Em maio, um post no Twitter de Neeraj Arora viralizou. No fio, ele contou como foi engambelado por Mark Zuckerberg em 2014, quando o então Facebook comprou o WhatsApp por US$22 bilhões. Neeraj era diretor de negócios do aplicativo de mensagens e esteve diretamente envolvido na venda para o Facebook.
O desenrolar daquela história é conhecido a essa altura: Zuckerberg violou alguns dos compromissos que assumiu em 2014 com os fundadores do WhatsApp, como o de não cruzar dados dos usuários do Facebook com os de outras propriedades, e os fundadores acabaram saindo da empresa enquanto o WhatsApp continuou crescendo até se consolidar como um dos principais motores de comunicação da humanidade.
Neeraj não desistiu do sonho de criar um aplicativo melhor, porém. Naquela postagem no Twitter, ele disse que o WhatsApp se tornou “uma sombra do produto em que colocamos os nossos corações e queríamos construir para o mundo”. Hoje, ele se dedica ao HalloApp, uma espécie de “segundo ato” — desta vez, à prova de aquisições multibilionárias por empresas de reputação questionável.
Origem
O HalloApp foi lançado em novembro de 2020, quase um ano após a startup ser fundada por Neeraj e Michael Donohue, outro ex-WhatsApp.
O aplicativo é gratuito e está disponível para Android e iOS. Neeraj promete que ele jamais terá anúncios, algoritmos, robôs ou influenciadores. (Em sua foto no Twitter, ele veste uma camiseta com um sinal de proibido sobre a palavra “algoritmo” em inglês.)

O HalloApp se define como “a primeira rede de relacionamentos reais”. Perguntei, em entrevista concedida ao Manual do Usuário por e-mail, o que isso quer dizer — afinal, não é como se estivéssemos falando (só) com robôs, influenciadores ou a parede no WhatsApp ou no Instagram.
“O HalloApp foi criado com o propósito de conectá-lo(a) com pessoas que você conhece realmente em sua vida — daí usarmos a agenda de contatos do celular para começar”, explica. “Em outros aplicativos sociais, você vê anúncios, conteúdo patrocinado, pedidos de amizade de pessoas que você não conhece e outros conteúdos que costuma ver em revistas ou na TV.”
Como funciona?
Com tons alaranjado e uma interface simples, baseada em quatro abas e um grande botão para postar conteúdo, o HalloApp é, na real, uma mistura de WhatsApp e Instagram.
Na comparação com o WhatsApp, estão ali as conversas em grupo, a criptografia de ponta a ponta padrão e obrigatória, ligações de áudio e vídeo e envio de áudios.
No feed, a parte que lembra o Instagram, é possível publicar fotos, vídeos, mensagens de texto, áudios e, uma adição recente, “momentos”, fotos que desaparecem em 24 horas e só podem ser vistas pelos contatos uma vez.
As postagens no feed do HalloApp expiram depois de 30 dias, quando passam a um “arquivo” acessível apenas pelo(a) autor(a).

Contatos? Só os que estão na sua agenda de contatos do celular — é o único tipo de dado que o HalloApp coleta, destaca Neeraj. “O mundo caminha para um lugar onde os usuários são livres da vigilância e não são rastreados o tempo todo para serem atingidos por anúncios segmentados”, diz.
O foco e os incentivos mais alinhados ao bem estar dos usuários do que dos anunciantes se fazem sentir no aplicativo. Ele é bem leve e as configurações, poucas, claras e objetivas, um forte contraste aos infindáveis labirintos que redes dependentes de publicidade, como Facebook, Instagram e Twitter, chamam de “configurações”.
Tudo muito bom, tudo muito bonito, mas quais as chances de algo assim vingar em pleno 2022?
Sem rivalidade
Ao fazer esse questionamento a Neeraj, mencionei os rivais óbvios do HalloApp: WhatsApp e Instagram. O executivo desconversou: “Não criamos o HalloApp para rivalizar algum outro aplicativo. Apenas queremos criar uma experiência que é nova, privada e sem bagunça.”
