O Pix é um sucesso incontestável. Lançado em outubro de 2020 (começou a valer mesmo para a população dois meses depois, em 16 de novembro), o sistema de pagamentos instantâneos do Brasil caiu nas graças da população com a mesmo velocidade com que viabiliza transferências de valores sem custo às pessoas.
O Banco Central (Bacen), verdadeiro “pai do Pix”, mantém uma página atualizada em seu site mostrando a evolução do Pix segundo várias métricas.
- Em menos de dois anos, quase 130 milhões de pessoas e pouco mais de 11 milhões de empresas fizeram ao menos uma transação com Pix.
- Esse público criou mais de 500 milhões de chaves.
- Perto de R$ 1 trilhão foi movimentado em 2,2 bilhões de transações — a maioria, 68%, entre pessoas físicas (P2P).
As instituições financeiras aderiram ao Pix de maneira incondicional, mesmo perdendo a (pouca) receita que tinham com modalidades similares, mais arcaicas, de transferência de valores, como TED e DOC. Hoje, quase 800 delas suportam o Pix.
E apesar da magnitude do sistema, o Pix tem se mostrado ágil na implementação de novas funcionalidades, como Pix Saque, o Pix Troco e Pix Recorrente, e para fazer ajustes ante imprevistos, como os tetos flexíveis de valores para inibir os sequestros-relâmpagos noturnos.
É perfeito? Não, mas é melhor do que qualquer coisa que existia antes. Mais que isso, o Pix é exemplo para o mundo — o Bank for International Settlements (BIS), que desenvolve um sistema similar para pagamentos transfronteiriços, rasga elogios ao Pix brasileiro.
O Pix começou a ser gestado pelo Banco Central em 2014 a partir de um modelo aberto ao diálogo, composto por um fórum de debates, grupos de trabalho e até um repositório no Github com código aberto.
É bem verdade que os bancões brasileiros, a despeito de todo o poder que têm, encolhem sobremaneira próximos das maiores empresas do Vale do Silício, como Meta, Apple e Google.
Ainda assim, o exemplo do Pix pode servir para outro enrosco que a gente enfrenta no dia a dia: a multiplicidade de aplicativos de mensagens.
No primeiro semestre deste ano, a União Europeia avançou o Digital Markets Act (DMA), uma nova lei do bloco criada para conter o poder desmedido da big tech norte-americana e restabelecer a competição nos setores em que essas empresas atuam.
Entre outras exigências, o DMA prevê a interoperabilidade entre aplicativos de mensagens das grandes empresas. O iMessage terá que conversar com o WhatsApp, e os dois terão que falar com o… a… qualquer que seja o aplicativo de mensagens do Google no momento.
Parece algo tão improvável quanto era até 2020 transferir uns trocados, sem custo e de maneira instantânea, entre contas do Itaú e da Caixa num domingo à noite. Difícil? Com certeza, mas não impossível — se houver boa vontade.
E, embora difícil, não é algo sem precedentes. No início da pandemia, Apple e Google se uniram para criar uma API de rastreamento de contágios. Nesta terça (4.out), o padrão Matter, que cria um “idioma comum” a dispositivos de internet das coisas e que tem entre seus membros Apple, Google, Amazon e Samsung, foi finalizado.
Para as mensagens, precisamos de um “idioma comum” que compreenda as funcionalidades básicas desse tipo de aplicativo, como trocar mensagens, criar grupos e fazer ligações. O resto — figurinhas, reações, mini-apps etc. — fica a critério de cada aplicativo. Seriam os diferenciais.
Uma base comum para aplicativos de mensagens aproximaria o funcionamento desse mercado ao dos streamings de música, mas sem a barreira comercial (os acordos com as gravadoras). Spotify, Deezer, Apple Music e Tidal competem não em catálogo/conteúdo, mas em recursos, aplicativos e integrações.
Já existem protocolos abertos que possibilitam a interoperabilidade entre aplicativos de mensagens, casos do XMPP e do Matrix. O que falta é boa vontade, o que parece que só teremos por parte das grandes empresas graças a um empurrãozinho da regulação estatal. Que esse caminho chegue a um resultado tão bom quanto o nosso Pix.
será muito bom
Vou dar uma de filósofo de bar agora.
