O South by Southwest (SXSW) voltou a ter uma edição normal em 2023, toda presencial em Austin, no Texas, depois de um cancelamento, uma edição online e outra híbrida, tudo isso em decorrência da pandemia de covid-19.
Com recorde de brasileiros, o evento tem a inglória missão de falar de inovação e antecipar tendências em um mundo que muda rapidamente, o tempo todo. Ainda é possível?
Daqui do Brasil, tentei acompanhar as novidades de lá para entender o que levou tantos compatriotas à terra do tio Sam. Tive um estranho “déjà vu” com o Gowalla sendo reapresentado no mesmo lugar, 14 anos depois; li a repercussão de palestras aguardadas, ainda que protocolares, de executivos de empresas como Patagonia e OpenAI; e senti a repercussão das previsões da futurista Amy Webb, sempre aguardadas.
Desta vez, Amy chamou a atenção para as inteligências artificiais gerativas, tipo o ChatGPT, uma tendência que já está na boca do povo — e algo de que este Manual, sem querer me gabar, já fala há um bom tempo.
Em 2022, web3, criptomoedas e metaverso deram o tom da edição híbrida do SXSW. Mark Zuckerberg fez uma aparição para anunciar NFTs no Instagram e a Vice chamou o evento de um esforço para criar um “futuro tecnológico patético” propulsado pelo marketing.
O esforço, como se nota, foi frustrado. Nesta semana a Meta enterrou os NFTs e termos como web3, metaverso e outras bobagens subjacentes foram atropelados pelo chatbot da OpenAI, uma tecnologia que se distingue das tendências anteriores por “detalhes”, como ter alguma utilidade.
De que tendências se fala no SXSW? E para quem?
Do lado de fora, não muito longe daquela bolha de otimismo recheada de “futuristas”, palestrantes do mercado e “ativações” de marcas, o mundo que provê o tipo de inovação que tem palco garantido no SXSW meio que implodia, com a quebra do Banco do Vale do Silício e o anúncio de mais uma demissão em massa na Meta.
O fato das coberturas mais intensas do SXSW terem saído em veículos especializados em publicidade, como Meio & Mensagem e B9, são sintomas de um problema que não vem de hoje, mas que ficou escancarado no retorno à normalidade: muito mais do que “tecnologia, música e cinema”, o SXSW é um evento de publicidade, ou para publicitários.
O SXSW parece ter virado uma desculpa para publicitários irem aos EUA, desopilarem um pouco da rotina e voltarem com ideias extravagantes na bagagem. Ideias que, em muitos casos, nem fazem sentido no Sul Global. (Isso talvez seja novidade a alguns, mas o Brasil está localizado no Sul Global.)
Um executivo do Itaú, primeiro patrocinador master brasileiro do SXSW, justificou o investimento com o clichê de que é preciso estar antenado no futuro. “Tudo está tão acelerado, e a tecnologia avançou tanto, que já não basta olhar o agora.” Onde esse povo estava na semana passada?
O desconforto e a incompreensão não são só meus. Gente que está lá também sentiu. Daqui, Aori Sauthon talvez tenha resumido melhor que ninguém o sentimento: “Pessoal busca tendência no Texas, mas nunca foi a Madureira.”
Foto do topo: SXSW/Divulgação.
Ghedin, concordo bastante sobre essa questão de direcionamento de conteúdo.
Mas, ao mesmo tempo, vejo que nós somos eles.
Se olharmos de forma pragmática, ir ao SXSW é beber na fonte.
Pare para pensar que tudo o que fazemos está tecnologicamente na mão dos Estados Unidos. Usamos softwares criados por desenvolvedores estadunidenses.
Criamos conteúdos para serem veiculados nas redes sociais. Toda nossa privacidade está na mão de Alphabet, Facebook, Apple, Microsoft e Amazon.
A coisa toda gira em falso e não percebemos porque estamos perpetuamente presos nesse mito da caverna digital.
Ah sim, isso de fato acontece. Ter essa percepção, aliás, é o primeiro passo para cortarmos esse cordão umbilical e buscarmos uma maior autonomia digital — em vez de ir beber da fonte, ou ser ir se alimentar no abatedouro, rs.
Certa vez eu trabalhava em uma empresa varejista bem grande (faturamento na casa de dezenas de bilhões de reais), e contratamos uma agência de publicidade para o lançamento de um produto digital do braço financeiro da companhia que seria implementado em loja física. Após diversas reuniões de apresentações com slides lindos (que publicitário chama de pitch), um vice-presidente da companhia levantou o braço e perguntou de um jeito super educado: “muito bacana o conteúdo, mas quais lojas vocês visitaram durante o estudo e proposta do projeto?”. Foi um silêncio constrangedor, a equipe com mais de 10 pessoas contratada em mais de 3 meses sequer tinha rodado loja pra conversar com funcionários e consumidores. Me lembrou muito o último parágrafo deste texto.
Exato. E a percepção dos clientes dessas empresas tem mudado, bata ver a reação das pessoas, por exemplo, com essas peças/ações publicitárias sem sentido algum, que não refletem minimamente o perfil das pessoas. Tipo a Brahma pagando uma fortuna pra Giselle Bundchen segurar uma latinha de cerveja num camarote de Carnaval por poucas horas (segurando, pq todos sabem que ela sequer bebe cerveja). Ou, ainda, aquela propaganda medonha do Itaú Personalité com o Hamilton, que solta uma fala nada a ver, querendo convencer a audiência de que o que ele é hoje tem a ver com a escolha do banco.
É só ver qual tem sido a reação das pessoas com essas escolhas toscas.
Evento que publicitário brasileiro dá tanta importância não deveria nem aparecer em nota de rodapé. Ou footnote, como eles, publicitários, preferem.
Muito boa a matéria!
Isso me lembrou o debate sobre a mobilidade urbana com o advento do 5G e dos carros elétricos. Um debate totalmente invertido porque o carro é o problema da mobilidade. Uma frota eletrificada (e também autônoma, vamos mais à frente) não muda absolutamente nada. Aí vem o papo de latência baixa do 5G para aplicações futuristas etc, sendo que tudo que um ônibus precisa pra ativar o tempo real de seu trajeto (e assim tornar a sua chegada realmente previsível) é uma conexão GPRS.
A tecnologia atualmente quer reinventar a roda, mas está esquecendo de trocar o pneu furado da carrocinha.
Sigo me perguntando, que espaço é esse de inovação quando as pessoas que estão lá são as mesmas da bolha que ditam as boas novas para o mercado?
Nunca vi nenhuma tendência global vir de Madureira…
Mas tem mais cliente do Itaú no Texas ou em Madureira?
O ponto é quanto de valor o Itaú (Bradesco, Safra, Etc..) dá mais para quem e de onde ele está…
Exato. E a percepção dos clientes dessas empresas tem mudado, bata ver a reação das pessoas, por exemplo, com essas peças/ações publicitárias sem sentido algum, que não refletem minimamente o perfil das pessoas. Tipo a Brahma pagando uma fortuna pra Giselle Bundchen segurar uma latinha de cerveja num camarote de Carnaval por poucas horas (segurando, pq todos sabem que ela sequer bebe cerveja). Ou, ainda, aquela propaganda medonha do Itaú Personalité com o Hamilton, que solta uma fala nada a ver, querendo convencer a audiência de que o que ele é hoje tem a ver com a escolha do banco.
É só ver qual tem sido a reação das pessoas com essas escolhas toscas.
Acho que é uma metáfora.
A outra pergunta que também deveria ser traçada é: Inovação onde?