Zoom tenta explicar suposto uso de videochamadas para treinar IA

Uma atualização de março de 2023 nos termos de uso do Zoom, popular aplicativo de videochamadas, colocou a empresa na defensiva nesta segunda (7).

Alguns sites acusaram o Zoom de estar usando dados dos usuários para treinar modelos de inteligência artificial, sem dar a chance de rejeitar a cessão de dados para essa finalidade.

É verdade, mas uma verdade menos maquiavélica do que algumas manchetes levam a crer.

A celeuma está centrada em duas cláusulas:

  • A cláusula 10.2, que prevê que o Zoom pode usar “dados gerados por serviços” para, entre outras coisas, “aprendizado de máquina ou inteligência artificial (inclusive para fins de treinamento e ajuste de algoritmos e modelos)”.
  • E a cláusula 10.4, que prevê que o usuário do Zoom concede uma licença ao Zoom que pode usar seu conteúdo (aí sim: videochamadas, arquivos e mensagens de texto) para, entre outras coisas, “fins de desenvolvimento de produtos e serviços […] aprendizado de máquina, inteligência artificial, treinamento […]”.

“Dados gerados por serviços”, os que são usados de maneira compulsória, são “quaisquer dados de telemetria, dados de uso do produto, dados de diagnóstico e conteúdo ou dados semelhantes”.

Em outras palavras, nada relacionado ao conteúdo do usuário — videochamadas, arquivos ou mensagens de texto —, apenas metadados que, regra geral, empresas comerciais e até algumas não-comerciais usam para aprimorar o serviço, identificar falhas etc.

Os recursos do usuário, previstos na cláusula 10.4, podem ser usados para treinar IAs, mas apenas com o consentimento explícito do usuário.

Ao entrar em uma chamada em que esse uso é possível (ele precisa ser ativado previamente pelo anfitrião ou empresa), um aviso é exibido com a opção de deixar a sala, caso a pessoa não concorde com a cessão de dados para treinar IA.

Smita Hashim, diretora de produtos do Zoom, tentou apagar o incêndio de relações públicas com um post no blog da empresa. Em dois momentos, ambos em negrito para dar ênfase, ela escreveu:

Para IA, não usamos conteúdo de áudio, vídeo ou mensagens para treinar nossos modelos sem o consentimento do cliente.

Uma variação da mensagem também foi adicionada à cláusula 10.4 dos termos de uso, por ora apenas na versão em inglês, nesta segunda (7).

Em março, o Zoom lançou recursos de inteligência artificial que automatizam algumas tarefas típicas em videochamadas, como redação de um resumo da conversa/reunião, sob a marca Zoom IQ.

Desde a surgimento meteórico do ChatGPT, as pessoas aprenderam melhor o funcionamento de modelos de IA e a natureza dessa tecnologia, subproduto de quantidades gigantescas de conteúdo, tão grandes que é quase impossível trabalhar apenas com conjuntos de dados sintéticos.

Perto do que OpenAI, Google e outras fizeram — pegar dados da web aberta e de plataformas como Reddit e Twitter sem nem avisar —, a postura do Zoom me parece menos pior.

E até as piores situações têm um lado bom. A confusão com os termos de uso e IA abafou outra notícia com potencial polêmico ainda maior para o Zoom: a empresa, que cresceu horrores durante a pandemia ao viabilizar o trabalho remoto por videochamadas, vai obrigar todos os funcionários que residam num raio de ~80 km de um dos seus escritórios a trabalharem presencialmente pelo menos dois dias na semana.

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1 comentário

  1. Desde que algumas redes sociais e nuvens de armazenamento atualizaram seus termos de uso para que os dados dos usuários não sejam “exatamente” de propriedade de quem os gerou (isso deve ter começado por volta de 2010), eu acho que se cruzou uma linha que não deveria ter sido ultrapassada. O pior é que por mais que eu escolha não alimentar essas empresas com meus dados (sejam eles pessoais ou gerados por mim), existem momentos em que é “inevitável” entrar no sistema.
    Basta uma entrevista de emprego por Zoom para que seus dados potencialmente sejam usados para treinar uma IA. Mesmo com a opção de “sair da sala” como dito na matéria, quem vai se negar a fazer uma entrevista de emprego por causa de termos de uso imprecisos?