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As aparições públicas robóticas, sempre com um semblante desprovido de emoções, fala monótona e piadas constrangedoramente ruins, colocaram Mark Zuckerberg sob a suspeita de ter algum grau de psicopatia. Isso explicaria, por exemplo, alguém pressionado por sucessivos escândalos de privacidade e deslizes éticos anunciar uma moeda global como se: 1) precisássemos; 2) alguém tivesse lhe pedido; e 3) o Facebook fosse a melhor empresa para empreender ambicioso plano neste momento.
O Libra, a criptomoeda que o Facebook e seus parças do Vale do Silício anunciaram na última terça (18), é uma tentativa de sequestrar o sistema financeiro global usando como cavalos de Troia as plataformas onipresentes do Facebook: WhatsApp, Instagram e a rede social homônima. Não contente em erodir relacionamentos de toda sorte, chacoalhar democracias mundo afora, dar palanque a racistas, xenófobos e misóginos e desencadear linchamentos e genocídios em países do sudeste asiático, agora Zuckerberg tenta substituir os bancos para, segundo ele, “empoderar bilhões de pessoas”. A frase está literalmente na primeira linha do “white paper” e me faz questionar, honestamente, se esse papo ainda cola com alguém.
Um plano tão ambicioso não passaria batido. Foi-se o tempo em que assistíamos à megalomania das grandes empresas de tecnologia indiferentes ou, o que era mais comum, eufóricos, com um olhar otimista mesmo quando os indícios sinalizavam perigo. Governos do mundo inteiro souberam do Libra no mesmo instante que o público, o que motivou reações praticamente imediatas para que Zuckerberg dê explicações sobre o que exatamente ele pretende com o Libra.
O que ele pretende, afinal? Estender o controle autocrático que exerce no Facebook, onde é o CEO, o presidente do conselho e o detentor da maioria das ações com direito a voto e não se submete a regulação alguma? Aumentar ainda mais os lucros já obscenos do Facebook? Aquele rosto pálido e inexpressivo não dá uma sugestão sequer. Malditos robôs!
Muitos dos problemas que o Facebook se propõe a resolver estão bem encaminhados em lugares fora dos Estados Unidos. Charles Arthur lembra que países africanos já usam um sistema móvel para pagamentos, o M-Pesa (e com SMS!), e que os sistemas de pagamentos da Europa e de outros lugares, como o Brasil, estão muito à frente do dos EUA em termos de digitalização e conveniência. (Sem falar no chinês, que pulou direto das cédulas em papel para os celulares e parece inspirar Zuckerberg.) Tudo isso enfraquece ainda mais o argumento de que a motivação do Libra é facilitar a vida dos desbancarizados. O problema, afinal, não é colocar a conta de banco na internet, mas antes disso demonstrar as vantagens de se ter uma conta bancária. Este trabalho, explica o Financial Times, se resolve com confiança, com presença, de maneiras que não escalam. Em outras palavras, a antítese do que o Libra promete ser.
Há grandes chances de que o Libra não vingue, mas ninguém deve descartar uma onda de adoção em massa especialmente em lugares como o Brasil, onde o WhatsApp é o meio de comunicação de fato e o Instagram, o principal lugar onde as pessoas se veem. Todo o linguajar e as medidas tomadas pelo Facebook na apresentação do Libra, como criar uma “subsidiária” e unir-se a outros titãs do Vale do Silício, soam alarmantes. O que não está explícito, como o fato de todo o desenho do negócio ter sido feito apenas pelo Facebook, também.
Que pesem todos os problemas do sistema financeiro mundial, ele funciona, é regulado e é submetido a governos. Tem seus problemas? Inúmeros e bastante graves, como o spread bancário no Brasil, para ficar apenas em um que nos é próximo. Mas é como diz aquele mantra, em que tenho pensado com cada vez mais frequência na cobertura da tecnologia de consumo: nada é tão ruim que não possa piorar.
Foto do topo: Bloomberg/YouTube. Montagem: Rodrigo Ghedin/Manual do Usuário.
Cofundador do Facebook alerta para o poder que a Libra pode oferecer às empresas envolvidas no projeto:
https://gizmodo.uol.com.br/cofundador-facebook-alerta-poder-libra-empresas/
Já basta o tanto de informação que o Facebook tem a nosso respeito, dar a ele todas as nossas transações bancárias é ainda mais complicado. Acho a ideia da Libra muito interessante quando a vejo do ponto de vista de uma moeda privada que tira do estado o monopólio da moeda, porém há opções muito melhores no mercado de moedas digitais. Vide por exemplo a Nano…
“Moeda privada que tira do estado o monopólio da moeda”…
Você realmente acredita que a moeda deve ser algo que o estado não tenha controle? Que a economia monetária de um país deveria estar sob o regime de empresas? Que os instrumentos de impacto macroeconômicos da moeda enquanto ferramenta de políticas sociais seriam mais eficientes na mão de um oligopólio de poucas, ricas e influentes empresas?
