Deve ser monótona a vida da pessoa mais rica do mundo. O que fazer quando se pode fazer tudo? Serve de indício a que leva Elon Musk, o empresário sul-africano radicado nos Estados Unidos que ocupa o posto no momento, com uma fortuna estimada pela revista Forbes em US$ 260 bilhões (~R$ 1 trilhão).
Musk comanda empresas visionárias, como a SpaceX e a Tesla, o que seria trabalho para mais de uma pessoa, mas ainda assim encontra tempo para atividades mundanas, como chamar de pedófilo (sem provas) um voluntário que trabalhava para resgatar crianças perdidas na Tailândia e postar memes de extrema-direita no Twitter.
Esse último passatempo ocupa parte considerável dos dias de Musk que, de tanto postar, passou a enxergar muitos defeitos no Twitter.
O problema é que ele confia demais em si mesmo e tem dinheiro de sobra para passar da lucubração, do “e se…”, para a prática. Pessoas com autoestima elevada, entusiasmadas e com dinheiro de sobra são um perigo.
Foi assim que, tal qual o proverbial menino mimado dono da bola, ou que quer sê-lo, no início de abril Musk começou sua investida para tornar-se dono do Twitter.
No dia 4 de abril, Musk declarou ter adquirido 73,5 milhões de ações do Twitter nos últimos três meses num valor de US$ 2,9 milhões. O volume representa 9,2% da empresa. Musk tornou-se, com isso, o maior acionista do Twitter.
No dia seguinte, 5 de abril, Musk foi apontado para o conselho de administração do Twitter, o que lhe daria poderes para ditar, junto a outros dez conselheiros, os rumos da empresa (o conselho é uma espécie de “chefe do CEO”), mas impunha um teto à propriedade de ações, de até 14,9%.
Quase uma semana depois, com seu nome já no site de relações com investidores do Twitter, no dia 11, quando estava previsto para assumir seu assento, Parag Agrawal, CEO do Twitter, anunciou que Musk não faria mais parte do conselho.
A desistência teria sido do próprio Musk, mas causou estranhamento a citação, no comunicado de Agrawal, da “verificação do histórico” do empresário. Isso costuma ser mera formalidade e, à primeira vista, a menção ali pareceu fora de contexto. Ninguém sabe ainda os bastidores dessa mudança de curso.
Deve ter a ver com a notícia desta quinta (14), de que Musk enviou à Securities and Exchange Commission (SEC, espécie de CVM dos Estados Unidos) uma proposta de aquisição hostil de 100% do Twitter por US$ 43 bilhões, ou US$ 54,20 por ação, um prêmio de 54% sobre o preço na véspera de quando começou a adquiri-las, em 28 de janeiro.
No comunicado à SEC, Musk disse que o Twitter “não irá prosperar nem servir ao imperativo social [da liberdade de expressão] em sua forma atual. O Twitter precisa ser transformado como uma empresa privada”.
E deu um ultimato: “Se o negócio [aquisição] não funcionar, visto que não tenho confiança na diretoria nem acredito que consiga fazer as mudanças necessárias no mercado aberto, precisaria reconsiderar minha posição como acionista.”
O que vem por aí?
Musk faz parte de um clube de bilionários que têm um entendimento torto, mesmo para os padrões já meio tortos dos norte-americanos, de liberdade de expressão.
Em sua cruzada contra o “politicamente correto” (seja lá o que isso signifique para ele), está acompanhado de gente como Marc Andreessen, que tem investido pesadamente em startups de criptoativos, e Peter Thiel, fundador da Palantir, financiador de políticos de extrema-direita e sugador de sangue de jovens.
No breve período em que é acionista do Twitter, Musk deu várias ideias na forma de enquetes no próprio Twitter. Algumas, operacionais e que até fazem algum sentido, como incluir um botão de editar posts (algo em que o Twitter já vinha trabalhando) e dar selos de verificação a usuários pagantes, até as mais malucas, provocações infantis, como tirar o “w” do nome “Twitter” ou transformar a sede do Twitter em abrigo para pessoas sem-teto, numa crítica não tão velada ao trabalho remoto tornado permanente na empresa durante a pandemia.
Logo quem: uma das pouquíssimas pessoas do planeta que poderia resolver a questão — ao menos em São Francisco — sozinha e que, ainda assim, continuaria sendo a pessoa mais rica do mundo por larga margem.
É impossível saber se a proposta de aquisição hostil de Musk será vitoriosa. Mais nebulosa ainda é a visão do que seria o Twitter sob as rédeas de Musk.
