O custo do “progresso” dos celulares e notebooks da Apple é pago em acessórios

Detalhe de um hub USB-C sobre um mesa, atrás de um monitor parcialmente visível, com vários cabos conectados e algumas pontas USB-A ao lado, soltas.

Dizem que o “early adopter”, aquele consumidor disposto a ser o primeiro a comprar ou experimentar um produto, só se ferra. Ao se submeter a coisas ainda não testadas por mais gente, ele se expõe ao risco de topar com erros de projeto, falhas no processo de fabricação, custos elevados etc.

Casos do tipo são tão recorrentes na indústria que esperar é considerada uma boa prática. Em vez de comprar no lançamento, espere. No pior cenário, você se livra de andar por aí com uma bomba em formato de celular no bolso, como aconteceu com os early adopters do Galaxy Note 7, da Samsung, em 2016.

Algumas mudanças, porém, alcançam todos os “adopters”, os precoces e últimos, aqueles que esperam o produto atual ficar obsoleto. Veja o meu caso: sete anos depois de a Apple aposentar a diversidade de portas em seus notebooks, substituindo-as por apenas um tipo, o USB-C/Thunderbolt, senti na pele — ou melhor, no bolso — o impacto dessa “evolução”.

Uma evolução, vale dizer, já revertida na linha de notebooks mais cara da empresa. O MacBook Pro de 2021 trouxe de volta o conector MagSafe, a porta HDMI e o espaço para cartões SD. Nos demais, ainda temos que nos virar com poucas portas USB-C/Thunderbolt e incontáveis adaptadores.

Não que o USB-C/Thunderbold seja ruim. É, de verdade, bem prático plugar e desplugar apenas um cabo na minha mesa quando alterno entre os modos “notebook” e “estação de trabalho”. Ao hub USB-C conecto teclado, mouse e monitor, às vezes fones de ouvido, pen drive, chave de segurança e cartão SD — nenhum com plugue USB-C. Antes, eram no mínimo três cabos que plugava e desplugava a toda hora; agora é só um.

Só que essas coisas não precisam ser mutuamente excludentes. Daria, por exemplo, para manter uma porta USB-A junto às USB-C, o que me livraria de ter que carregar um adaptador para quando, no “modo notebook”, preciso usar um pen drive ou a minha chave de segurança.

(Note, aliás, que mesmo o MacBook Pro de 2021 cheio de portas não tem uma USB-A, um formato sentenciado à morte pela Apple, mas ainda muito usado.)

Detalhe de um carregador de parede da Baseus branco, sobre um cabo Lightning também da Baseus e também branco, enrolado, sobre uma superfície branca. À esquerda, parte de um livro de capa amarela e com letras vermelhas (não dá para ler o que está escrito). À direita, silhueta de folhas de uma planta.
Foto: Rodrigo Ghedin/Manual do Usuário.

Com o celular, a novela foi parecida. A pretexto de “preservar a natureza”, como se não restasse nada melhor a ser feito nesse sentido, em 2020 a Apple removeu o carregador de parede das caixas dos seus celulares novos.

Na loja oficial da empresa, aquele carregador de 5W que era “gratuito” é vendido por R$ 191. Curiosamente, o modelo USB-C de 20W sai pelo mesmo preço.

Optei por um alternativo, de uma marca chamada Baseus, de 20W, que vem acompanhado por um cabo Lightning, a um preço menor que o carregador solo da Apple.

Ao lado de algumas outras, como Ugreen e Anker (todas indicadas por leitores em um post livre recente), essas empresas chinesas têm suprido as lacunas criadas pela Apple e replicadas, em partes, por outras fabricantes — começa a ficar difícil encontrar carregadores dentro das caixas de celulares Android.

O custo-benefício dos acessórios de marcas alternativas é ótimo não por serem os mais baratos (não são), mas por serem mais baratos que os oficiais e, com frequência, melhores.

O “adaptador multiporta” da Apple custa R$ 656 (à vista) na loja oficial e expande uma USB-C para um trio de portas — USB-C, HDMI e USB-A. Por 1/3 desse valor comprei um hub USB-C da Ugreen sem USB-C, mas com duas portas USB-A, HDMI, RJ-45 e leitores de cartões SD e microSD.

De qualquer modo, eu preferiria não ter que lidar com isso. Não é um desejo descabido — o notebook que comprei em 2015 e o celular de 2017 eram autossuficientes, vinham com as portas e os acessórios essenciais na caixa.