A última parte chama a atenção, à luz das eleições e dos problemas recorrentes e graves que outras plataformas sociais têm com a distribuição de desinformação, discursos de ódio e outras questões de discurso.
“Temos alguns benefícios inerentes devido à maneira como o HalloApp é construído”, começa respondendo Neeraj após eu perguntar se o aplicativo está preparado para esses desafios.
“Não temos um conceito de post público que pode ser enviado ou visto por milhões de pessoas. Isso minimiza as chances de espalhar desinformação. Em segundo lugar, não permitimos a pesquisa por perfis ou o envio de solicitações de amizade, então isso acrescenta segurança à rede”, diz. “É difícil prevenir o mau comportamento em qualquer produto, mas podemos sempre criar produtos que são seguros e responsáveis.”
Tivemos essa primeira conversa em fevereiro deste ano. Em algum momento desde então, o HalloApp ganhou um componente que permite expor conteúdo a terceiros — um compartilhamento com o mundo exterior (exemplo).
Quando retomei a conversa com Neeraj, no final de julho, o Instagram estava no centro das críticas a respeito do processo de “tiktokzação”. Perguntei, então, se ele encarava esse evento como uma oportunidade para promover o HalloApp.
Novamente, a resposta foi “não”: “Queremos focar em nossos próprios valores — ajudar você a estar em contato com pessoas com quem se importa em uma experiência privada e autêntica.”
Modelo de negócio e escala global
Neeraj profere palavras fortes quando fala da Meta, do destino do WhatsApp e das virtudes do HalloApp, mas será que isso é suficiente para confiar?
Apesar das distinções e da aspiração de se tornar um aplicativo global, em termos de negócio o HalloApp é bastante convencional: é financiado por capital de risco e seus aplicativos e servidores usam código fechado.
Questionado se a ausência do código-fonte dos aplicativos disponível a qualquer um poderia ser uma lacuna na promessa, Neeraj confessou que não havia pensado no assunto, mas não descartou abri-lo posteriormente.
Quanto ao modelo de negócio, o HalloApp sabe o que não quer (anúncios) e o que quer — no caso, funcionalidades pagas.
Os primeiros experimentos devem começar no início de 2023. Na nossa conversa, Neeraj não revelou detalhes, mas em entrevista ao site Protocol, em maio, ele fez referência ao modelo original de geração de receita do WhatsApp como “uma prévia” de métodos alternativos para gerar receita nesse espaço.
Caso você não se lembre, o WhatsApp cobrava uma anuidade de US$1 de alguns usuários — nos Estados Unidos e em alguns países europeus. Da entrevista ao Protocol, palavras de Neeraj:
Na cabeça dos usuários, eles não se importam em pagar por produtos que adoram se [o valor] for nominal e servirem às suas necessidades. Ainda não definimos exatamente como as assinaturas funcionarão, mas de modo geral, estamos pensando em ter um produto que seja gratuito para todos usarem e, então, construiremos um conjunto de recursos premium em cima disso e você poderá atualizar para uma assinatura, uma assinatura mensal, e pagar por isso.
É um modelo que outras redes sociais e aplicativos de mensagens, como Snapchat, Twitter e Telegram, já estão experimentando.
Neeraj não abre números do HalloApp, apenas diz que há 15 pessoas trabalhando na startup.
O intuito é ganhar escala, e embora o HalloApp venha ganhando recursos a conta gotas, num ritmo lento, mas constante, é difícil vislumbrar ele ganhando tração. Segundo a consultoria Sensortower, em julho o HalloApp teve 100 mil downloads para Android e menos de 5 mil para iOS.
Foto do topo: @DLDConference/Twitter.
Dá pra fazer um contrafactual do que teria sido o whatsapp se nunca tivesse sido vendido ao facebook ou se tivesse sido vendido a um outro rival. Na situação atual, me parece mais do mesmo, se não tirar publico do whatsapp não vejo muito como vai vingar.
Este tipo de programa (nunca mais ouvi nem vi ninguém usando esta palavra) só vai dar certo quando houver a compatibilidade entre aplicativos, como havia quando o google usava o jabber no google talk.