Foi um tanto irônico que o Instagram, rede social da Meta, tenha pisado no freio do processo de “tiktokzação” após um protesto de duas das irmãs Kardashian na própria rede, Kylie Jenner e Kim.
O clamor para que o Instagram volte a ser o que era, uma rede “para ver fotos fofas dos nossos amigos”, contrasta com os impérios que elas construíram no Instagram. Naquele Instagram não haveria espaço para influenciadores com +300 milhões de seguidores.
O Instagram de hoje foi moldado e reflete a atuação de gente como as Kardashians, mas não só.
O Instagram é (ou tenta ser) ao mesmo tempo um grande shopping virtual, um canal de marketing, uma plataforma de vídeos, o TikTok, palco para criadores e, lá no final da fila de prioridades, ainda é uma rede social para compartilhar fotos com amigos e familiares.
Ainda que o Instagram se encontre nessa crise de identidade por culpa própria, pode-se argumentar que, sem tantas transformações, o Instagram não teria o tamanho e a influência que tem hoje, com mais de um bilhão de usuários e protagonismo dentro da família de aplicativos sociais da Meta.
Análises de mercado à parte, queria focar no pedido que Kylie, Kim e milhões de outros usuários do Instagram estão fazendo: o retorno às origens.
Isso seria possível? Se sim, como? E as pessoas, ficariam felizes?
Taylor Lorenz levantou essas questões no Washington Post. Um criador do Brooklyn entrevistado por ela foi categórico:
Eu garanto a você que cada pessoa que curtiu e compartilhou aquele post sobre trazer de volta o antigo Instagram passaria muito menos tempo no Instagram se isso acontecesse.
(Como se isso fosse algo ruim, mas divago.)
Adam Mosseri, executivo responsável pelo Instagram dentro da Meta, em seu “mea culpa” disse que parte do que motiva a empresa a transformar o app em um clone do TikTok é que os hábitos de compartilhamento das pessoas mudaram: hoje, elas trocam fotos mais íntimas em aplicativos de mensagens e via Stories.
Essas tendências revelam um chacoalho violento das placas tectônicas do planeta redes sociais. Mais importante, colocam em xeque a grande vantagem das dominantes: o grafo social.
O argumento de Cal Newport na New Yorker é elucidativo. Por muito tempo, acreditou-se que seria impossível surgirem concorrentes à altura da Meta, Twitter e Snapchat porque ninguém aguenta mais reconstruir do zero suas listas de contatos em novas redes sociais.
É verdade. E enquanto uma solução sistêmica não chega (a interoperabilidade do grafo social), o TikTok resolveu o problema de uma forma mais pragmática, simplesmente ignorando a necessidade de um grafo social. Você não precisa seguir absolutamente ninguém para experimentar o melhor que o TikTok tem a oferecer.
Essa constatação dá ares ainda mais dramáticos à aposta existencial que a Meta faz na “tiktokzação” das suas propriedades. Em vez de reforçar seu diferencial (o grafo social), Mark Zuckerberg está disposto a disputar em pé de igualdade nos termos do TikTok.
(Grafo social é um mapeamento das relações sociais de alguém. O conceito data dos anos 1960, mas ganhou projeção em 2007, quando Zuckerberg adotou-o para explicar a então nova plataforma do Facebook. A Wikipédia inglesa tem uma boa explicação.)
Mesmo no fim da fila de prioridades do seu algoritmo, o Instagram ainda consegue entregar conteúdo de pessoas próximas no feed e nos stories. Esse mínimo talvez seja suficiente para sustentar a (generosa) fatia de usuários que não quer ver memes ou fotos das Kardashian, que só quer ver fotos fofas de amigos e familiares.
De qualquer forma, a guerra entre Instagram e TikTok abre um flanco para novas e antigas redes que ainda apostam em grafos sociais. E aí voltamos à provocação de Lorenz: a gente ainda quer isso?
Opções não faltam. No momento, a alternativa que desponta no grupo é a BeReal, rede social francesa que confia em mecanismos interessantes para manter a atenção da base, como o funcionamento limitado e baseado em tempo — algo presente no fenômeno Wordle/Termo — e um foco assumido em amigos, sem influenciadores — o slogan no site oficial é “Seus amigos, de verdade”.
Outras que valem mencionar:
- Glass: Tem a proposta mais parecida com o Instagram original, com foco em fotografia enquanto uma forma de arte ou de compartilhar visões de mundo. Problema? Por ora, só funciona no iPhone (igual o Instagram no começo!) e é um serviço pago, com assinatura de R$ 24,90 por mês, ou seja, não vai se massificar.
- HalloApp: Criado por um dos primeiros funcionários do WhatsApp, outro desiludido com a Meta, é uma mistura de Instagram com WhatsApp. A lista de amigos é condicionada à agenda de contatos e os conteúdos postados somem após 30 dias.
- Pixelfed: Alternativa de código aberto e federada, o que faz com que ela carregue toda a complexidade de outras redes do tipo, como o Mastodon. O desenvolvimento é acelerado, o que nem sempre é bom — há muita dispersão em recursos secundários e mudanças constantes no modo como as coisas funcionam.
- imgs: A exemplo da Glass, também apela para fotos. “Algoritmos, rankings, anúncios, vídeos malucos de pessoas dançando… Nunca teremos nada disso”, dizem na capa do site. Gratuito por ora, mas a ser cobrado no futuro.
Eu adoraria que uma dessas vingasse. Quais as chances disso acontecer? Remotas. Tente convencer seus pais ou amigos a instalarem… sei lá, o HalloApp ou o BeReal, os dois aplicativos mais prontos dessa lista. É, eu sei, difícil.
Além disso, há o risco sempre eminente de que essas redes se transformem naquilo em que hoje tentam se distanciar por pressão externa. Tanto a BeReal quanto o HalloApp já receberam dinheiro de investidores externos.
Se a história está fadada a se repetir, cedo ou tarde veremos mudanças no funcionamento dessas redes a fim de gerar receita suficiente para justificar essas injeções de capital que permitiram levantar esses apps.
Para mim, o novo Instagram é outro aplicativo da Meta: o WhatsApp. Não só ele; é qualquer aplicativo de mensagens com grupos, como o Telegram e o Signal. Dá para postar fotos e vídeos para grupos bem delimitados, de familiares, amigos e colegas de trabalho, com um bom controle de privacidade e sem o risco desse conteúdo ser enterrado por virais medíocres e anúncios.
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Confesso que o BeReal é bem mais interessante que o Instagram atual. Estou utilizando ocasionalmente desde abril/maio.