Como manter um diário de humor

Ícone e um print em um iPhone do aplicativo Daylio.

Você talvez tenha visto a história da norte-americana que só tomou 37 banhos em 2022.

Ela me chamou a atenção por outro motivo além do óbvio: pela primeira vez, vi o aplicativo Daylio ser citado por aí.

Uso o Daylio desde fevereiro de 2021. Não me lembro de como o encontrei, só que foi uma grata surpresa. É um diário de humor: todos os dias (idealmente), você registra o seu humor e as atividades que te afetaram. Com o tempo, é possível observar tendências, como quais atividades influenciam o seu humor, e extrair algo de autoconhecimento disso.

É uma tentativa falha, mas interessante, de se entender melhor.

Variações do humor são uma constante nas nossas vidas e, acho eu, um bom termômetro para avaliar o que estou fazendo da minha.

Em Sapiens: Uma breve história da humanidade, Yuval Harari argumenta em algum momento que o nosso humor é como um ambiente refrigerado. Não lembro bem o contexto dessa passagem. Relê-la agora, avulsa e muitos anos depois da perimira vez, me fez lembrar o conceito de adaptação hedônica:

Alguns estudiosos comparam a bioquímica humana a um sistema de ar-condicionado que mantém a temperatura constante, venha uma onda de calor ou uma tempestade de neve. Os eventos climáticos podem mudar a temperatura momentaneamente, mas o sistema de ar-condicionado sempre faz com que a temperatura retorne ao mesmo ponto predefinido.

Alguns sistemas de ar-condicionado estão configurados para 25 graus Celsius. Outros estão configurados para 20 graus. Os sistemas de condicionamento da felicidade humana também diferem de pessoa para pessoa. Em uma escala de 1 a 10, algumas pessoas nascem com um sistema bioquímico alegre que permite que seu humor oscile entre os níveis 6 e 10, estabilizando-se, com o tempo, no nível 8. Tal pessoa é muito feliz mesmo que viva em uma cidade grande alienante, perca todo o dinheiro em uma queda da bolsa de valores e seja diagnosticada com diabetes.
Outras pessoas são amaldicoadas com uma bioquímica melancólica que oscila entre 3 e 7 e se estabiliza em 5. Tal pessoa infeliz permanece deprimida mesmo que desfrute do apoio de uma comunidade coesa, ganhe milhões na loteria e seja tão saudável quanto um atleta olímpico.

O nível estável do meu humor, minha “temperatura estável”, é mais para baixo, acho. Detectar as variações da “temperatura” e aprender a lidar melhor com os pontos baixos (porque é impossível evitá-los) foi o que me motivou a usar o Daylio.

(E, talvez, uma ânsia meio boba por controle, que suspeito tenha relação com o meu humor, também tenha contribuído para adotar o aplicativo. Já contei que registro minha ingestão diária de água? Serve mais como estímulo para beber mais água do que qualquer outra coisa.)

A parte dos humores é bem direta no Daylio. O aplicativo sugere (sugestão que acatei) uma escala gradual de cinco humores, que defini nos seguintes termos:

  • Pleno;
  • Bem;
  • Indiferente;
  • Desanimado; e
  • Péssimo.

A parte das atividades é mais complexa. O que registrar? Em tese, é simples: atividades que influenciam o humor. Mas qual o nível de abstração, ou de detalhamento? Qual o escopo?

O Daylio também sugere diversas atividades, algumas que eu nem cogitava marcar a princípio, mas que fazem sentido, como o clima — se choveu, fez sol, estava frio. O clima cagado de Curitiba, sempre nublado, é capaz de por si só me deixar para baixo em alguns momentos do ano.

Em 2022, anotei o clima do dia nas atividades. E mais um punhado de coisas. Decidi ser bastante granular, na expectativa de que o excesso de dados pudesse revelar algo importante que a escassez de 2021 ocultara.

Aí no fim do ano eu parei, observei e não extraí revelação alguma da montanha de dados. Talvez se já tivesse a versão paga do Daylio? Ela libera alguns cruzamentos de dados extras, mas… sei lá, desconfio que não.

Para 2023, revisei as atividades e dei uma enxugada nelas, deixando só aquelas em que exerço um mínimo de ingerência, ou participação. (As “atividades” do clima, por consequência, rodaram nessa, porque embora afetem o meu humor, ainda não tenho o poder de fazer parar de chover.)

