Quando a moderação de uma rede social se torna nossa responsabilidade

Estar no fediverso hoje é uma experiência familiar e estranha ao mesmo tempo.

Na superfície, é tudo muito parecido com o Twitter e outras redes. Sim, o sistema para seguir/encontrar alguém é meio chato e há recursos e convenções únicas ali, como o “alerta de conteúdo” e a ênfase na descrição de imagens. Esses detalhes aprende-se rápido, porém.

As coisas podem ficar (e ficam) mais complexas.

Vez ou outra, emergem diferenças entre instâncias (elas próprias, um conceito difícil de explicar) e grupos de usuários, como os de longa data e os recém-chegados do Twitter. E embora as dinâmicas de poder sejam boas, melhores que às das alternativas comerciais — descentralizada, com poder distribuído —, isso não significa que a arquitetura esteja pronta ou não careça de ajustes, de melhorias.

Uma óbvia é dar mais transparência aos bloqueios entre instâncias.

Uma “instância” é um servidor, ou uma comunidade. Você se inscreve em uma comunidade e pode interagir com membros internos e com gente de fora, de outras comunidades. Cada instância/comunidade tem regras escritas próprias para seus membros e que, em muitos casos, se estendem para a interação com outras instâncias.

As instâncias, ou comunidades, têm o poder de bloquearem umas às outras. E elas, ou a maioria delas, fazem uso desse poder. O que é ótimo: a rede social Gab, de extremistas? É o Mastodon por baixo do capô, o que não quer dizer muita coisa porque todas as instâncias decentes a bloqueiam preventivamente.

Até aí, ótimo. O problema é que comunicar esses bloqueios é, hoje, uma discricionariedade do administrador da instância. Não existe um meio de alguém ficar sabendo dos bloqueios feitos em nome deles, nem dos bloqueios de outras instâncias à sua.

E, no mínimo, o Mastodon deveria notificar os membros envolvidos em bloqueios entre instâncias. Isso ajuda os usuários a estarem a par das ações da administração e a tomarem decisões informadas de permanência ou migração de instâncias. (A migração é um processo suave e você não perde seguidores ao fazê-la.)

No final de 2022, instâncias brasileiras bloquearam outra, a Ursal. Alguns administradores, como os da Donte e da Bantu, publicaram posts justificando a decisão. Não dá para tolerar certos abusos e somos todos adultos e com tempo limitado. A omissão da administração de uma instância exige que as das demais moderem membros alheios acerca de práticas básicas de civilidade. Isso não se sustenta, além de ser bem zoado.

Até aí, tudo bem. O problema é que só soube do bloqueio quando ele já estava em vigor. O Manual estava na Donte e, por mais que hoje eu concorde com a decisão do administrador e ache o trabalho dele, Renato Lond, sensacional, tal decisão afetou o relacionamento que mantinha com pessoas da Ursal, que, assim como eu, não estavam cientes dos problemas da administração da Ursal. Fomos pegos de surpresa com a ruptura.

Quando migrei o perfil do Manual para uma instância própria, restabelecendo o contato com a Ursal, alguém da Donte me questionou:

A Ursal está bloqueada na Donte? Eu tinha seguidor e seguia gente de lá. Isso quer dizer que nossa comunicação já não é possível?

Sim, quer dizer exatamente isso.

Um sistema de notificação global e automático evitaria esse tipo de surpresa desagradável. Será que já está no roadmap de novos recursos do Mastodon?

Apesar disso, apesar de tudo, o modelo descentralizado do fediverso/Mastodon tem sido melhor que o centralizado do Twitter. Se na rede do Elon Musk os abusos correm soltos e só são contidos no limiar do absurdo (quando são), aqui do outro lado, com pessoas comuns no comando, dialogando, fazendo política, errando e aprendendo e tentar acertar, o ambiente no geral é mais harmônico, mais agradável.

Rusgas como essa da Ursal são inevitáveis. Somos, afinal, pessoas tentando achar um denominador comum para convivermos num ambiente em que a comunicação é limitada, é de um para muitos, é pouco natural. Com paciência e boa vontade, porém, vamos longe.