Um abrigo para os textões

A tendência do progresso (entenda-o como quiser) é facilitar, democratizar as coisas. Nem sempre esse caminho é percorrido da melhor maneira, porém.

Nesta semana, o Twitter anunciou o início dos testes com “textos longos”. Esqueça o limite de 280 caracteres: agora será possível publicar conteúdo quase dez vezes maiores ali, com até 2.500 caracteres. (Por que esse limite? Boa pergunta.)

Os motivos que levam o Twitter a trair sua característica definidora original, a limitação de espaço, são variados e não me interessa debater aqui. O movimento chama a atenção por outro aspecto: em quais lugares da internet em 2022 é possível publicar textões?

Ao pensar nisso, o avanço do Twitter à área dos textões não soa estranho. Quase todas as outras redes sociais são receptíveis ao texto longo, até aquelas que sequer são reconhecidas pelo conteúdo em texto, como o Instagram. (Talvez a única exceção entre as grandes seja o TikTok, ainda fiel ao vídeo.)

O apelo de publicar textos longos no Twitter (e no Instagram) é o da audiência — afinal, as pessoas já estão ali. As desvatangens são muitas e, embora não sejam óbvias à primeira vista, é o que pode levar alguém a erguer a cabeça e procurar por alternativas.

Sem pensar muito, ocorrem-me alguns serviços mais conhecidos, o Medium disparado como o mais popular, mesmo oferecendo riscos similares aos das redes sociais comerciais.

Desde que foi fundado, o Medium passou por incontáveis mutações, várias delas prejudiciais aos seus usuários. Mesmo com a facilidade e com o apelo da viralização, eu não arriscaria colocar meus textos ali — no mínimo, como forma de protesto contra um site que faz meu computador trabalhar pesado para exibir… texto.

Olhando além, há uma cena de pequenas plataformas de blogs, como Bear e Mataroa, já citados neste Manual, de apelo limitado. Eles são o contrário do Medium: simples até demais. Tem quem goste, mas para muita gente é importante dar uma cara às suas palavras.

Dos da velha guarda, o Blogger parou no tempo, o WordPress.com está mais preocupado com marqueteiros e pequenos negócios do que com gente que quer escrever — sem falar nas mudanças hostis em precificação e no excesso de anúncios nos blogs gratuitos.

A melhor saída, creio eu, é ter o seu próprio espaço. Comprar um domínio, subir um sistema de publicação — seja um blog ou um jardim digital. Seria ótimo se isso fosse mais simples. Para pessoas comuns (e me incluo no grupo), não é.

O Manual do Usuário roda no WordPress.org, a versão “instalável”, em uma configuração um tanto mais complexa que a básica para dar conta do nosso volume de acessos e de algumas peculiaridades editoriais.

Meu blog pessoal usa o Jekyll, um desses sistemas estáticos da moda — tal qual Hugo, Gatsby e uma infinidade de outros. Adoro a proposta, a leveza e a simplicidade, mas não consigo imaginar alguém que não programe ou tenha muito interesse e tempo disponível aprendendo a fazer commits para publicar um texto na internet.

Não é raro deparar-se com gente lamentando o sumiço dos blogs, do RSS, dos textões. Eles não sumiram, só migraram para locais mais populares onde disputam a atenção com fotos super editadas e vídeos de danças, uma concorrência pesadíssima. Nesse oceano, os textões se diluem, são empurrados às profundezas por algoritmos, são escanteados.

Talvez o pessoal do textão, ou que anseia por mais textões, pudesse aprender uma ou outra coisa com as redes sociais. Facilitar a criação e publicação de um blog/site, por exemplo, é um passo imprescindível que desaprendemos. Adoraria conhecer mais bons exemplos além do Bear e do Mataroa. Sugestões?

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24 comentários

  1. Blogger parou no tempo, mas ainda é a melhor opção para quem não tem medo do código-fonte.

  2. Sem entrar no debate:

    eu uso RSS através do Feedly, que na prática acessa qualquer site, não precisa de RSS, e inclusive dá pra acompanhar Reddit (eu até acompanho uns 2 ou 3 grupos, mas apaguei minha conta lá)

  3. Excelente debate, Ghedin. Tem uma plataforma que eu topei faz pouco tempo e ainda não testei, mas parece interessante. Chama Typeshare: https://typeshare.co/. O curioso é que além de um espaço pra blog, eles também ajudam na distribuição nas redes sociais, o que pode ser interessante pra alcançar o público.

    1. Interessante a ferramenta, Julio — não a conhecia.

      Dei uma fuçada lá e, se entendi direito, ela não publica num endereço próprio, só “espalha” o texto para diferentes redes sociais, automaticamente. Confere?

  4. Para textinhos, fugindo do twitter, tem as
    páginas de pensamento. O objetivo de quem criou foi “a way of lowering the barrier of entry to putting thoughts on the internet for people who don’t want to or don’t know how to set up a script to do it.”

    Uma alternativa mais customizável ao mataroa/bear talvez seja o
    multiverse, mas ainda não testei.

      1. Sempre um prazer poder contribuir, eu que tanto catei links e dicas aqui no Manual.

        Quando saí do twitter, favoritei alguns perfis para continuar acompanhando. Ao abrir as páginas quando lembro, a experiência de me atualizar no que tal conta disse cronologicamente é parecida com os Thoughs (a que não faria mal um feed RSS). Mas desconfio que escrever sem a expectativa de DMs ou mentions e sem metrificação nenhuma mude alguma coisa no que é postado.

        1. Com certeza muda.

          Talvez você conheça, mas segue a dica para os que não: o Nitter é um front-end alternativo para o Twitter, privado e sem JavaScript. Para quem acompanha perfis “avulsos”, como você, é uma ótima alternativa à bomba que é o Twitter web.

