O homem que comprou uma licença do WinRAR

O novo ícone do WinRAR, em detalhe.

Antes das lojas de aplicativos, dos smartphones, da internet rápida e dos meios de pagamento simples, usávamos computadores ruidosos, em conexões lentas e munidos de um tipo de aplicativo chamado “utilitário”. Entre eles, o compactador de arquivos era um dos mais populares. Dentro desse micro universo, havia o WinZip, que provavelmente aquele seu tio contador tinha comprado e instalado no computador novo dele, e o WinRAR, que, mesmo igualmente pago, podia ser usado de graça e, além de tudo, parecia ser melhor.

O WinRAR foi desenvolvido pelo russo Eugene Roshal em meados dos anos 1990. O algoritmo de compressão RAR (de Roshal Archive, sacou?) era mais avançado que o do WinZIP: além de gerar arquivos menores, permitia quebrá-los em várias partes, o que era uma bênção na hora de copiar o shareware do Duke Nukem 3D do computador do amiguinho em vários disquetes.

Naquela época, reinava o “shareware”, modelo de distribuição de software que permitia o uso do aplicativo ou jogo ou por um tempo limitado ou com funções reduzidas e que, para desbloquear todos os recursos para sempre, precisava de uma licença, paga uma única vez.

O WinRAR ainda hoje segue esse modelo, mas com uma diferença fundamental: ele oferece todos os recursos (com poucas exceções, que comento abaixo) e jamais deixa de funcionar, mesmo se o usuário não comprar a licença após o período de testes. Se, depois desse prazo, que é de 40 dias, ele decidir que não quer ou pode comprar a licença, o WinRAR continua funcionando. A única alteração é que ele passa a exibir um popup pedindo o registro toda vez que é aberto. Toda. Vez. Sem. Exceção.

Janela do WinRAR que aparece após 40 dias de uso.
Imagem: aninazare/Twitter.

Embora seja uma chateação, para muita gente é algo tranquilamente tolerável. Ainda mais considerando o preço unitário da licença, de US$ 29, meio pesado para o usuário doméstico, que usa compactadores esporadicamente e não tem que lidar com as regras de compliance típicas do meio corporativo, que levam as empresas a registrarem todo o software que usam. Fora isso, usar o WinRAR sem pagar não é ilegal. A win.rar GmbH, empresa dona do app, é bem permissiva nesse sentido. A possibilidade de usar o WinRAR sem pagar funciona quase como uma estratégia de marketing.

Como a empresa gera receita, então? Vendendo para outras empresas. Ao contrário de usuários domésticos, empresas são fiscalizadas de perto e precisam ter todo o software que usam legalizado. Além disso, a versão paga oferece três recursos extras que não estão presentes nem mesmo no período de testes da gratuita: “Adicionar informações de autenticidade”, “Exibir arquivo de protocolo” e “Apagar arquivo de protocolo”. Elas são meio inúteis em ambiente doméstico, mas, a depender do tamanho e dos processos de uma empresa, imprescindíveis no corporativos.

Um usuário doméstico comprando uma licença do WinRAR é algo tão inusitado que virou uma espécie de meme, parecido com aquele do Kinder Ovo. Só alguém muito rico — ou maluco — faria esse gasto.

Meme do WinRAR com personagens d'Os Simpsons.
Imagem: @cuantocabron/Twitter.

Após tantos anos vendo aquele popup e sem notícia de alguém, pessoa física, que tivesse comprado uma licença WinRAR, foi com espanto que soube que o Leopoldo Godoy, jornalista de São Paulo, era dono de uma.

Conversei com ele sobre essa curiosa passagem de sua vida. “Estava começando a trabalhar com jornalismo de tecnologia e a conversar com desenvolvedores [de apps]”, conta. “Bateu o peso na consciência de ver a situação das pessoas; que quando você pegava um software, não era um ‘crime sem vítima’. Entrei numa fase de tentar registrar tudo que tinha no computador e começar a ler os termos de uso, vendo o que eu podia usar e o que não, legalmente, na situação que estava. Aí comecei a registrar alguns, começando pelos mais baratos. Nessa época, assinei um monte de shareware”.

O WinRAR entrou nessa leva. Na época, em 2008, ele nem usava mais o aplicativo, mas o comprou mesmo assim, em reconhecimento aos bons serviços prestados no passado.

Recibo da licença do WinRAR que o Leopoldo comprou.
Recibo da licença do WinRAR que o Leopoldo comprou.