Sua visão da liberdade de expressão, fonte de muitas das dores de cabeça que o Twitter enfrenta devido à moderação de conteúdo, se opõe à maneira como muitos países, incluindo o Brasil, lidam com o assunto.
E, claro, como todo bom hipócrita, a liberdade de expressão só vale quando preservá-la não o afeta pessoalmente. Se funcionários da Tesla reclamam ou um adolescente rastreia o avião particular de Musk usando dados públicos, aí não.
De qualquer forma, esse é um problema para o futuro próximo. No momento, o Twitter tem uma dor de cabeça maior: decidir o que fazer.
Se aceitar a proposta de Musk, subjuga a empresa aos caprichos de alguém excepcional nos negócios, mas sem tato algum no social — o que poderia ser desastroso para o Twitter, que anda numa corda bamba desde sempre.
Se recusar, é bem provável que o valor das ações derretam com a venda da cota de Musk e o carimbo de empresa sem futuro do homem mais rico do mundo.
Há quem ache que a proposta é descabida e será recusada — Scott Galloway, que fez tal diagnóstico, também é acionista do Twitter. Seria tudo isso apenas mais uma trolagem de Musk?
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Foto do topo: OnInnovation/Flickr.
Conheci o Manual recentemente e tão recentemente quanto, vi que ele tem um lado. O jornalismo unilateral foi tão exposto nessa matéria que fiquei abismado como não percebi em outras.
Fica aí o feedback e segue minha luta à procura da imparcialidade.
O MdU não é e nem tenta ser, é isso é ótimo, até pq não existe veículo imparcial.
Pergunta honesta: “O que é ser imparcial?”
Link para se quiser ir lá no Post Livre discutir sobre
Obrigado pela educação, srs. Isso é coisa rara.
O questionamento sobre a imparcialidade é realmente muito bom, parabéns pelo conteúdo denso.
Saindo da teoria e dando a minha contribuição prática, encontrei o thenewscc.com.br, que, em busca da imparcialidade, simplesmente não emite opinião própria.
Na prática eles têm o seguinte workflow: acontecimento X é exposto, mas lado A interpreta dessa forma, enquanto lado B discorda, embora ainda há quem diga que na verdade C seria a real intenção.
O jornal não opina. Ele expõe as opiniões.
Esse não é o conceito do MdU, acredito. O viés de esquerda é escancarado, e quem não se identifica com espectros políticos, como eu, acaba usando a fonte apenas para entender o pensamento daquele lado.
Lamento ter que dizer isso, mas você está sendo enganado. A thenewscc é extremamente parcial.
Não é porque um posicionamento não está explícito que ele não existe. A thenewscc é o perfeito exemplo disso. Não seja ingênuo de acreditar que uma publicação não tem viés — principalmente uma que se diz imparcial.
O Manual, pelo menos, não esconde seus vieses atrás de um verniz podre de imparcialidade. Está no “Sobre” e nas campanhas institucionais.
Rodrigo, obrigado pela educação e também pela exposição ao The News, li todo seu fio no Twitter com calma. Eles realmente têm como pilar a imparcialidade e foram claramente parciais na notícia em questão, deixando de expôr o outro lado da moeda.
O MdU não é imparcial, isso é fato, e é também a razão pela qual eu escrevi um comentário, como você escreveu um email ao concorrente. É uma empresa de opinião muito bem sólida e que deixa isso bem exposto, como verifiquei na página “Sobre”, que você linkou.
É dessa transparência que estou falando. No mais, continuo à par do que rola por aqui e em outros veículos dentro e fora dos espectros políticos e filosóficos — já que para criticar ou apoiar, eu naturalmente preciso saber o que a esquerda, a direita, o centro e e não-situados pensam.
Abç.
Eu não quero a prática, eu quero a teoria. Pois se você não tem uma base teórica sobre “o que é ser imparcial”, então você não consegue transformar isso em prática.
Um jornal que expõe opiniões alheias não deixa de opinar – e isso inclui o citado por você. Um editor pode facilmente escolher uma opinião na qual ele sente mais “fraqueza” e possibilidade de contra argumentar, assim colocando uma segunda opinião que contra argumente de forma a fazer o primeiro argumento desvalorizado. O próprio Ghedin deixa claro no exemplo que cita sobre o noticioso informado.
Também notei, porém quem está do lado “confortável” não nota…
A pergunta que fica dessa história toda é: até quando vai dar pra qualificar o Twitter como rede social?