Eu que comecei essa conversa vou encerrar aqui a minha participação nela. Pra mim o resumo de tudo pode ser o seguinte. A gente sempre está prestando atenção na última novidade, mas é bom lembrar que a IA e o deep fake são continuidades na evolução tecnológica. Assim como a última tecnologia recriou uma cantora que morreu fisicamente faz 41 anos, a tecnologia não tão última também fez recortes transformando uma canção que dizia “Minha dor é perceber” em uma que diz algo como “minha felicidade é perceber” que tudo está como estava antes. Eu soube que a Elis caiu no choro quando acabou essa gravação angustiada de Como Nossos Pais. Ela era uma inconformista, viveu numa época em que se sonhava que as coisas podiam ser diferentes, menos opressoras. A minha dor hoje é perceber que a tecnologia, com as suas maravilhas que eu não deixo de aproveitar, pode estar também favorecendo desinformação, alienação, passividade em pessoas que cresceram diante de uma tela e não sabem o que é “cabelo ao vento, gente jovem reunida”. Chega, já falei demais.
O suposto uso ‘descontextualizado’ da música é apenas pretexto. O motivo mesmo é o uso da deep fake. As ‘cabeças pensantes’ da indústria cultural que se aterrorizam ao ver que a tecnologia poderá substitui-los, logo arranjaram um pretexto para atacar a marca. Como eu digo e repito (o Ghedin não se ofende), a IA tirou o neoludismo do armário.
Pois é, não. A grita é de quem conhece a obra da Elis Regina e está horrorizado em como os filhos literalmente jogaram o que a mãe pensada e pregava no lixo pra faturar algum.
Você deveria procurar mais o que eram os ludistas. Eles não eram malucos que gritavam com nuvens contra a tecnologia. Principalmente a falsa ideia de que eles eram anti-máquina e anti-tecnologia *apenas*.
A WIkipédia tem um bom artigo, mas eu sugiro as fontes, principalmente a #11.
Segundo historiadores contemporâneos, é um erro considerar que os luddistas protestassem simplesmente contra introdução de máquinas, visando obstar o progresso tecnológico. De fato as famílias da classe trabalhadora na Inglaterra, no início do século XIX, sofriam com a turbulência econômica e o desemprego generalizado. Segundo Frank Peel, um historiador de Yorkshire, a guerra aparentemente interminável contra a França de Napoleão trouxera a pobreza a lares “onde, até então, era desconhecida”. A comida era escassa e se tornava cada vez mais cara. Em março de 1811, na cidade de Nottingham, tradicional centro de produção têxtil, tropas britânicas atacaram uma multidão que protestava por mais trabalho e melhores salários.[4] Os tecelãos queixavam-se da redução de salários, do emprego de jovens não treinados para fazer o mesmo trabalho e do uso dos teares mais largos para produzir tecidos mais baratos e de qualidade inferior. A degradação dos salários e o uso de mão de obra não qualificada contrariavam o “contrato social” que tradicionalmente vigorava entre artífices e mestres. Os ataques luddistas começaram poucos meses depois, no mês de novembro do mesmo ano, espalhando-se por Nottinghamshire, assumindo assim dimensões de uma rebelião regional que perduraria até 1816. A prática acabou por ser punida com a pena de morte (conforme o Frame-Breaking Act, lei aprovada pelo Parlamento Britânico em 1812).
Eric Hobsbawm, em seu artigo “The Machine Breakers”, analisa os motivos por trás da quebra das máquinas. Segundo o historiador, tal prática era sobretudo um meio de pressionar os empregadores, e não envolvia hostilidade contra as máquinas propriamente. A ideia era destruir as máquinas para pressionar os empregadores nas negociações – uma prática tradicional entre os mineiros de carvão, que chegavam a recorrer à demolição para pressionar os patrões. Em muitas partes da Inglaterra, como Northumberland e Durham, os mineiros destruíam máquinas visando obter aumentos salariais ou impedir a redução dos seus salários. Por outro lado, as novas máquinas não eram realmente bem vistas entre os pequenos produtores, seja porque perturbassem o seu modo de vida, seja porque não fossem mesmo um bom negócio no momento; entretanto eles também percebiam a mecanização como fortalecimento da posição dos seus principais rivais – os grandes empreendedores modernizados. Por isso as revoltas de trabalhadores contra as máquinas foram eventualmente usadas por esses pequenos produtores, como uma forma de atacar seus novos concorrentes. Diante disso, é possível entender o movimento luddista menos como uma agitação de trabalhadores e principalmente como um aspecto da concorrência entre produtores tradicionais e progressistas.