Com todo o respeito, mas esse tipo de comentário embrulha meu estômago.
A moeda não deve ficar no controle do estado!
Com a moeda nas mãos do estado tudo é possível pra ele. Desde censurar pessoas até financiar guerras de assassinatos em massa. A principal arma que existe hoje é a moeda quando atua como sistema de controle.
A moeda deve partir da iniciativa de indivíduos, e não IMPOSTA por uma instituição coercitiva e monopolista.
Pra deixar claro, a moeda na mão de uma empresa não seria tão diferente. Acredito que a melhor solução são as criptomoedas, onde não existe ninguém por trás com o poder de inflacionar a moeda.
Ou poderíamos acabar com o Estado após destruirmos o capitalismo, o que acha? Assim acabamos com dois problemas de uma vez e não precisamos mais discutir sobre regulação de equivalentes gerais de mercadorias.
Pessoal libertário, que se apropriou do termo diga-se, prega o comunismo e sequer se dá conta.
O crime de rico a lei o cobre
O Estado esmaga o oprimido
Não há direitos para o pobre
Ao rico tudo é permitido
À opressão não mais sujeitos!
Somos iguais todos os seres
Não mais deveres sem direitos
Não mais direitos sem deveres!
Bem unido façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A internacional
Abomináveis na grandeza
Os reis da mina e da fornalha
Edificaram a riqueza
Sobre o suor de quem trabalha!
Todo o produto de quem sua
A corja rica o recolheu
Querendo que ela o restitua
O povo quer só o que é seu!
=D
A moeda já é uma iniciativa de indíviduos. Assim como o Estado moderno. As pessoas se organizaram em sociedade – vindas de uma vida nômade – e foram, aos poucos, criando a rede de segurança social que conhecemos hoje como Estado moderno. O Estado é uma criação humana para diminuir os atritos tribais e entre reinos e aumentar o controle/regulação entre as relações pessoais para evitar, por exemplo, que eu descubra onde você está e vá lhe tomar toda a sua propriedade. A própria propriedade privada só existe por conta da organização do Estado.
O experimento próximo que tivemos disso, o bitcoin, provou-se útil apenas para pagamento de crimes, lavagem de dinheiro e especulação.
1 – A moeda mais usada para cometer crimes é o Real e eu posso provar isso. Usar Bitcoin para esses propósitos é no mínimo burrice.
2 – Não existe lavagem de dinheiro com Bitcoin
3 – Tudo na vida é especulação, sem exceção.
1) Óbvio, pois o volume de real em circulação e o número de pessoas usando real são algumas ordens de magnitude maiores que o bitcoin.
2) Santa inocência…
3) Que vida triste essa, mas não é esse o problema do bitcoin. O problema é ser usado majoritariamente para especulação. Tente comprar um café com bitcoin; mesmo nos lugares onde é aceito (raros e definhando), você provavelmente não conseguirá devido à lentidão do processamento do pagamento e corre o risco de pagar uma fortuna devido à volatilidade do valor.
Como eu disse em outra oportunidade: criptomoedas são apenas delírios púberes de libertários.
Tirar do Estado o monopólio da moeda é jogar nas empresas o monopólio da moeda. Capitalismo transnacional é o que isso geraria. O nome disso é distopia (ver a Trilogia do Sprawl do William Gibson, por exemplo).
Na há como uma empresa controlar as criptomoedas! Nem muito menos o estado.
(criptomoedas são apenas delírios púberes de libertários.)
Procure o significado de moeda e veja se alguma moeda fiduciária tem as mesmas características. Por outro lado, moedas como o Bitcoin têm.
i) Porque quando as pessoas tem uma opinião diferente logo se assume que elas “não sabem o significado de X”. Eu sei o significado de moeda e sei, provavelmente, bem mais sobre economia e ciência sociais do que você.
ii) Criptomoedas já estão nas mãos das empresas, a especulação – fim maior de quase todas as derivadas do BTC – já é um forte indício do controle das empresas privadas sobre estas.
iii) O BTC é apenas uma volta do padrão-outro de outrora. Um lastro finito e difícil de se “minerar”. O estado moderno e as economias desenvolvidas abandonaram o GP por um motivo bem simples: soberania e controle de emissão de moeda. Sem isso o país é refém de especulação (colônia, basicamente) e não detém controle sobre a sua própria economia.