Hoje, o cenário é diferente; pagar por software já não é motivo de espanto. Leopoldo atribui essa mudança a dois fatores: a transição para o smartphone, que trouxe de carona aplicativos mais baratos, a partir de US$ 0,99, e o modelo de assinatura, que “quebra” o valor cheio de softwares outrora caros em mensalidades que cabem no bolso de mais pessoas. “Conheço muita gente que assina o Office 365, o pacote da Adobe, Netflix, Spotify”, comenta. (Atualmente, Leopoldo é gerente de conteúdo e parcerias da Microsoft.)

E a consciência, influencia? “Não sei. Talvez um pouco”, reflete.

Fala, presidente

Por e-mail, conversei também com Burak Canboy, presidente da win.rar GmbH. Disse a ele que havia uma brincadeira na internet de que só pessoas muito ricas conseguiam comprar o WinRAR e que conheci uma pessoa que, de fato, comprou uma licença do app.

Li as respostas, enviadas um dia depois, incrédulo. Bem-humorado, Canboy “incorporou” a piada e respondeu todas as perguntas como se apenas uma licença do WinRAR, a do Leopoldo, já tivesse sido vendida.

Manual do Usuário: Você conhece essa piada recorrente a respeito da licença do WinRAR? Como lida com ela?

Burak Canboy: Olha, em todo o nosso negócio ao longo das últimas décadas, só conseguimos vender uma licença. Estamos comemorando e especialmente felizes por ela ter sido feita no Brasil :)

MdU: Como são as vendas no mercado brasileiro em comparação a outros países?

BC: Se voltarmos à sua primeira pergunta, elas respondem por 100%.

MdU: O WinRAR não para de funcionar se o usuário não paga por uma licença. Por que vocês decidiram por esse modelo? Não acha que ele pode afetar as vendas?

BC: Peço que veja este vídeo muito didático (em inglês):

WinRAR And The Infinite 40-Day Trial

Ah, perdão: após o vídeo, você verá que fizemos duas vendas no total.

MdU: Até onde sei, vocês nunca lançaram um app para plataformas móveis. Por quê?

BC: Temos o RAR for Android disponível no Google Play, mas decidimos não lançar uma versão para iOS devido às políticas restritivas da Apple.

***

Em uma entrevista mais, digamos… séria, concedida ao Softonic em 2013, Canboy comentou a relação entre pirataria e o uso liberado para pessoas físicas:

A pirataria afeta todo mundo no ramo do software. A pirataria do nosso produto é claramente alta e certamente impactou o nosso crescimento ao longo dos anos. Entretanto, esse é um empecilho com o qual todo desenvolvedor de software atualmente tem que lidar. Ainda assim, esse problema não nos afeta tanto quanto pode afetar outros, já que temos uma maneira muito liberal de permitir que os usuários continuem com o nosso software após o fim do período de testes. Muitos realmente acreditam que o nosso software é gratuito e [sendo assim] por que você incomodaria alguém a usar uma versão pirata e potencialmente danosa se, em vez disso, o original pudesse ser usado?

O novo WinRAR

O app tem versões para Windows, Linux, macOS, FreeBSD e Android, mas é a do sistema da Microsoft a mais conhecida — e o único que tem esse nome, aliás. No Linux, FreeBSD e macOS, o RAR, como é chamado nesses sistemas, só opera em linha de comando (sem interface); no Android, a necessidade de compactadores de arquivos é menor — tanto que o app é gratuito, com exibição de anúncios.

Uma das grandes virtudes do WinRAR é a consistência. Lançado há 23 anos e com um desenvolvimento ativo, ele mudou muito, mas manteve algumas características intactas nesse período, como a estabilidade, a facilidade de uso e o visual.

A versão mais recente do WinRAR, 5.60, lançada em junho, chocou os usuários por romper um desses pilares de familiaridade: ela trouxe um novo visual. O ícone do app mudou e os dos botões da interface, também. Achei o do app bonitão e, ao mesmo tempo, respeitoso com o clássico. Já o dos botões achei… meio esquisitos? Claro, isso vai do gosto do freguês, mas caso não goste dos novos, é possível baixar o visual clássico neste link.

Veja como ficou:

Tela do WinRAR 5.60 com os novos ícones.
O novo visual do WinRAR. Imagem: WinRAR/Reprodução.

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38 comentários

  1. Rapaz, tenho que confessar, eu fiquei com um peso na consciência ao ler este texto.
    Agora estou pensando seriamente em comprar a licença.

