariam à filha viciada um tratamento psicológico ou coisa do tipo, mas os de Ana acham que é ideia melhor despachá-la, sem celular, para uma temporada no sítio isolado e sem internet do avô monossilábico e meio creepy com quem romperam contato há anos e, não bastasse isso, sob um pretexto falso de que a incursão offline no meio do mato seria uma pena alternativa imposta pela Justiça no lugar de detenção. Olha a irresponsabilidade!!

Modo Avião, nesse momento, vira uma espécie de Show de Truman tupiniquim, o que meio que complica deveras a premissa inicial: a família de Ana quer tirá-la da vida artificial nas redes sociais e, para isso, engambela a coitada em uma rede de mentiras e terror psicológico? Talvez funcione, vá saber, mas uma Ana da vida real não sairia dessa sem sequelas.

Parte do elenco do filme "Modo Avião" em torno do carro azul que Germano (Erasmo Carlos) conserta ao longo da história.
Foto: Netflix/Divulgação.

Além do avô Germano, interpretado pelo estreante em cinema e visivelmente deslocado Erasmo Carlos, interage com Ana a única família do povoado das redondezas à vista em 95% do filme, composta por uma mãe e seus três filhos, entre eles João (André Luiz Frambach), jovem capiau com os hormônios à flor da pele, olhos verdes desconcertantes, grande dom culinário e, como se fosse a cereja do pudim, aquele “r” puxado irresistível do interior paulista. Quem precisa de Tinder quando as circunstâncias colaboram de tal maneira?

O roteiro de Modo Avião dá muitas voltas e algumas delas são inesperadamente curtas. Ana chega à casa de Germano — aliás, bela casa; passaria fácil umas semanas ali sem celular — como a patricinha da cidade que se estranha com os modos simples, mas genuínos e satisfatórios do avô carrancudo que não conhecia até então. Você sabe, desde o início, que a convivência os aproximará, que ela ficará menos mimada e ele, menos turrão, e que avô e neta terminarão o filme super parças, mas já na cena seguinte o velho está levando roupa limpa para Ana e a cobrindo à noite e ela aprendendo a consertar carros antigos, a paixão do avô, com entusiasmo. A imagem de jovem megera também se desfaz rapidamente quando Ana se deixa conquistar pelos quitutes e beijocas de João e compra o apreço das futuras cunhadas com roupas feitas a mão minutos depois de xingá-las de jecas. O ritmo da montagem é o das redes sociais: acelerado, atropelado, muitas vezes sem sentido.

Os momentos de tensão ocorrem quando Ana, na fissura, tenta emprestar à força ou subtrair celulares alheios da galera do povoado para estancar suas crises de abstinência, e quando ela confronta Carola (Katiuscia Canoro), a vilã dona da True Fashion que nunca foi com a cara da sua maior estrela. É uma ação criminosa de Carola no terceiro ato que faz com que Ana supere o complô “trumaniano” da sua família (que incluía o avô e o crush João) como se fosse nada, porque aparentemente há vilões piores que seus pais doentios tocando o terror para fazê-la tomar café da manhã junto com eles sem o celular enfiado na cara.

Modo Avião é indissociável da sua atriz principal, e isso torna a jornada da heroína Ana estranha porque a todo momento você se lembra que a atriz Larissa Manoela é, ela própria, uma bem sucedida influenciadora digital, com seus quase 30 milhões de seguidores no Instagram e um feed recheado de fotos pretensamente espontâneas do seu cotidiano e looks a rodo promovendo marcas de roupas e de produtos de beleza.

Print do Instagram da Larissa Manoela de um post patrocinado pela L'Oreal.
Olha, igual no filme! Foto: @larissamanoela/Instagram.

Não me entenda errado: a ideia de tocar nesses assuntos tão caros à sua geração com um paralelo que não se tenta esconder entre personagem e atriz tem muito potencial, mas falha rudemente na execução e, no fim, deixa uma sensação de oportunidade perdida. A promessa inicial de uma crítica que leva a questionamentos sobre o estilo de vida da protagonista/atriz acaba reduzida à vilania de Carola. A mensagem, no final, é de que tudo bem ser viciada em celular e viver alienada nas redes sociais, desde que não seja ao lado de uma empresa de moda “do mal”, ou seja, é o velho maniqueísmo barato das produções mais rasas de Hollywood — fonte na qual Modo Avião bebe bastante, aliás.