Outra coisa legal do Daylio é que dá para transformar atividades em “objetivos”. É um flerte com a “gamificação”, ou seja, transformar a própria vida em um jogo, o que acho… zoado, mas que às vezes funciona para o (meu) bem, como no lance da ingestão de água.

Uso os objetivos como um vetor para estimular hábitos saudáveis. No momento, estou me cobrando ir à musculação três vezes por semana e a interagir mais com as pessoas ao vivo, olho no olho, sem telas entre a gente.

Por fim, outra mudança em 2023: passei a usar o campo de texto dos registros do Daylio como um diário diário. Até ano passado usava outro, o (também ótimo) Day One, mas com o tempo os dois aplicativos convergiram e se tornaram redundantes. Preferi concentrar tudo no Daylio.

Dia desses aproveitei um dos descontos que o Daylio oferece a toda hora e fiz a assinatura anual. Ainda não sei se vale a pena. Ela libera elementos visuais extras (engraçadinhos, mas dispensáveis) e alguns cruzamentos de dados e análises. Considerei a assinatura uma retribuição aos bons serviços prestados por quem quer que tenha criado esse aplicativo. Ele é ótimo.


Para não ficar parecendo uma propaganda do Daylio (não é), termino indicando outros aplicativos parecidos, como o recém-lançado e totalmente gratuito Tibio (fiquei tentado a migrar para este), o DailyBean (os ícones são uma gracinha), Pixy Mood Tracker e Haema Diary.

Publicado originalmente na minha newsletter pessoal, onde escrevo textos mais pessoais e, regra geral, que não envolvem tecnologia. Uma leitora disse que este acima tinha mais “cara de Manual”, daí o trouxe para cá.

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15 comentários

  1. Tô passando por um dos momentos mais difíceis da minha vida até agr e tô tentando usar isso pra me conhecer melhor, me desenvolver. Foi nessa que baixei o Daylio. Queria monitorar minha variação de humor (que tem sido grande) pra tentar extrair dos dados alguma coisa que pudesse me ajudar a lidar melhor com isso. Mas a verdade é que o app não supriu minhas expectativas. Há cerca de 2 semanas venho fazendo registros ao longo do dia de acordo com minhas mudanças de humor e as atividades em que estou envolvido no momento. Porém, hoje quando fui fazer uma analise dos dados pra ver se me revelavam algo, fiquei um pouco frustrado. Não me revelaram nada de muito relevante (e olha que tô usando a versão paga). O app é muito básico e por mais que a gente possa criar diversos humores pra tentar descrever melhor nosso estado emocional naquele momento, eles ficam restritos dentro dos 5 humores gerais já determinados pelo App. Acho que o Daylio pode ser útil como um diário de notas associado a um medidor de rudimentar de humor, mas nada muito além disso. Eu não sou da área da tecnologia, encontrei esse blog por acaso enquanto procurava por relatos de pessoas sobre o uso do app, mas pensei que talvez eu tivesse mais sucesso se fizesse o registro de humor numa tabela de excel com meus próprios parâmetros . Não sei é viável…

    1. Anderson, o Daylio é uma ferramenta simples e sozinha não serve para muita coisa.

      Sugiro que procure ajuda profissional — de uma psicóloga e/ou psiquiatra.

  2. Sobre a preocupação em beber água. É bom para prevenir novas pedras “nos rins”, e até para evitar infecção urinária. No entanto, a maioria das pessoas não precisa beber mais do que o necessário para matar a sede. Este vídeo, de um biólogo divulgador de ciência, explica de onde veio o mito: https://youtu.be/jijuG9tyoR0?t=282

  3. Tenho usado dois aplicativos para acompanhar meu humor ultimamente: e-moods e Daylio. O Daylio é mais fácil de usar e tem uma interface mais amigável, mas acho que depois de um tempo perde o sentido. Já usei por muitos meses, saí, e voltei recentemente. Como sempre, ele só me ajuda a entender meu “mood médio” e há quantos dias não me sinto muito bem. Não acho a parte de atividades tão útil, porque ele me reafirma meio que o óbvio que aprendi em terapia: família, natureza, atividade física e cachorros me fazem bem. Atividades sociais, encontros românticos, comunicação com outras pessoas e estudo me fazem mal. Mas é um bom começo pra quem está engatinhando no autoconhecimento. Tô na estrada da psiquiatria desde os 11 anos.

