A boa crítica exige um conhecimento razoável do objeto que se quer criticar, sob o risco do crítico passar vergonha, gerar ruído e/ou tumultuar o debate.
Nos últimos dias, com o ambiente acirrado devido ao debate em torno do PL 2630/20, o PL das fake news, testemunhamos alguns deslizes meio… complicados.
No dia 1º de maio, Daniela Lima, jornalista da CNN, mostrou ao vivo que não conseguia publicar no Twitter uma mensagem favorável ao PL das fake news.
Naquele dia, o Twitter sofreu uma pane global, evento recorrente desde que Elon Musk demitiu 75% dos funcionários. A pane provavelmente explica a dificuldade que Daniela teve em postar a mensagem.
Ainda não fosse o caso, é preciso cautela antes de fazer esse tipo de acusação, gravíssima. Uma análise do contexto ajuda: o Twitter mal tem representação no Brasil e Musk não havia manifestado qualquer interesse — ou mesmo conhecimento — pelo debate do PL das fake news.
O termo “coroação” estava em alta devido à coroação de Charles III, um evento anacrônico (e brega) ocorrido no Reino Unido no último sábado (6) e que contou com a presença de Lula.
Poderia ser parte da campanha ardilosa do Google contra o PL das fake news? Eh… acho que não.
Felipe afirma em sua postagem que “se trata de um erro algorítmico”, mas não é um erro; é como o algoritmo funciona. Muita gente já pesquisou por “lula corrupção”, o que desengatilha a sugestão do buscador para termos minimamente próximos daquele, como “coroação”. Para Bolsonaro, o “coração” provavelmente vem daquela pataquada de trazer o coração de Dom Pedro II de Portugal para servir de cabo eleitoral na sua fracassada campanha à reeleição.
A denúncia fajuta repercutiu em muitos jornais. Até o relator do PL das fake news, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), retuitou Felipe em tom indignado.
Em resposta, e mesmo sem culpa, o Google removeu as duas sugestões, de Lula e Bolsonaro.
Ainda hoje, porém, se você pesquisar por “bolsonaro machadinha”, o buscador sugerirá “bolsonaro rachadinha”. Felipe ou qualquer um do lado governista defenderia a tese de que Bolsonaro é perseguido pelo Google?
Nenhuma dessas denúncias equivocadas parece ser intencional, feitas de má-fé. Isso não as isenta de serem classificadas como incorretas, mentirosas, no mínimo carentes de comprovação, o que, em qualquer caso, é grave.
A essa altura do campeonato, são deslizes bobos, equívocos óbvios, e esse pessoal, que deveria ser letrado em internet, parece ter desligado os filtros diante de qualquer evidência, por mais frágil que seja, quando os ânimos acirraram.
Você me fez repensar a respeito da situação envolvendo o Twitter, e pode ser que não tenha havido maldade. Quanto ao Google, já havia imagino não ter sido uma decisão por parte da empresa.
neste texto fica parecendo que você concorda com esse mecanismo do google de guiar sua pesquisa, mesmo que você digite uma palavra sem erros de digitação. e eu não senti pane no twitter em momento nenhum. muita coincidência mesmo poder postar a imagem e não poder postar o texto, ambos na mesma hora. a regulação não é só pra inibir práticas propositalmente ruins, mas também consertar os vícios do algoritmo.
A questão não é concordar ou não, mas sim se houve malícia/má-fé na substituição que o Google fez para o Lula. E não houve, ou pelo menos não há indício algum de que houve, o que põe por terra a acusação do Felipe Neto de que o Google manipulou esse resultado de maneira intencional.
O Twitter (ainda) tem 300 milhões de usuários. Uma pequena pane, que afete 1% deles, afeta 3 milhões de pessoas. Essas panes raramente não são gerais e podem ser graduais. É coincidência mesmo que uma das pessoas afetadas tenha sido a apresentadora de um telejornal de alcance nacional. A gente dá pouco crédito às coincidências, mas elas existem aos montes — se soubermos procurar, se a sorte ajudar.
A navalha de Hanlon diz: “Nunca atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela burrice.” No Twitter do Elon Musk, isso é especialmente válido. Quando é algo intencional, o próprio burro, digo, o próprio Musk explicita, não faz questão de esconder, como naquele fiasco com o Substack.
