Sobre editores de texto, Markdown e simplicidade

Um dos pequenos prazeres que tenho no meu trabalho com a escrita é não depender de um ou outro editor de texto. Escrevo em texto puro, formatado em Markdown e publico em HTML — em outras palavras, não preciso usar um editor visual como o Word ou o do Medium.

Por isso, faz muito tempo que uso e aprecio a simplicidade do Editor de Texto (TextEdit.app), o “Bloco de Notas” do macOS. Usasse Linux, estaria igualmente bem servido por aplicativos similares, como o homônimo do Gnome, o Gedit e o KWrite.

Tamanha satisfação não me blinda de experimentar alternativas. Até hoje, porém, nenhuma me convenceu a abrir mão da leveza e simplicidade do TextEdit.app.

O MarkEdit, que descobri recentemente, foi o que chegou mais perto de me ganhar.

***

Como o nome sugere, o MarkEdit é uma espécie de “TextEdit.app se a Apple ligasse e o tornasse compatível com Markdown”.

O visual padrão é bastante agradável. Com algumas mexidas simples nas configurações, é possível deixá-lo idêntico ao TextEdit.app:

Duas janelas lado a lado, do MarkEdit e do TextEdit.app, com o mesmo texto aberto.
Qual é qual? Imagem: Manual do Usuário.

Fosse apenas igual, não seria vantagem adotá-lo. É aí que entram os diferenciais do MarkEdit — que vão além do suporte a Markdown:

  • Várias opções de visualização do texto, como esmaecer parágrafos que não estejam em foco e rolagem de “máquina de escrever” (mantém o cursor sempre no meio da janela);
  • Três opções de espaçamento entrelinhas (acostumei-me ao espremido do TextEdit.app; ainda assim, gostaria de poder aumentá-lo um tiquinho);
  • Mostrador do número das linhas e status de seleção (linha e coluna);
  • Exibição de caracteres invisíveis (espaços, quebras de linha etc.);
  • Temas visuais.

Tudo isso empacotado em um aplicativo pequeno, ágil e capaz de abrir documentos gigantescos sem travar o computador.

Ótimo. Adeus, TextEdit.app? Não tão rápido…


Ícone do MarkEdit: folha de papel pautada, meio amarelada, com uma caneta com uma pena azul na metade de cima.

O suporte a Markdown do MarkEdit não traz visualização, exportação nem conversão para HTML.

Escrevo tanto em Markdown, e há tanto tempo, que o colorido da marcação — o que define o “suporte a Markdown” no MarkEdit — não me é vantagem. Consigo “ler” as marcações no texto todo preto do TextEdit.app.

Essa decisão, explicam os desenvolvedores, é embasada na filosofia de “feature poor” (“pobre em recursos”), em oposição à “feature rich” alardeada pela maioria dos apps, que apostam na linha “mais é mais” e se enchem de recursos até ficarem inchados e lentos:

Do ponto de vista da engenharia, a complexidade também traz o risco de baixa qualidade; coisas incríveis são sempre simples e diretas.

Respeito (e gosto!) muito essa postura (e da filosofia deles), mas não oferecer a exportação do Markdown para formatos usáveis soa como se faltasse algo essencial, ou “simples e direto”.

Outro detalhe do MarkEdit que me deixou com um pé atrás é o uso de um editor web no coração do aplicativo1.

Isso significa que o MarkEdit é, no fundo, uma espécie de site empacotado em um app. Mais ou menos como os famigerados apps feitos em Electron, mas menos pior porque, em vez de empacotar uma cópia do Chromium, ele usa o WebView nativo do macOS, com controles de interface refeitos “a fim de tornar o app um deleite”, dizem os desenvolvedores.

Justiça seja feita, reconheço que foram bem sucedidos nesse objetivo.

O MarkEdit realmente se comporta como se fosse nativo e, a julgar pelas mil reclamações de vários desenvolvedores acerca do TextKit 2, A API de edição de texto nativa do macOS, talvez faça sentido a opção pela web. Dizem eles:

O TextKit 2 foi lançado anos atrás, não vemos bons exemplos de como aproveitá-lo, a documentação e o código de amostra da Apple são muito básicos. Criar um editor de código é extremamente difícil, estamos cansados de explorar a escuridão dentro do TextKit, mas a comunidade de código aberto do CodeMirror nos dá muito mais confiança.

Eu não deveria ficar olhando essas coisas, nem considerá-las na hora de escolher um aplicativo ou outro, mas não resisto: abro o monitor de processos do macOS, vejo o MarkEdit consumindo +250 MB de memória com um texto mixuruca (menor que este que você lê), espalhado em quase dez processos. Em contrapartida, o TextEdit.app consome 50~70 MB.