Infelizmente, uma hora o Órbita vai ter que ter um botão de reportar, estilo Reddit, sobre comentário que não agregam nada e não tentam ir adiante na discussão.
Não é suposto, cortaram trechos importantes da letra da música para recontextualizar, a música critica coisas que fazemos “como nossos pais”, não é alegre e nem elogio.
Elis deu um chute na sepultura e tá se rolando no caixão com esse comercial. Há tempos não vejo herdeiros conspurcar a memória de um ascendente dessa $ maneira.
Elis viva, ñ dúvido que participaria desse projeto.
Esses pensamentos me lembrou a época que o Charlie Brown Jr começou a participar das propagandas da Coca-Cola, o Chorão ñ estava nem ai para as críticas. Penso que Elis, assim como a Maria Rita, também ñ estão nem ai para esse tipo de pensamento.
Você não viveu na época da Elis, eu suponho. Elis JAMAIS participaria de um comercial pra VW. Ela inclusive declarou que nunca aceitaria fazer show pra patrão algum.
Não é suposição. A VW contribuiu financeiramente para a perseguição e prisão dos próprios empregados. Não foi uma nem poucas vezes que ela não apenas apoiou como ajudou com dinheiro o movimento operário. Eu é que acho graça quem não faz ideia de quem foi ou como viveu Elis Regina para achar que ela toparia fazer um comercial usando um dos hinos antiditadura (e pior, mutilado) pra vender carro. Povo não sabe nem que a Maria Rita não é a única filha e herdeira dela.
Acho bem dificil o Belchior aceitar esse uso dessa música. De outras? Talvez. Mas essa era mais complexa do que a gente pensa. Mais complexa pra eles, no caso.
Sem querer parecer grosseiro, mas quem tá fazendo suposições é vossa senhoria: o pensamento de Elis é amplamente conhecido. “Ah, mas em 40 anos ela poderia ter mudado” – sim, isso é exatamente o que se chama de suposição. O fato concreto que pode ser facilmente averiguado é justamente o que ela pensava e deixou registrado. No caso de Belchior, então, é preciso fazer uma abstração ainda maior, já que ele viveu até um dia desses sem qualquer mudança substancial de pensamento nesse tipo de assunto.
Eu que comecei essa conversa vou encerrar aqui a minha participação nela. Pra mim o resumo de tudo pode ser o seguinte. A gente sempre está prestando atenção na última novidade, mas é bom lembrar que a IA e o deep fake são continuidades na evolução tecnológica. Assim como a última tecnologia recriou uma cantora que morreu fisicamente faz 41 anos, a tecnologia não tão última também fez recortes transformando uma canção que dizia “Minha dor é perceber” em uma que diz algo como “minha felicidade é perceber” que tudo está como estava antes. Eu soube que a Elis caiu no choro quando acabou essa gravação angustiada de Como Nossos Pais. Ela era uma inconformista, viveu numa época em que se sonhava que as coisas podiam ser diferentes, menos opressoras. A minha dor hoje é perceber que a tecnologia, com as suas maravilhas que eu não deixo de aproveitar, pode estar também favorecendo desinformação, alienação, passividade em pessoas que cresceram diante de uma tela e não sabem o que é “cabelo ao vento, gente jovem reunida”. Chega, já falei demais.
Vale a pena ler a essa entrevista: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/07/07/nunca-colocaria-elis-em-comercial-de-feirao-como-nasceu-a-campanha-da-vw.htm
Que os deuses nos protejam.
