Substack é a maior ameaça às newsletters que já existiu

O Substack é para newsletters o que o Spotify está sendo para podcasts, o Medium foi para blogs e o que o Google Reader foi para o RSS: um player agressivo, que domina e subjuga todo um segmento com vantagens artificiais e insustentáveis, numa aposta arriscada. É uma espécie de bomba relógio corporativa que, quando explodir, destruirá incontáveis pequenos negócios baseados em newsletters.

O Notes, clone do Twitter que ganhou uma enorme campanha publicitária de Elon Musk, já é um sintoma da ameaça que o Substack representa.

Newsletters, por si só, não são um negócio cujo crescimento satisfaz o apetite por retornos estratosféricos dos investidores do Vale do Silício. É preciso muito mais do que um negócio saudável.

Entre 2018 e 2021, o Substack levantou US$ 82,4 milhões junto a investidores institucionais, como a Andresseen Horowitz (a16z) para crescer e emplacar seu modelo de negócios, que consiste em cobrar 10% das assinaturas pagas que os escritores cobram dos seus leitores. (Se o escritor não cobra assinatura, o Substack não ganha nada.)

Em 2022, a empresa tentou levantar mais dinheiro, sem sucesso. Diante do fracasso, foi ao varejo e conseguiu mais US$ 8,5 milhões de pessoas comuns.

Ao decidir pela vaquinha, o Substack teve que abrir alguns números para convencer as pessoas a investirem a partir de US$ 100 na ideia. Em 2021, a empresa faturou US$ 12 milhões e teve um prejuízo de US$ 22 milhões. Os dados de 2022 não foram divulgados apenas porque os fundadores não quiseram divulgá-los, o que não inspira lá muita confiança.

O lançamento do Notes, o módulo de bate-papo e a criação de um aplicativo são medidas para gerar valor aos usuários, sim, mas também para murar a plataforma.

Em diversas entrevistas, os fundadores do Substack fazem questão de dizer que as pessoas que têm newsletters no serviço podem sair quando quiserem. E é verdade. O lance do Substack, porém, é tornar-se sinônimo de newsletter, virar um destino primeiro irresistível, depois inevitável, para qualquer pessoa que queira ter uma newsletter.

Só que esse caminho não é livre de turbulências. Ao ganhar proeminência na relação entre pessoas que escrevem newsletters e as que as leem, o Substack passa a ter que lidar com novos desafios. Por exemplo, com o Notes, que tem uma timeline algorítmica, será preciso moderar conteúdo.

Em entrevista a Nilay Patel, no podcast Decoder, Chris Best, cofundador e CEO do Substack, recusou-se a responder se a sua empresa removeria um conteúdo explicitamente racista do Notes. (Esse trecho é constrangedor.)

A tese de Best, a de ser o “motor econômico da cultura”, é estranha: o Substack funcionaria como uma espécie de destino ideal a quem deseja ter, promover e viver de newsletter, ou seja, uma plataforma, mas sem as dores de cabeça que gerir uma plataforma costuma trazer, e, de alguma forma, mesmo sendo uma plataforma fechada e privada, as pessoas podem confiar que a direção sempre fará o melhor aos escritores e jamais dará uma “elonmuskzada” no futuro, ainda que essa sempre seja uma possibilidade.

Eu ouvi toda a entrevista ao Decoder, as explicações e promessas do CEO e, a exemplo de Nilay, não me convenci de qual é o grande lance do Substack fora ser um serviço de newsletter gratuito, financiado por capital de risco e comandado por “tech bros”.

Apesar de tudo, o imbróglio com o Twitter e o lançamento do Notes repercutiu bem. Ernie Smith, do Tedium, também é cético quanto ao futuro do Substack, mas se sensibilizou a ponto de lançar uma versão “light” da sua newsletter lá, no que classificou de “medida defensiva”. Se o Substack realmente virar sinônimo de newsletter, não usá-lo poderá ser o fim para pequenos negócios como o dele.

Ernie aconselha outros a seguirem seu exemplo. Eu aconselho a não, pelo bem das newsletters.

Entendo o apelo do Substack. Disparar e-mails não é caro, mas não é de graça, e um serviço completamente gratuito como o Substack é tentador. Diria até que é o motivo de tantas newsletters terem surgido nos últimos anos. Em outras plataformas de newsletters há uma grande lacuna entre planos gratuitos limitados e os primeiros planos pagos, meio salgados para escritores de fim de semana.

O fato do Substack ser o único totalmente gratuito não é por acaso. Alguém está pagando essa conta; não são filantropos e essa gente vai cobrar caro lá na frente.

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10 comentários

  1. Desculpem minha total ignorância no assunto, mas não haveria uma alternativa de código aberto, mesmo que self-hosted, para um serviço desses? Me parece algo que não seria muito difícil de fazer.

    1. Tem várias, mas custa dinheiro e exige conhecimento técnico, e provavelmente você não vai querer disparar milhares ou milhões de e-mails, ou seja, mais dinheiro para pagar um serviço de disparo tipo Mailjet, Sendgrid ou Amazon SES. É aí complica, e é por isso que o Substack é tão popular — ele lida com todos esses pepinos e entrega uma experiência fácil, escreva e envie.

  2. Pelo menos pra mim, se o domínio é substack, significa que a qualidade do conteúdo é baixa (inclusive os que estão listados no Manual). Sei que isso está deixando de ser uma realidade com o conteúdo em inglês, com muitos jornalistas e analistas solos usando a plataforma.

    De qualquer forma, não sei se entendi a analogia de “bomba relógio”. A maioria das startups, incluindo Spotify, ainda sofrem para dar lucro, e não deixam de ter mais usuários e mais tentativas de monetizar os usuários não-pagantes.

    1. O Spotify atua num segmento/numa escala muito maior, já tem capital aberto e, em boa medida, dá prejuízo mais pela má administração do que por qualquer outro motivo — o faturamento deles é bem gordo, na casa dos bilhões.

      O Substack não só fatura pouco, como tem prejuízo e não tem um caminho óbvio para crescer. Pior: ainda queima caixa e se comprometeu com investidores, o que significa que tem que dar retorno.

      Talvez a saída do Substack seja ser comprado por alguma gigante.

      1. Tem matéria aqui no Manual sobre essa questão da má administração do Spotify? Fiquei curioso. Se não tiver, seria uma boa pauta futura.

  3. Ghedin, para um entusiasta e escritor de newsletter (https://quasecadernos.substack.com/) no Substack, obviamente me preocupo – principalmente com esse blábláblá liberdade total para a planfetagem da extrema-direita.

    Conheceria uma alternativa na mesma linha – se não de graça, com um preço bacana e que fizesse essa migração indolor?

    Abração e parabéns pelo texto!

    1. Por um bom tempo usei o Buttondown na newsletter do Manual e ainda uso esse serviço para a minha pessoal. O plano gratuito limita a 100 inscritos, e o primeiro pago, com teto de 1 mil inscritos, custa US$ 9/mês.

      O link acima é de indicação. Cadastrando-se por ele, você ganha US$ 9 de desconto no primeiro mês e eu, 25% de comissão sobre seus pagamentos futuros.

      1. Opa! Ótimo, Ghedin.

        Ainda tô no plano gratuito (por enquanto hehe).

        Obrigado pela dica!

      2. Um dos problemas pra nós é questão cambial de ser em dólares também né?!
        Conhece algum em reais?

        E agora tá usando qual pro manual?