Nunca senti falta de memória neste notebook de parcos 8 GB. Por outro lado, talvez ela me seja suficiente pela diligência que tenho para com os apps que uso e a forma como os gerencio. Tem que haver alguma vantagem em ser neurótico.

No mais, consigo suprir as carências do TextEdit.app com atalhos do app Atalhos, da Apple. Com um deles, seleciono o texto, aperto uma combinação de teclas e ganho uma cópia convertida para HTML — a variação usada pelo WordPress, que dispensa as tags de parágrafo, <p> e </p> —, copiada direto para a área de transferência.

Com outro, seleciono o texto (ou um trecho dele), aperto outra combinação de teclas e uma notificação no macOS me informa o total de palavras e caracteres da seleção.

Se aplicarmos o princípio KISS (“mantenha simples, estúpido”) ao dilema da escolha entre o TextEdit.app e o MarkEdit, a decisão se torna mais fácil. Não existe nada mais simples que o TextEdit.app2.

Este texto foi escrito no TextEdit.app, aliás, e convertido para HTML com o Atalhos. (E, vejo por uma notificação que disparei, ficou um pouco maior do que eu esperava.) Ainda assim, se você prefere um editor menos espartano, com mais recursos e um visual agradável, o MarkEdit é super recomendável. No mínimo, vale um teste — não custa nada; ele é gratuito.

  1. O CodeMirror, se esse tipo de coisa te interessa.
  2. Talvez editores CLI, como nano, Micro, Emacs, Vim… sei lá? Mas aí acho que as coisas ou ficam complicadas demais (Vim, Emacs) ou carente de recursos que julgo básicos (nano, Micro).

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11 comentários

  1. Uso o Bear no mundo Apple. Tem a versão grátis que ñ faz o sync. Pago já tem alguns anos e consigo exportar para vários formatos. O que acho “chato” é que eles não possua uma versão web e ou para outros SOs.

  2. Como mais pessoas comentaram aqui, eu sou super fã do Obsidian.md. Funciona perfeitamente e é super fácil de gerenciar seus arquivos, sem contar o fato de ser tudo sem depender da nuvem.

    1. Toda vez que eu acho melhor a aparência das notas em outro app eu reviro os plug-ins do obsidian, releio as documentações e boto o obsidian do jeito que eu queria! Só demora um pouquinho. Tem que dar uma estudada.

  3. Eu sou apaixonado pelo Typora que é gratis na versão do Linux.

  4. Faz tempo que eu uso o VSCode como editor de tudo (código, texto, notas). Na época de macOS eu cheguei a usar o TexEdit, mas no final acabei ficando com as minhas notas no aplicativo de notas mesmo (eu sempre gostei do app de notas da Apple, melhor app nativo deles pra mim).

    Sobre exportar em Markdown; a desculpa deles é bem boba. São uimas 4 linhas de código pra exportar um arquivo do editor pra Markdown. Eu fiz isso no meu editor =/

  5. Bem legal! Nos tempos de Windows, gostava muito de usar o Bloco de Notas nativo (Notepad), justamente por esse aspecto “raw” / texto puro. Houve uma época também em que era muito comum escrever em plataformas de blogs e/ou fóruns nos quais a formatação era interpretada, usando o tal “BB Code”, por exemplo.

    Hoje, uso mais o Obsidian com o Modo Vim ativado. Pois sinto a necessidade de ter um preview “ao vivo” ou de fácil alternância (e não me acostumei com apps com aquele split screen: esquerda, texto puro; direita, preview).

  6. Eu tenho usado o Obsidian. Durante um tempo, o usei como um bloco de notas normal. Só neste ano comecei a usar os outros recursos dele, e agora não consigo usar outro editor de texto. O Obsidian tem plug-in para exportar em HTML.

  7. Eu gosto bastante do Focused, da 71squared… mas ele é pago. Só o testei por fazer parte dos apps da Setapp, que eu assino há um tempo já. Se estiver no mesmo barco, o Focused é markdown, tem export, e uns recursos interessantes pra, bem, focar no texto. De resto, gosto de usar o bom e velho VS Code, que já uso diariamente pra trabalhar.
    Queria que o Notes, do mac, pudesse ser Markdown ao invés desse WYSIWYG dele.

  8. Já testei o MarkEdit e também senti que ficou faltando coisas básicas nele, mas no geral é um bom editor naquilo que se propõe a fazer.
    Atualmente eu uso o Micro pra editar a maior parte dos meus textos, sinto ele bem completo para o meu uso e sem complicar demais.
    Agora, quando eu quero escrever em Markdown com visualização, costumo usar o MarkText. Acho que ele tem as funções que mais procuro em um editor de markdown, como exportação em html/pdf, temas bonitos por padrão para os arquivos exportados e visualização em tempo real. O pecado dele é ser feito em electron, que acaba jogando o desempenho lá em baixo em algumas máquinas.