Muitas vezes as empresas vendem ideias de “progresso” que são retrocessos, mas com uma maquiagem tão boa que passam como tal. Para esses dois casos, do notebook sem portas/conexões e do celular sem carregador na caixa, não há qualquer justificativa, fantasiosa ou não, que seja ao menos convincente.

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9 comentários

  1. Discordo bastante do caso do carregador: acho que os carregadores duram mais que os aparelhos, faz sentido considerar como coisas separadas.
    Não tem porque fabricar carregadores pra cada unidade de telefone que é produzida.

    Acho que a execução da Apple foi péssima: tirar o carregador de uma vez (podia ter algo como o que a Samsung faz, que você pede o carregador depois), trocar o cabo USB-A por USB-C ao mesmo tempo (mesmo quem tinha carregadores em casa não podia usar o cabo que vem na caixa).
    Claramente foi feito as pressas e não foi pensado no meio ambiente, ainda que tenha um efeito colateral positivo.

    Já o notebook sem portas, acho que é algo bem simbólico da Apple. Os notebooks da Apple há muito tempo não tinham porta VGA quando todo notebook PC tinha, por exemplo.
    Foram mais radicais no MBP de 2016, talvez apostando em algo tipo o iMac G3, mas não acho que fariam um ThinkPad da vida, cheio de portas e módulos de expansão.

    1. O problema maior dos carregadores é a troca de padrões.

      De fato sim, carregadores hoje duram bem mais – tenho acostumado a comprar usados e bons para repassar a amigos ou usar.

      Mas os padrões vão mudando a cada geração. Os primeiros USBs tinham carga de 5v e entre 500mA a 1A (Quinhentos miliamperes a um ampere). Os “inteilgentes” podem ir de 9 a 20v com alternância de corrente (5v e 3A por exemplo).

      O USB-C permite cargas bem maiores, e isso significa ter a necessidade de cabos que aguentem tais cargas. O vídeo da Anna no comentário abaixo mostra legal como é, e há um relato da Anna (no Twitter dela) que ela conta os perrengues por causa destes problemas de padronização – para carregar a energia de um dock station por exemplo, o cabo deve aguentar a carga correta ou não permite carga ou uso de todas as funções.

      Quanto a Apple ela sempre foi meio “fora de padrão”. Nos Mac ela geralmente usa DisplayPort (versão mini em alguns modelos antigos) ao invés de HDMI. Sei pq tive um amigo que teve problemas para usar o note dele (Macbook Air, salvo engano) em um monitor.

  2. Você não tocou, ainda, em um dos pontos mais frustrantes da investida em USB-C em computadores: nem toda entrada, cabo e acessório USB-C é o mesmo. Já acumulamos um punhado de padrões diferentes que torna a compra de acessórios e cabos confusa, frustrante e exorbitante.

    A implementação de software também deixa a desejar—o mais notável é a falta de multi-stream transport (MST) no macOS, funcionalidade existente no Windows e Linux que possibilita coisas como daisychaining.

    Cabos e acessórios Thunderbolt, então, estão em uma outra esfera de complexidade e preço. Esse vídeo mostra o tanto de coisa que um cabo desses abriga.

  3. Apenas um comentário aleatório: esse livro ao lado do carregador seria “O despertar de tudo” do David Graeber e David Wengrow?

    Esse livro junto com o Dívida e o Bullshit Jobs, apesar de forte conteúdo antropológico, fala muito da nossa relação atual entre tecnologia, economia e sociedade. Seria massa um episódio do Guia com ele.

      1. “Dívida: os primeiros 5.000 anos”. O Graeber mapeia 5.000 anos de antropologia econômica pra compreender as relações entre a dívida, moeda e o que entendemos por economia. O mais interessante da abordagem dele sobre o assunto é que ele não pretende fazer grandes esquemas de “evolução dos sistemas econômicos” e a sua relação com a dívida, mas sim compreendê-la à partir do comportamento e dos discursos do dia a dia de diferentes sociedades humanas ao longo da história.

  4. Eu achei um absurdo o diferencial do próximo iPhone ser uma entrada USB-C. Não me leve a mal, eu também gosto muito da ideia de unificar essas entradas e a Apple deveria ter feito isso há anos, mas usar isso como argumento para vender o aparelho é deveras complicado.

    Também opto pela Baseus e Ugreen aqui em casa. TODOS os cabos, fones de ouvido e carregadores são de marcas assim alternativas.

  5. É foda mesmo… com fones e fios de carregamento para iPhone é o mesmo problema: mudaram para a entrada lightining e com isso ainda complicaram a vida de quem quer comprar uma opção mais barata já que quase todos genéricos acabam tendo problema de compatibilidade com a entrada.