Pelo que entendi, a jornalista tentou postar um texto sobre a PL e não conseguiu. Em seguida postou uma imagem com o print do texto com sucesso. Muito estranho o erro ocorrer ao postar um texto e com a imagem não.
Sobre o viés do Google, se o algoritmo está sugerindo e atribuindo contexto falso ao que é pesquisado, a empresa deve ser responsabilizada sim. Ou seria melhor desativar essa função de sugestões e deixar que o público faça a própria pesquisa sem interferências.
Taí um ponto que eu tava pensando. Já há o costume do uso da “autocorreção” em muitas coisas, e isso de fato serve como indutor também.
A sugestão de pesquisa do Google também já virou algo popular, meme. Isso por causa da alimentação dp algoritmo com o histórico de uso, o que gera previsão baseada nestes.
Não vejo erro em desativar a sugestão de pesquisa. Isso até incentiva a pessoa a entender onde errou e como corrigir. Mas de qualquer forma é uma comodidade já estabelecida.
Concordo com a comodidade de um corretor ortográfico.
Já essa função que substituí uma palavra correta por outra modificando o contexto da pesquisa, pra mim é totalmente desnecessária e até irritante. (Isso se a gente acreditar que eles realmente não têm o controle do que é sugerido).
Jonathan, o algoritmo nesse caso não faz juízo de valor. Ele não está “atribuindo contexto falso ao que é pesquisado”, ele está direcionando o usuário a pesquisas passadas mais populares. Essas sugestões não são editorializadas, não têm interferência humana por padrão. Entender isso é fundamental para entender a maneira como o Google opera e evitar vexames como essa acusação infundada do Felipe Neto.
E como podemos ter certeza de que essas sugestões não são editorializadas, Ghedin?
Não sou adepto de teorias da conspiração, mas acho leviano acreditar que as bigtechs não fariam uso das próprias ferramentas pra defender seus interesses.
A base do funcionamento dessas empresas é divulgar mais quem paga mais. Aí nessa ferramenta, só nesse caso específico, o algoritmo é “isentão”?
O pior é pensar que de facto o Google tem um histórico de interferência no conteúdo. Então não a toa a implicância com esta coisa pequena, apesar de que justamente não deveria ser tanto destaque por ser coisa pequena e boba.
Acho que o fato de que sempre foi assim pesa (bastante) a favor do Google.
Gostaria de agradecer ao Ghedin por ser a única pessoa da imprensa (se eu não estou enganado) a lembrar da patética campanha do agora ex-presidente levar o coração de Dom Pedro ao Brasil na igualmente patética celebração do Bicentenário. O ato foi tão patético, mas tão patético que ninguém se lembrou desse ato.
Nesse dia foi mais marcado por ele dizer que é imbrochável.
Fico imaginando daqui a 100 anos quando os nossos netos estudarem o que aconteceu no dia dos 200 anos de independência. Desde já, pedimos desculpas.
Eu li por cima sobre e tava pensando aqui.
Se tipo, o sistema de auto correção do Google dá estes resultados em primeiro (lula corrupção e bolsonaro coração) na resposta quando usa o termo “coroação” associado, a pergunta que se faz é se o algoritmo vai SEMPRE fazer isso, se é SÓ com eles e e se vai atender SÓ esta condição específica.
O teste ideal seria tipo se pegar e associar o termo “coroação” com outros nomes e ver os resultados. Ou experimentar ver se vão forçar os termos em outras buscas similares.
De fato, o algoritmo provavelmente irá responder a busca mais comum (que no caso do Lula, é o termo corrupção mesmo infelizmente, mas que também deveria um ser termo associado ao bolsonaro, afinal, o bolsonaro não tem coração, só corrupção :p ).
A reportagem do jornal O Globo fez o teste com “Trump coroação” e “Biden coroação” e em ambos os casos foi corrigido para “corrupção”. Fiz o teste agora e não está corrigindo mais, mesmo para estes casos.
https://12ft.io/proxy?q=https%3A%2F%2Foglobo.globo.com%2Fblogs%2Fsonar-a-escuta-das-redes%2Fpost%2F2023%2F05%2Fvoce-quis-dizer-lula-corrupcao-google-sugere-alternativa-de-busca-sobre-o-presidente-e-coroacao.ghtml
Seria como inferir má-fé das pessoas chegando a conclusões erradas por conta de vieses cognitivos.
Ainda assim não podemos ignorar que houve sim campanha contra a PL2630.
Ótimo texto