Eu tentei me conter, mas não consegui: passei um tempo além do normal nos últimos dias lendo os comentários do post em que o site norte-americano de tecnologia The Verge anunciou sua última reformulação radical.
Reformulações do tipo me interessam por vários motivos: eu adoro a web, tenho um produto que submeto a reformulações parecidas vez ou outra e, num nível mais profundo, gosto de pensar em fluxos de informação e nas melhores maneiras de comunicar em texto.
Com um visual ousado, cores berrantes e notinhas que linkam para fora — como este Manual do Usuário faz há quase dois anos —, o objetivo do renovado The Verge, segundo o editor-chefe Nilay Patel, é “revolucionar a imprensa com posts de blog”.
Causa muito nobre e que tem meu total apoio, mas (e um “mas” aí é sempre ruim) parece que as novidades não foram bem recebidas pelos leitores mais assíduos.
Nilay afirma, no anúncio, que “às vezes você só precisa explodir tudo e recomeçar”. Talvez não fosse o caso do The Verge, um site referência na área de tecnologia, a fonte de onde bebem quase todos os sites que cobrem tecnologia de consumo.
A página inicial, a mais lida do conglomerado Vox Media, ficou bem… diferente. Além das chamadas para os posts e especiais próprios, ela agora traz pequenas caixinhas com links para outros sites e pedaços de redes sociais (Twitter, Reddit, TikTok) incorporados.
A organização é estranha, ora o conteúdo está à esquerda, ora à direita, e os posts originais ficam misturados às notinhas com links externos. As coisas parecem mais pesadas também. Cada post do Twitter ou vídeo do TikTok são páginas extras inteiras carregadas dentro daquela em que você está. O povo ali não ajuda muito. Dia desses Nilay postou um GIF animado de 11 MB na capa do The Verge.
Ao Axios, o editor-chefe disse que o novo The Verge é o resultado da ideia de que, hoje, ele não compete com outras publicações, como a Wired ou o New York Times. “Nosso concorrente é o Twitter e outros agregadores de audiência.”
Um comentário que ecoou bastante entre os leitores, fora as reclamações de pupilas arruinadas e da sensação de desorientação na página inicial, é a de que se eles quisessem ler posts do Twitter, acessariam o Twitter.
Talvez o problema seja terem se inspirado demais nesses novos concorrentes. Convenhamos, o Twitter não é parâmetro de design para ninguém, muito menos para um site editorial.
Tenho comigo que tal “revolução” ataca um problema já resolvido há alguns bons anos, talvez décadas, especialmente dentro da premissa apresentada por Nilay, de que o novo The Verge quer “revolucionar a imprensa com posts de blog”.
O que é um blog se não uma linguiçona de conteúdo exibida em ordem cronológica inversa?
O novo The Verge parece algo saído da mente do Joshua Topolsky, um dos co-fundadores que há muito trilhou outros caminhos e tem um histórico de leiautes pretensiosos, incluindo sua atual empreitada, a Input Magazine. É a forma sobrepujando a função, a estética chamando a atenção onde deveria ser transparente.
A reformulação do The Verge deve ter sido pautada por outras coisas mais. Em seu texto, Nilay desconversou, dizendo que trabalhos do tipo atraem questionamentos a respeito de métricas de conversão e KPIs e “outras palavras extremamente entediantes”. Em vez disso, prossegue, o único objetivo ali é que o The Verge seja divertido de ler a cada vez que você entre no site.
Eu discordo um tanto desse posicionamento, em especial quando se trata de “um site gigante que gera um monte de dinheiro” (palavras dele). O fato de estarmos afogados em rastreadores e anúncios invasivos e abusivos na web, o que a torna tóxica se você não estiver atrás de um bom bloqueador de anúncios, é por influência direta das tais “palavras extremamente entediantes”.
Não fosse por isso, teríamos mais sites editoriais/de conteúdo como o Manual ou a versão “lite” da CNN gringa.
Topolsky, o ex-editor-chefe do The Verge afeito a leiautes lisérgicos, teve uma passagem relâmpago pela tradicional Bloomberg. Reza a lenda que suas ideias ousadas encontraram resistência na direção da publicação, o que levou a um inevitável embate e, por fim, sua saída precoce, antes de completar um ano no cargo.
Em toda publicação, do The Verge ao Gizmodo Brasil quando o tinha, o espaço para comentários representa uma fatia minúscula da audiência, não raro com opiniões ruidosas, mas distintas das da maioria. Isso talvez esconda uma recepção melhor do novo visual do The Verge. Ou talvez não. Pelo volume e intensidade das reclamações, eu apostaria em pelo menos algumas mudanças na página inicial nas próximas semanas, para algo mais suave e tradicional.
No Twitter, Nilay Patel se gabou de ter pautado a reformulação de um site no debate público em 2022. É verdade, um grande mérito, vide nós aqui. Disse, no mesmo post e como se fosse um atestado da qualidade, que a página inicial do The Verge teve o dobro da média de acessos no dia do lançamento. Verdade também, mas não sei se isso é positivo. Toda catástrofe atrai muitos olhares curiosos.
é curioso que eles estejam tentando fazer a página inicial voltar a ter algum apelo para o público geral — numa época em que a maioria das pessoas provavelmente acessa as matérias diretamente através de links em redes sociais — tornando-a tão praticamente ilegível (ou cacofônica de tão excessivamente legível) que ela própria se torna uma pauta
provavelmente isso não continua sendo assunto durante muito tempo — o que fatalmente levará a uma nova reformulação dela
lembra muito as constantes mudanças de identidade do Medium (que acabam fazendo as pessoas lembrarem de que o site existe)
em adição a isso tem a moda dos sites “neobrutalistas” (que de brutalistas não têm nada): reformular a página principal acaba se transformando num evento articulado a experiências visuais supostamente transgressivas (ou à experiência transgressora nova da última semana)
ah, ainda sobre a moda do suposto neobrutalismo:
acho bastante significativa a escolha da FK Roman como fonte para o corpo de texto. É um tipo explicitamente baseado na velha Times New Roman que todo mundo tem instalada em qualquer aparelho — mas com um desenho um pouco mais refinado e elegante. No entanto, as manchas de texto na tela da maioria das pessoas vão simplesmente soar como a Times New Roman — com a diferença de que em vez de usar a fonte instalada o navegador terá de carregar a fonte web (numa total subversão de qualquer lógica supostamente “brutalista”)
Achei orrivel. De primeira, achei que meu navegador estava bugado ou algo do tipo. A interface do site regridio para os anos dois mil…
é muita masturbação tipográfica e visual no geral, minha nossa
Fazia um tempo que eu não visitava e só fui ver agora a atualização.
Fiquei meio atordoado com a notícia… Não sei mais o que dizer, só sentir…
Dá-lhe Feedly neles!
The VERtiGEm.
O Verge se perdeu na ridícula ideia que blog precisa ter um design como se fosse alguma marca de grife.
Achei que ia sofrer sozinho, reclamando dentro da minha cabeça. Ainda bem que você não se segurou, Ghedin. O layout novo do The Verge é pavoroso, um desastre de usabilidade, lento, confuso e pesado. É o oposto do minimalismo. O The Verge criou boas tendências no passado, mas errou feio agora IMHO.