Quando as tecnologias começaram a ganhar tração nos últimos 200 anos, havia a questão econômica por cima deles também. No caso, me refiro a patentes e direitos similares.
Quem inventava, buscava ganhar dinheiro com a invenção. Com isso, os primeiros inventores tiveram apoios legais em certos casos, vide a questão de Thomas Edson e as tomadas de direitos que ele pegou.
O Pix é um padrão de gerenciamento financeiro gerado pelo Estado. O Estado (Brasil) detém o monopólio econômico da geração financeira, ou seja, só o Brasil pode emitir reais e servir-los a sua população. A um monopólio, sempre é difícil não ter padrões.
Quando falamos de padrões de tecnologia, no final caímos em questões sobre monopólios – como lidar com algo que terá padrão único?
Whatsapp meio que virou padrão devido tanto aos esforços de popularização no começo quanto na praticidade. Não é bem um monopólio, mas quase virou.
Criar um padrão “universal” de comunicação creio que teria o risco de ter brigas de monopólios. E quando falamos em empresas, dado que telecomunicações não tem tanta regulação mundial por padrões únicos, é ve-los pensando em como ao mesmo tempo ter milhões de usuários nas mãos e com isso fazer dinheiro.
Enfim, só algo que passou pela cabeça lendo o texto.
O pior é que já temos um padrão de comunicação universal: o e-mail.
Pode mandar mensagem pra qualquer conta, tem formatação, e nem precisa estar preso ao site/app, tal qual o Matrix.
Mas tecnologias realmente úteis não interessam à Big Tech.
E outra, tenta convencer o Enzo Tiktoker a usar o e-mail, vai te chamar de cringe e ainda vai dar risada da tua cara.
Pois é, mas não culpo o Enzo Tiktoker também, o meu e-mail mesmo é cheio de propaganda inútil (inclusive já to me desinscrevendo em alguns deles agora, embora eu nunca tenha me inscrito pra começo de conversa); pro Enzo, deve ser ainda mais bagunçado.
A realidade é que o mercado em si, em sua ânsia de sugar toda a paciência dos usuários em troca de cliques e possíveis consumidores, destruiu o e-mail como um todo.
Ghedin, eu vou muito nessa onda de padronização. Sou servidor público e peno diariamente com a falta de padrão entre as fontes de informação. No INSS não trabalham com padronização, trabalham com mera interoperabilidade, mas a DATAPREV faz o “tradutor” de forma mambembe, fazendo a migração de informações conter diversos erros (um campo ir parar no outro, info quebrada…).
O PIX, de fato, demonstrou que a adoção de um padrão verificado para determinado tipo de operação facilita a vida de TODOS os envolvidos. Entendo que, pra popularizar, a expressão deveria ser utilizada: o PIX dos cartões de crédito, o PIX das informações de saúde, o PIX das empresas onde tem dados, etc. Há uma discussão grande em torno da uniformização e facilitação de absorção de uma base de dados grande de alguém, mas não seria essa uma ferramenta de empoderamento do cidadão? Um portal onde o cidadão conseguiria dispor de várias informações sobre si e trabalhá-las para evitar custos por esquecimento, questionar empresas por uso indevidos de seus dados, etc…
Essa é uma conversa muito cara a mim, então gostaria que você respondesse. Aproveito para perguntar também se você tem informação sobre o que existe de padronização de dados no Brasil, em moldes parecidos com o do PIX. Abraço.
Notam um padrão? Se o esforço conjunto é em torno de algo que aumente a vigilância sobre as pessoas (contágios, IoT, etc), então a cooperação acontece de maneira mais fluida.
Cooperação para facilitar a comunicação e a aproximação entre as pessoas, em vez de aumentar o distanciamento? Sorry, not so much… Só à base de legislação.
Noto o controle tbm, qdo é para limitar a liberdade tbm é muito fácil.
O pix é muito legal e tal mas a empolgação vai passar e vai ficar o prejuízo.
Por exemplo, pode acontecer algum “equívoco” por vc ser um dissidente do governo e suas chaves pix serem bloqueadas. Se depende de receber o dinheiro por esse meio, pronto sua vida fica absurdamente difícil. É muito poder na mão do estado que sabemos muito bem não é governado pelas pessoas mais bem intencionadas
#VoltaICQ