    Por outro lado, o e-moods tem sido uma ajuda para gerenciar meu transtorno bipolar. Ele me mostra melhor as variações no meu humor e ajuda a tomar medidas preventivas quando necessário (menos nos dias que estou alternando muito rapidamente, e estou tendo interferência de outro trastorno secreto que tenho). Ainda estou procurando uma maneira melhor de usar esses aplicativos para transformar meu dia a dia. Se alguém tiver alguma sugestão, por favor, compartilhe comigo.

    Eu sei que anotar e refletir sobre meu humor e comportamento pode ser útil, mas mesmo assim, o journalling não tem sido tão eficaz quanto eu gostaria. Às vezes eu me sinto chato e questiono se na real é tudo o que me incomoda, e apenas cheguei no fundo do poço. Como diz meu terapeuta, “me deixa salvar tua vida”. Mas estou disposto a explorar diferentes métodos para melhorar minha saúde mental. Aceito sugestões, e beijos <3

  4. Usava o Daylio desde 2018.
    Nos primeiros anos me ajudou MUITO. Sou um desses amaldiçoados pela bioquímica melancólica. Tenho depressão e ansiedade, e cruzando meu humor com as atividades e períodos, me ajudava a entender certos padrões e comportamentos para me ajudar a ficar estável e perceber os sinais de que eu estava para cair num buraco (aí eu podia me preparar melhor e não ser pego desprevenido, pq cair no buraco era inevitável mesmo).

    Conforme meu autoconhecimento em relação ao humor aumentava e meu uso por outros aplicativos de gestão de conhecimento também, percebi que o Daylio já não supria minhas necessidades e só me fazia “perder tempo”. Achava frustrante que eles não tivessem o menor interesse em desenvolver uma API, e ok, prioridades do time de um app com um custo justo. Mas ano após ano a evolução do app me desanimou muito, acho que eu não fazia mais parte do público deles que so implementam funções para angariar novos usuários mas quase nada para reter usuários de longa data com outras necessidades.

    Acho um absurdo que até hoje, 5 anos depois, ainda não termos tanto controle sobre os dados. No máximo baixar csv.

    Desisti de vez do app quando migrei para o iPhone no ano passado e descobri que era um puta rolê pra migrar os dados pois as contas são diferentes e exigiam ter os celulares tanto com iOS quanto Android.

    Hoje eu registro o humor nos meus próprios diários. Menos confortável e habitual do que era com o Daylio. Porém só volto a usá-lo quando derem a devida atenção ao controle de dados por parte dos usuários. E infelizmente não tem nenhum outro app na mesma qualidade ou acima.

    1. Curioso. No final de 2021 usei um Android por alguns meses e consegui migrar meus dados do Daylio de um sistema para o outro, e de volta ao iOS, sem qualquer dificuldade. Exportei o banco de dados do Daylio em um e importei no outro.

      Além desse formato, também consigo exportar os dados em *.cvs, como você mencionou, e *.pdf (acho que esse é exclusivo da conta paga). Com o *.cvs, é fácil subir os dados numa planilha e fazer incontáveis análises. Fiquei curioso para saber de qual formato você sentiu falta, Eliel.

      1. No caso, você tinha acesso aos dois celulares. Se alguém, por exemplo, é roubado… aí fodeu. Acho um rolê chato de se fazer.

        Minha frustração é menos sobre poder exportar mais formatos e mais sobre a falta de interoperabilidade. É isso, troca “controle de dados” por “interoperabilidade dos dados”. Uma API já seria um caminho.
        Não quero poder baixar os dados e analisá-los em uma planilha manualmente, mas fazer uso desses dados em outros processos automatizados. A planilha me daria análises limitadas mas se pudéssemos cruzar com dados de outros lugares talvez fosse possível ter análises mais interessantes e possibilidades mais criativas de uso dos dados registrados pelo Daylio.