  2. Sendo designer, durante muito tempo só usei adobe pirateado porque era impossível pagar como usuário doméstico, era coisa só para empresa mesmo (coisa de R$ 800 mês por usuário para cada aplicação). Depois que inventaram o Creative Cloud e virou um valor mensal, BEM mais acessível e com todos os apps do Adobe Suite em uma licença só, acredito que as vendas tenham crescido muito. Hoje tenho a licença que a empresa disponibiliza, mas ainda assim mantive a minha pessoal, porque sempre tenho um freela ou outro, acho desonesto usar recurso da empresa pra trabalho com terceiros.

  3. Por questão de coerência, sou engenheiro e advogado, utilizando bastante a ferramenta, senti-me na obrigação ética de — SIM — comprar uma licença de WinRar. Não somente o nosso trabalho deve ser remunerado!!!!

  4. bahhhhhhh quantos anos usando winrar… to pensando seriamente em comprar. bem provável que vou perder a key… mas é só pra tirar o peso da consciência. esse ano comprei um computador com windows instalado. pela primeira vez na vida é original! estamos evoluindo…

  5. Boa noite. Gostei muito das explicações e dicas importantes sobre o assunto.
    Obrigada!! Fico mais “aliviada” de não estar fazendo nada errado.

    1. Tenho o rar para android registrado com assinatura anual de R$ 3,79 sempre com as atualizações inclusas
      Caramba , porque não fazem para o windows desta forma?
      Versão windows R$130,00 com apenas 6 meses de atualizações muito caro para usuários domesticos que não gostam de programas piratas

      1. O foco do WinRAR não é usuário doméstico, como a matéria explica. Para empresas, que compram em volume, esse valor é baixo.

        Eu recomendo sempre para usuários domésticos algo como o 7-Zip ou o Peazip, ambos gratuitos e de código aberto. O único contra é que eles não comprimem em *.rar, mas conseguem descompactar arquivos nesse formato sem problemas.

  6. Entrei na onda de legalizar o que uso pra trabalhar, licenciei o Windows, o office, o corel, o IDM e o Winrar por respeito a todos os anos que o utilizo. Não me arrependo… um tempo atrás crackeava tranquilo, mas o abuso de propagandas nos sites ou mesmo arquivos com vírus foram mudando minha concepção.

  7. O problema eram os disquetes.. Como sempre apresentavam problemas, corrompiam os arquivos e, após compactar alguma coisa, sempre era uma dor de cabeça interminável. Isso quando o usuário não inventava de colocar uma senha no arquivo compactado e depois a esquecia. Fora isso, alguém já usou um utilitário de compactação chamado Peazip? Apesar de usar intensamente processador e memória, ele conseguia níveis maiores de compactação do que qualquer outro programa.

  8. A estratégia é bem simples: com um grande universo de usuários domésticos, usuários corporativos recebem com certa frequência arquivos que dependem de rápida descompactação pelo software. O nome disso é “economia de rede”.

  9. Eu comprei o Sublime pelos serviços prestados também, usei ele bastante durante o mestrado mas não tinha coragem de pagar os $75 na época…depois que consegui um emprego com salário melhor acabei pagando apesar de usar pouco no dia-a-dia.

  10. Muito legal essa matéria!
    Espero que ela incentive mais o “povo do jeitinho” a pagar pelas licenças de uso. Aliás tem gente que gasta mais em games de celular que em uma licença do Winrar e efetivamente não tem nada em troca.

    1. Certamente devem ter vendido bem mais pois eu também comprei porem foi em 15/02/2008.

  11. Matéria interessante. Mas comprar uma licença do WinRAR parece ainda mais bizarro quanto se tem alternativas free (e open) como o 7-zip.

        1. Eu usava o WinRAR até que deu uma zica no meu PC e ele parou de funcionar.
          Eu já tinha o 7-zip instalado (por conta das funcionalidades e dos tipos de arquivos que o WinRAR não abria) e agora só uso ele.
          Não é tão prático como o WinRAR, mas derruba um bosque.

          1. É, o 7-Zip é bem bom mesmo! Acho que as únicas vantagens reais do WinRAR são a compactação em RAR (o 7-Zip só descompacta) e a velocidade (na época em que eu usava Windows, achava o WinRAR mais rápido e melhor para lidar com arquivos muito grandes).

          2. Hoje em dia o Winrar é bem rápido.

            Vira e mexe estou descompactando arquivos de backup (pasmem, vídeos!) e os processadores multicore se tornaram melhores pra esse tipo de operação… só falta ter um modo com suporte à GPU e….. não, pera….

  12. Pena que o valor dos aplicativos para PC sejam tão caros. Mas muito caros.
    Até o Office 365 eu fiz questão de comprar, mas por um preço bem agradavel.