Tudo bem que se trata de uma produção infantojuvenil, mas em vários momentos Modo Avião subestima o espectador. Não chega a ser passível de cancelamento, mas que é uma pena, isso é.

Modo Avião tem direção de César Rodrigues e está disponível exclusivamente na Netflix.

Foto do topo: Netflix/Divulgação.

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12 comentários

  1. A paisagem me chamou a atenção neste filme e, buscando por onde ele foi gravado, cheguei até aqui.
    Você escreve muito bem e acho a cítrica válida, só gostaria de deixar uma contribuição:
    O filme é nacional e sabemos que no Brasil somente é possível obter a CNH a partir de 18 anos completos, fato este que, devido ao próprio roteiro, define que a personagem principal possui, no mínimo, 18 anos, logo, por mais insana que seja a rede de mentiras na qual a família a envolveu, o Conselho Tutelar não se envolveria em um caso desse, pois ele realiza o acompanhamento de crianças e adolescentes com até 17 anos e 11 meses.
    Creio que seja melhor readaptar esta parte do seu excelente texto!

    1. Belo achado, Andréa! Curioso que, embora a personagem seja maior de idade, o tratamento dispensado pelos pais dela parece daquele tipo que faria sentido com uma adolescente, né?

  2. Este filme foi filmado na cidade que eu morei, eu acompanhei boa parte das gravações de perto.
    Tenho que confessar que não consegui chegar até o final. Estamos numa época em que discutir sobre FOMO e vício em redes sociais já virou uma questão de saúde pública e este poderia ter feito uma boa contribuição para os mais jovens fazerem algumas reflexões sobre o assunto. Mas eu achei totalmente aleatório e como você disse, tudo muito acelerado e sem sentido. Uma pena.
    Também acho que se fosse outra atriz no lugar da Larissa Manoela, poderia ficar mais “digestivo”.

  3. Nunca tinha ouvido falar em Larissa Manuela. Que coisa maluca essa bolha (?!).

    Fora isso, ótima resenha!

  4. Olha, achei um pouco aleatório a crítica deste filme, neste site, mas valeu a pena.
    Aproveitando pra deixar algo registrado, algo que aliás pode ser uma impressão somente minha: o conteúdo da sessão ‘ETC’ é muito bom, e me pareceu um pouco “escondida” no formato atual do site, mas o problema – se é que existe algum – pode estar do lado de cá.

    No aguardo de outras resenhas…

    Ricardo

  5. Você devia fazer mais críticas de filmes. Gostei de ler essa.

    E é realmente uma oportunidade perdida com esse filme, tendo em vista que, aparentemente, a maioria dos seguidores dela são da idade dela ou um pouco mais novos.

    1. Que bom que curtiu, Eduardo!

      Não confio tanto assim na minha veia crítica, haha. É muito tentador escrever crítica de cinema, acho eu, porque à primeira vista parece ser um negócio simples, tipo comentar com alguém um filme que acabamos de ver no cinema ou filmes aleatórios em rodinhas de amigos, só que na real acho bem mais complexo, super difícil.

      Arrisquei escrever uma de Modo avião porque tinha um gancho que dialoga diretamente com um assunto que me é mais familiar (e muitas deixas para fazer graça, haha).

      1. Mas é escrevendo que se aperfeiçoa :P

        Pensei depois… Se o filme não tivesse muito a ver com tecnologia, ficaria meio fora lugar mesmo. Talvez de vez em quando, quando um algum filme nessa vibe aparecer, ou até mesmo uma série. Não sei seria muita coisa. Inclusive, poderia ter algo sobre “Privacidade Hackeada” por aqui. Apesar de que teve bastante bastante notícia sobre o Facebook e vazamentos.

      2. Ghedin, tem um Filme chamado Searching (Buscando… na versão brasileira) que acho que merecia uma crítica aqui no MdU.

        O filme mostra a história do desaparecimento de uma adolescente e a busca do pai dela por respostas e pistas através das redes sociais e arquivos que ela tinha no PC.

        O interessante é que o filme mostra as interfaces reais dos aplicativos e sites visitados, como a cena inicial onde a vida deles é mostrado em fotos salvas em um Windows XP.

        É um suspense bem inteligente, vale a pena assistir.