“Um marco para protocolos abertos”. Foi assim que Jack Dorsey, co-fundador e ex-CEO do Twitter, anunciou a chegada do aplicativo Damus, um cliente do protocolo Nostr, à App Store/iOS.
O Nostr tem gerado burburinho em grupos de desenvolvedores, bitcoineros e uma galera super desconfiada de plataformas digitais. Motivo: o Nostr traz uma proposta alternativa às redes sociais comerciais que, nas palavras de quem o criou, seria “à prova de censura”.
Só que não se trata de uma nova rede social. Nostr é um protocolo, algo mais parecido com a web (HTTP/S) e o e-mail (IMAP/SMTP) do que com o Twitter ou o Instagram.
Na prática, o Nostr é uma fundação em cima da qual desenvolvedores criam aplicações. Seu principal diferencial é o sistema de autenticação, baseado em chaves criptográficas. Quem entende do riscado elogia a simplicidade do protocolo, o que em tese facilita o desenvolvimento de aplicações.
(Segure a minha mão e venha comigo porque agora a coisa fica meio complicada.)
Para criar um perfil/uma identidade no Nostr, você precisa inserir ou criar um par de chaves.
- Uma delas é privada e funciona como “senha” para logar nas aplicações. É vital guardar bem a senha, porque se você perdê-la, não tem como recuperar acesso à conta, e se alguém descobri-la, poderá se passar por você e não tem como reverter isso.
- A outra é a pública, e é o equivalente ao @nomedeusuario no Nostr. Ao compartilhar seu perfil, você não indica um @nomedeusuario, mas sim sua chave pública.
Ambas as chaves são emaranhados de letras e números. É tipo aquele código da rede virtual da Nintendo, só que (bem) pior.
Quer me seguir no Nostr? Procure por npub1wa406lmdvfctavg3qgwauwrg228ylvskcyj0prfh48e0xwv6aensyv5n87
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Pois é.

Com a sua chave privada, você pode logar em qualquer aplicativo e sentir-se em casa, com seu conteúdo e rede conexões.
Outra diferença do Nostr para redes convencionais é que a estrutura é baseada em “relays”, como se fossem “nós” numa rede ponto a ponto.
“Os relays permitem que os clientes [aplicações] Nostr enviem mensagens e podem (ou não) armazenar essas mensagens e distribui-las a outros clientes conectados”, diz o ótimo Nostr.how, um tutorial interativo do Nostr.
No Nostr.watch é possível ver os relays ativos em tempo real e detalhes como latência e país de origem. No momento em que escrevo isto, há 282 relays ativos no mundo inteiro.
Criei meu perfil no aplicativo Damus e, depois, loguei no Iris, uma aplicação web (veja o perfil aqui). E… funcionou!
Ao logar no Iris, foi possível perceber o sistema se comunicando com os relays — meus posts não apareceram de imediato. Em um canto da tela de ambas as aplicações, Iris e Damus, aparece o número de relays conectados.

Ambas as aplicações lembram muito o Twitter, com linha do tempo, campo para publicação e mensagens diretas, que aqui são criptografadas de ponta a ponta.
Não precisa ser assim, porém. Por ser um protocolo, o Nostr permite a criação de aplicações bem distintas.
Neste site e nesta lista constam diferentes aplicações baseadas no protocolo, como o Jester, um jogo de xadrez, e a Alby, uma carteira de bitcoins.
(A lista awesome-nostr é um ótimo compilado de aplicações e recursos.)
O Nostr é uma espécie de “protocolo do fim do mundo”, idealizado para situações extremas em que reina a desconfiança absoluta entre os envolvidos — usuários, relays e provedores de aplicações.
Se no Twitter é preciso confiar no Twitter, e no Mastodon, no administrador da sua instância/servidor, nada disso é necessário no Nostr. O protocolo é realmente descentralizado e o uso, conectado, mas independente de outras partes.
Até o sistema de verificação de identidade, chamado NIP-05, independe de validações externas. É feito com base em registros DNS.
Aos idealizadores e defensores do Nostr, o grande apelo é uma resistência quase plena à “censura”. A gente sabe onde essa conversa nos leva e… não é um bom lugar.
Apesar do apoio de gente influente no meio, como Jack Dorsey, o Nostr soa no momento como algo muito complexo para adoção em massa — bem mais complexo que o Mastodon, por exemplo — e sem muitos apelos a gente normal, que só quer dar umas risadas no Twitter e ver fotos de celebridades e de comida no Instagram.