O suposto uso ‘descontextualizado’ da música é apenas pretexto. O motivo mesmo é o uso da deep fake. As ‘cabeças pensantes’ da indústria cultural que se aterrorizam ao ver que a tecnologia poderá substitui-los, logo arranjaram um pretexto para atacar a marca. Como eu digo e repito (o Ghedin não se ofende), a IA tirou o neoludismo do armário.
Pois é, não. A grita é de quem conhece a obra da Elis Regina e está horrorizado em como os filhos literalmente jogaram o que a mãe pensada e pregava no lixo pra faturar algum.
Você deveria procurar mais o que eram os ludistas. Eles não eram malucos que gritavam com nuvens contra a tecnologia. Principalmente a falsa ideia de que eles eram anti-máquina e anti-tecnologia *apenas*.
A WIkipédia tem um bom artigo, mas eu sugiro as fontes, principalmente a #11.
Ludismo
A 11 em questão: The Machine Breakers
Infelizmente, uma hora o Órbita vai ter que ter um botão de reportar, estilo Reddit, sobre comentário que não agregam nada e não tentam ir adiante na discussão.
Neste caso, não ir adiante na discussão, é o melhor a ser feito.
Paradoxalmente, você foi.
Peço sinceras desculpas pelo comentário tolo e evitável que fiz antes e que o Ghedin já excluiu.
Não é suposto, cortaram trechos importantes da letra da música para recontextualizar, a música critica coisas que fazemos “como nossos pais”, não é alegre e nem elogio.
Sobre esse tópico, curti muito o texto do Pablo Villaça:
https://pablovillaca.substack.com/p/elis-regina-chaplin-e-o-mercado-das
Muito bom o texto.
Excelente essa análise
Elis deu um chute na sepultura e tá se rolando no caixão com esse comercial. Há tempos não vejo herdeiros conspurcar a memória de um ascendente dessa $ maneira.
Elis viva, ñ dúvido que participaria desse projeto.
Esses pensamentos me lembrou a época que o Charlie Brown Jr começou a participar das propagandas da Coca-Cola, o Chorão ñ estava nem ai para as críticas. Penso que Elis, assim como a Maria Rita, também ñ estão nem ai para esse tipo de pensamento.
A Elis ninguém sabe o que faria, mas a Maria Rita, com certeza, não está nem aí mesmo. Não que seja uma virtude nesse caso.
Pois é. O mesmo falo de quem tá falando que o Belchior estaria puto com o uso da música.
Você não viveu na época da Elis, eu suponho. Elis JAMAIS participaria de um comercial pra VW. Ela inclusive declarou que nunca aceitaria fazer show pra patrão algum.
Acho engraçado essas suposições. Nunca vamos saber o que Elis ou Belchior iriam achar, isso é fato.
Sobre o fato dela ter dito, o mundo que ela viveu está bem diferente, de novo ñ saberemos.
Não é suposição. A VW contribuiu financeiramente para a perseguição e prisão dos próprios empregados. Não foi uma nem poucas vezes que ela não apenas apoiou como ajudou com dinheiro o movimento operário. Eu é que acho graça quem não faz ideia de quem foi ou como viveu Elis Regina para achar que ela toparia fazer um comercial usando um dos hinos antiditadura (e pior, mutilado) pra vender carro. Povo não sabe nem que a Maria Rita não é a única filha e herdeira dela.
Acho bem dificil o Belchior aceitar esse uso dessa música. De outras? Talvez. Mas essa era mais complexa do que a gente pensa. Mais complexa pra eles, no caso.
Sem querer parecer grosseiro, mas quem tá fazendo suposições é vossa senhoria: o pensamento de Elis é amplamente conhecido. “Ah, mas em 40 anos ela poderia ter mudado” – sim, isso é exatamente o que se chama de suposição. O fato concreto que pode ser facilmente averiguado é justamente o que ela pensava e deixou registrado. No caso de Belchior, então, é preciso fazer uma abstração ainda maior, já que ele viveu até um dia desses sem qualquer mudança substancial de pensamento nesse tipo de assunto.