Andy Warhol ficaria surpreso se vivo fosse em 2019. Não só todos temos nossos minutos de fama ininterruptos nas redes sociais — muito mais que os 15 minutos profetizados por ele —, como agora qualquer um pode ser pago para influenciar amigos e familiares no ambiente virtual.
A responsável pela democratização do post pago é a operadora TIM. Em sua nova campanha publicitária para alavancar os planos TIM Controle, a operadora concede desconto de R$ 65 na compra do celular Galaxy A20 a clientes que compartilharem uma foto no Instagram de uma das suas lojas com duas hashtags específicas. De R$ 780, o aparelho sai por R$ 715 e pode ser parcelado em 12 vezes — ou 11 vezes mais o post patrocinado. Os planos incluem acesso a redes sociais, Instagram entre elas, sem desconto de dados da franquia.
“Achei a ideia genial”, avalia a consultora de mídias sociais Liliane Ferrari. “Nano influenciadores valem e pulverizam [o produto anunciado]”. É considerado um “nano influenciador” o perfil em rede social que tem entre 1 mil e 10 mil seguidores. “Cada pessoa com uma conta e um punhado de seguidores já pode ser um nano influenciador. Bem ou mal, [ela] atinge uma base e para a marca vale o maior número de menções”.
No comunicado enviado à imprensa, a TIM reforça que se trata de uma “oferta inédita no mercado”. De fato, não me ocorre outra situação em que a publicidade paga tenha sido oferecida assim, massificada na forma de cláusula em um contrato de compra e venda padrão. A ideia é da agência de publicidade Z+, que assina a campanha.
Nem no comunicado, nem no vídeo da campanha há menção à exigência de hashtags sinalizando publicidade paga, como é (ou deveria ser) praxe em relações do tipo por força do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Conar, órgão de autorregulação da publicidade brasileira.
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Flavia Penido, advogada formada pela USP e especializada em Direito Digital, aponta que a campanha da TIM fere o artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, que determina que a publicidade deva ser “fácil e imediatamente” identificada como tal pelo consumidor, e o artigo 28 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do Conar, que diz que “o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação”.
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A caracterização da publicidade, segundo Penido, independe do emissor, pois o que a lei protege é a consciência do consumidor. “Assim, de uma vez que uma mensagem é veiculada nas redes sociais mediante pagamento ou permuta e direcionada a um público potencialmente consumidor, há necessidade de se mencionar tais condições e sinalizar a publicidade”, explica.
Questionei se o fato de os consumidores da TIM participantes da ação não se verem como influenciadores interfere de alguma forma na obrigação legal de sinalizar os posts. Para a advogada, não: “A TIM tem obrigação de zelar pelo seu nome e não pode alegar desconhecer legislação. O Código de Defesa do Consumidor é claro”. Ela ressalta que eventuais penalidades incidiriam sobre a TIM, e não nos nano influenciadores que conseguiram o desconto no preço celular com um post no Instagram.
O Conar tem agido no sentido de coibir a prática da publicidade velada em redes sociais. Em 2018, pela primeira vez em 40 anos as marcas perderam a liderança em condenações no Conar, posto que foi tomado pelos influenciadores digitais.
O caso da TIM não é uma unanimidade no meio jurídico. Consultado, o Procon-SP respondeu em nota que “é difícil configurar a questão como publicidade paga não sinalizada, uma vez que o consumidor adquire o produto e pode ou não optar por publicar (ele próprio) em suas redes sociais a hashtag da campanha da operadora”. O órgão diz, ainda, que “o consumidor que não adquiriu nenhum produto, mas é um entusiasta (fã) da marca e postar a hashtag da campanha em suas próprias redes sociais não ganhará nenhum valor em dinheiro”.
Respeitosamente, Penido disse discordar veementemente do posicionamento do Procon-SP. “Não é o consumidor que utiliza do desconto que é o alvo da proteção neste caso, é toda a comunidade de consumidores que está sendo exposta a essa publicidade. Não é à toa que o CDC diz que toda publicidade deve ser fácil e imediatamente identificada como tal, porque sabendo que é publicidade, ele pode aplicar o viés — qual é o interesse desse influenciador ou pessoa comum em anunciar esse produto?”, justificou.
O Manual do Usuário pediu posicionamentos sobre este caso à TIM e ao Conar, mas até a publicação desta matéria não obteve retorno. Caso a operadora e o conselho respondam, o texto será atualizado.
Foto do topo: TIM/Divulgação.
Acho que o exagero de se enquadrar tal atitude em publicidade “paga” não é benéfico a ninguém e é totalmente desnecessário. Está se “protegendo” quem não precisa ser protegido. É quase parecido como o exagero de se marcar pênalti em qualquer bola na mão na área, que está estragando e tornando injustos muitos resultados. Ou o exagero de punir qualqueaposento entre carros na F1, que está acabando com a graça das corridas atuais.
Concordo 100% com o posicionamento do Procon-sp.
Punir qualquer toque* entre carros…
Questão interessante essa! Taí uma coisa que eu nunca tinha pensado.
Pra exemplificar melhor acho útil dar um exemplo exagerado porque assim fica mais explícito a situação, com as respectivas implicações éticas.
Imaginemos dois restaurantes em um local turístico ermo que não pega sinal de celular de nenhuma operadora. Um dos restaurantes oferece wi-fi gratuito, mas que só pode acessar quem curtir a página do restaurante no Facebook, ou fazer check-in, ou postar no Instagram, etc.
O outro também tem wi-fi, mas não exige nada disso. É só conectar e usar.
E aí? Qual restaurante vocês acham que terá mais curtidas, postagens, etc? O do restaurante que exige isso para acesso ao wi-fi ou o que não exige? O que exige é publicidade ou não é? Deveria ser sinalizada como tal?
Há o fato que ao menos a quem tem um pouco mais de conhecimento, dá para saber quem teve curtidas e postagens “orgânicas” (sem incentivo forçado).
Tava pensando aqui, seguindo está lógica: quando uma loja da desconto ou libera o wifi a alguém que curtiu uma rede social desta, a punição seria similar, não?
assim como os milhares de sorteios dizendo para compartilhar tal post
Sorteio cai em uma outra condição (jogo de azar – tem que prestar conta à caixa)
Há legislação específica para sorteio: eles não podem ser feitos sem autorização da SECAP e há punição – inclusive com denúncia ao MP, a depender do caso.
Muito obrigado Flavia :)
O valor aí é quase irrisório, né? E acho que a maioria das empresas sugere que você curta, não impõe. Mas se levarmos ao pé da letra, há sim benefício econômico e você não está fazendo um elogio 100% espontâneo.
A sugestão muitas vezes é feita de forma a forçar à condição imposta. (Disclaimer: estou neste momento em uma rede WiFi de cortesia de uma empresa de transportes).
É uma discussão que provavelmente vai vir a tona agora com este texto do ghedin