Boa parte da complexidade reside no lance de chaves públicas. Que não é novo, é algo recorrente entre quem trabalha com servidores e desenvolvimento. Embora elas tenham muitas vantagens, é algo arriscado e difícil de entender por quem não é do meio.
Não é à toa que aplicações comerciais costumam usar de abstrações, como login e senha, para facilitar o uso por mais pessoas. Se a galera não consegue guardar senhas, imagine uma chave criptográfica quilométrica?
Minha aposta? Pode até funcionar, mas será algo de nicho, a exemplo de outros pequenos protocolos criativos que surgem vez ou outra, caso do Gemini, uma alternativa à web que se parece com a web dos anos 1990.
… e também do twister.net.co
Me lembrou o Scuttlebutt.nz …
Só pra comentar que tô seguindo o Ghedin lá já hahha
O negócio é se ele desse suporte ao protocolo ActivityPub. Ele tá com cara que quer perpetuar as mesmas coisas que fizeram o Twitter ser uma plataforma bem problemática. Bom, de volta ao meu Mastodon.
Acho bem pior que o Twitter porque não há sequer uma intenção de moderar ou tentar deixar o ambiente habitável.
Só vai ter a turma boa nisso.
Eu gostei, achei legal. Mas definitivamente vai virar outro bicho no zoológico das criaturas digitais exóticas, no setor Meios de Comunicação. Algum dia talvez alguém monte um livro só sobre isso, que nem um guia turístico.
Achei interessante
Talvez não como rede social (não tem como um negócio sem moderação/”a prova de censura” não virar um 4chan em pouco tempo) mas pode ter um potencial no protocolo.
Ao ler sobre, me passou pela cabeça que alguém pode criar um app que simplifique todas as etapas de conexão a rede, eliminando a complexidade. Mas ai entra em outro risco.
Qualquer coisa/local pode virar um 4chan.
Os channers migraram pro Telegram, por exemplo.
Tem canais e mais canais de disseminação dessa cultura no WhatsApp.
A tecnologia não é nem de longe agnóstica, mas existe uma questão humana em “transformar” um local. O Twitter deveria ter sido enterrado quando o Musk assumiu, assim como o YouTube já deveria ter sido também, dada a cobertura que o algoritmo deles dá aos canais de alt-right e fake news. Mas mesmo assim, você vê a centro-esquerda e o centro-progressista lutando por esses espaços e tentando tomar eles, ressignificar. Mesmo no 4chan você vai achar comunistas. NO Reddit você vai achar milhares de incels e channers. Todos locais com moderação, maior ou menor.
Sim, o que faz o local não é a tecnologia, mas sim quem está operando ela.
4Chan virou o que virou porque a liberdade “total” permitiu as ações sem restrições por lá.
As áreas de comentários em alguns sites caem mais ou menos na mesma linha. E em tempos: uma coisa que fiquei curioso é se em sites onde hoje “paga-se para comentar (e ver comentários)”, se a qualidade melhorou.
Qual a diferença, por exemplo, da patuscada liberal dos comentários do 1/2 bit e do Tecnoblog em relação a um Chan?
A gente se apega a valores muito fracos que acabam sendo incapazes de distinguir quem “usa talheres” de quem “joga comida nos outros”, mas no fundo, o cerne do pensamento liberal que permeia os 3 ambientes que eu citei é o mesmo. É isso que eu quero dizer, a questão não é moderação e tecnologia. é muito mais sobre as pessoas do que sobre tecnologia.
Entendo a lógica, mas consigo ver bem nítida a diferença entre um chan e os comentários desses blogs. Por piores que sejam, não se acham planos de atentados a escolas nem racismo e homofobia explícitos nos comentários do Tecnoblog, por exemplo.
São ruins? Sim, mas colocar tudo no mesmo balaio dos chans é contraproducente — um tiro no pé.
Discordo.
Misoginia, homofobia e racismo explicito tem aos montes.
Xenofobia também tem bastante.
Elitismo também tem bastante.
Podemos traçar uma linha na ideação de atentados à escolas, de fato.
@ Paulo Duarte
Ah, faz (muito) tempo que não acesso os comentários desses locais, então não vou botar a minha mão no fogo por eles 🥲