    1. UAU! Duas ótimas sugestões!! Obrigado por compartilhar.

      Um pouco antes o @ Pedro Corá falou do Write.as mas eu acho ainda mais interessante o projeto opensource derivado: Writefreely.
      Pode ser pra um único usuário ou múltiplos.
      Pode ser uma instalação solitária ou participar da rede federada ActivityPub.

  5. Medium não dá. Poderia ter sido incrível, mas deu errado.

    Atualmente as newsletters são a plataforma por onde autores publicam seus textos. E eu acho a melhor opção, inclusive, porque recebo tudo por email, fica arquivado lá, é bom de acompanhar. Fiz uma conta de email exclusivamente pra isso, assino diversas newsletters e separo por tags e marcações. Dá pra ler tudo? Não dá. Mas é meu espaço favorito na internet.

    1. De fato, o Medium é o exemplo perfeito de uma sucessão de decisões recorrentemente erradas.

      Mas sou daqueles que não se adapta às newsletters: sinto falta de pesquisar conteúdo (e achar conteúdo!) no google

      por mais que newsletters possuam arquivos visitáveis na web, não é a mesma coisa

  6. Será que o textão e texto longos não estão em lugares diferentes de natureza e ferramenta? Enxergo a ideia de textão, como essa que o Ligeiro comentou – um texto longo com alguma crítica que tem a pretensão de ser “lido” por muitas pessoas – e nesse sentido chuto que a nova funcionalidade do Twitter tenha mais esse foco do que uma alternativa a plataformas de textos como Medium, WordPress, Blogger, etc.

    1. Notei que o termo adotado (“textão”) gerou algum ruído na mensagem que eu gostaria de passar.

      Quando me refiro a “textão” no artigo, não estou fazendo juízo do conteúdo. Foi apenas a maneira que encontrei de me referir a textos longos.

      Para reclamar muito, talvez o recurso de textos longos do Twitter sirva ao propósito. (Ultimamente, tenho usado o Twitter só para reclamar mesmo.)

  7. Boas questões.

    Eu estava tentando criar uma espécie de blog para publicar alguns textos com análises e reflexões que eu faço, junto com alguns tutoriais. Minha escolha inicial seria uma página no Github Pages, gerando um site mais simples usando o Jekyll. De início, já desanimei demais. Muita complicação e indecisão para escolher um padrão de design pro site. Apesar de ter mais controle sobre o conteúdo e mais opções de edição, o tempo que a gente leva configurando desanima muito.

    Acabei voltando pro Medium, apesar de o site ter me sacaneado na última grande mudança que fizeram, que tirou um texto que eu tinha escrito dos primeiros resultados da busca – antigamente usavam a url medium.com/usuario/título. Com essa mudança, ficou usuário.medium.com/título.

    O fato de funcionar mais como uma rede social de “textão”, com muitos amigos escrevendo lá, e por já ter quase tudo pré-definido, deixando você se preocupar somente com a escrita, acaba sendo algo que me impede de sair do site.

    Vou olhar essas alternativas citadas no texto.

  8. Creio que fóruns e comunidades também são espaços onde achamos “textões”. Só que fóruns meio que se perderam no meio das grandes redes monopolizadoras.

    Talvez também hoje não temos tantas pessoas dispostas a escrever? ou com o talento para chamar atenção com a escrita.

  9. Dois “lugares” que eu recomendo, dependendo do que se busca são:

    Micro.blog. Como o nome diz, a ideia é publicar posts mais curtos. Mas nada impede a publicação de posts longos e muitos usuários fazem. Adoro a comunidade ali. Tenho muito mais conversas ali do que em qualquer outra rede.

    Similar, tem o Write.as, que também tem uma comunidade legal na volta.

    E com uma pegada um pouco diferente tem o Blot.im. Que permite publicar posts colocando arquivos num repositório git ou no Dropbox.

      1. Tem uma opção gratuita, com mais detalhes em https://micro.blog/pricing
        Mas basicamente, tu precisa ter um blog com um feed rss para adicionar posts na timeline do Micro.blog. Nas opções pagas, eles hospedam o blog.

  10. “Textão” me lembra preguiça, tipo quando o professor dá uma tarefa e ouve da molecada: “Vai ter que ler tudo isso, pro?” Sempre pensei em texto e, se não for pra discorrer sobre um assunto, nota. O que me atraiu no Twitter (faz tempo isso) foi o formato de nota, de recado direto, pra pensar e discutir depois se for o caso – numa conversa ou num texto (sem ão). Resumindo: sou velho. Ou talvez o tal textão seja mesmo coisa pro nicho dos que têm disposição e/ou hábito de pensar mais, alargar-se no pensamento, escutar com mais atenção e paciência. Sempre foi assim: há quem prefira ler uma revista, um livro ou um “textão” numa telinha e quem prefira a telinha como descendente natural da televisão.

    1. Concordo com você Paulo! Sempre pensei no Twitter como um lugar para iniciar discussões, ou pelo menos deveria ser, os textos mais longos buscam aprofunda-las. Quando passo por um tweet sobre um texto do Joio e Trigo, por exemplo, as vezes o tweet serve como chamada, há uma pequena discussão ali (nem sempre muito saudável), quando me interessa me aprofundo no texto.

    2. Engraçado pois o Manual aqui tem vários textões.

      Creio que o medo maior de quem dita o temo “textão” é a questão da pedancia. Pq geralmente textão geralmente vira um termo pejorativo para aquele texto feito para “dar sermão / lição de moral” por exemplo.

      Ou algum texto que no final perde em si mesmo.