        Uma vez vi um cara que integrou os registros dele num blog cruzando com outras mil métricas que ele traqueava. Não que eu quisesse chegar ao nível dele, mas achei um trabalho muito criativo e interessante sobre como usar o Daylio. No caso ele é programador e tinha vários scripts pra fazer o trabalho pra ele que eu não sei fazer. Criar um processo manualmente usando os csv é terrível só de imaginar.

        Acho que eu penso assim por ser entusiasta de PKM e dessas ferramentas chamadas tools for thoughts. É como se eu olhasse pra um silo de dados riquíssimos sobre mim mesmo e inalcançável por que toda forma possível de uso por mim integrando com outras fontes de informação envolveria processos demorados, chatos e repetitivos.

  5. Nossa, agora ele é assinatura anual?? Eu paguei por ele faz um tempo e foi pagamento único. Eu já usei muuuito e por algum motivo perdi totalmente a mão nele esse ano. Se antes eu tinha quase uma necessidade de registrar o que acontecia no dia, agora até mesmo quando eu tô mal, acabo não registrando no app. Eu tenho pelo menos uns 1000 registros e eu usei esses dados pra fazer um Gif (com os gráficos anuais dele) e mostrar à minha psiquiatra como meu humor piorou gradualmente de 2018 até 2022. Um dos objetos era ilustrar pra ela sobre minha depressão/apatia

  6. Outro app é o How We Feel. Tem uma interface maravilhosa na seleção dos sentimentos.

    Usei um tempo registrando 3 vezes ao dia o que estava sentindo e ajudou. Trazer a tona e dar nome aos sentimentos ajuda demais a lidar com eles. Parece-me que ajuda pela pegada do mindfulness, de estar atento.

    Mas depois de quatro meses eu parei de usar. Passou a ser repetitivo, talvez seja um período ok da vida, ou talvez o treino trouxe essa habilidade de notar os sentimentos sem nem precisar registrá-los.

  7. Vou dar minha opinião não me leve a mal, mas acho que usar um APP para registrar dia a dia o “humor” beira sei lá o doentio (repito não me leve a mal), fazer um diário para escrever e colocar no “papel” vá lá acho até interessante, porém tentar gamificar ou tirar algo dos acontecimentos do dia a dia acho meio louco e perda de tempo assim como pessoas que pesam a comida, nosso humor é pautado por zilhões de coisas, bioquímica, acontecimentos e pra mim um dia nublado ou chuvoso pode ser bom ou ruim depende de inúmeras coisas, ontem mesmo aqui na cidade o tempo ficou nublado e no fim da tarde eu sai para correr e caiu uma tempestade e eu achei espetacular correr debaixo daquela torrente mas isto não é uma constante.
    Enfim sei lá, acho que estar de bom humor ou não é algo que devemos buscar pela atitudes do dia a dia, mudando hábitos, mas fazer estes apontamentos não sei não.
    Espero não ter parecido muito rude, fique a vontade para apagar.

    1. Oi William! Então, diário de humor não é um “teste” nem uma tentativa de “gamificar” o humor. É um exercício de autoconhecimento.

      Eu mantenho um diário tradicional, em que você escreve o que está passando pela sua cabeça, há 20 anos, e achei o diário de humor um bom complemento. Ele tem me ajudado a detectar padrões de variação de humor e o que desencadeia essas variações — que, sim, estão sujeitas a inúmeras variáveis, mas isso não invalida a tentativa de detectar as mais relevantes e/ou frequentes.

      Se você se vira bem sem, ou seja, nunca sentiu necessidade e seu humor é estável, ótimo. Para muita gente, porém, as coisas não são simples assim e acho que qualquer ajuda (bem documentada e fundamentada, como é o caso dos diários de humor) é bem-vinda.

    2. Então, também uso o Daylio e também não consigo extrair grandes insights, nem descobri que lavar a louça diminui o meu humor, nem nada assim.
      O que eu gosto é o exercício de “mindfulness” no fim do dia ou na manhã seguinte. Pensar como foi seu dia, as coisas que fez, como se sentiu é algo que eu gosto e isso pra mim já é o suficiente pra me motivar a usar todos os dias.
      Eu concordo que dar notas de 1 a 5 para algo tão complexo quanto nossas emoções é algo que não faz sentido, mas pra mim (e acredito que para o Ghedin também) não é uma tentativa de resumir todo o meu dia em um número, apenas uma forma legal de resgistrar.