Em que situações deve existir imunidade para cometer crimes?

Com essa “nova” polêmica do Leo Lins, ressurgiu o discurso de que no palco, no humor, na arte, enfim, em alguma situação arbitrária, deveria existir imunidade uma espécie de liberdade de expressão total e sem consequências.

Vez ou outra, em locais distintos, noto essa defesa a liberdade total. Seja por parte de parlamentares, seja por parte de mesacasters, etc.

Confesso que acho que estranho considerar que por estar em um palco, atrás de uma mesa ou em um plenário, a pessoa passa a estar acima da lei e possui liberdade para falar a abobrinha que quiser, mas gostaria da opnião de vocês.

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68 comentários

      1. Tenho notado que reiteradamente o que eu posto aqui vem indiretas sobre eu ser racista…..
        O post acima e aqui ” O problema é que você corre o risco de arcar com as consequência. Achava que o crime de racismo era de ação penal privada, ou seja, quando o(a) ofendido(a) precisa fazer a queixa-crime (“fazer o BO”), mas descobri hoje, pesquisando aqui, que é pública, ou seja, independe da vontade da vítima. Talvez seja uma boa fazer piadas com ela em locais privados. Você, no mesmo sentido, poderia argumentar que fazer piadas racistas não deveria ser crime, mas… né, boa sorte com isso.”

        Sempre gostei do site e da pegada dele, e não imaginei que fosse ser vitima de ad hominem só por não concordar 100% contigo.

        1. Não quero (ou não tenho a intenção de) atacá-lo pessoalmente, Alexandre. É que quando você questiona a punição a um ato explicitamente racista, como o do Léo Lins, sob o argumento de que isso seria um cerceamento à liberdade de expressão, você se alinha (mesmo que involuntariamente) a quem é, de fato, racista. E aí não sobra muita opção a não ser contrariá-lo.

          Podemos debater e questionar se o remédio aplicado pela Justiça foi o correto (eu acho que, nesse caso, não foi), mas passar pano para racista é dureza.

          1. Só de curiosidade. Chegou a assistir o especial inteiro? Não é um show racista. É um show de humor que bate em todo mundo. Obra de arte racista é Nascimento de uma Nação, por exemplo.
            Eu desde que me vi como sendo parte de massa de manobra, eu passei a me aprofundar nas coisas, antes de dar opinião, para não ser feito mais de idiota.
            Eu acho muito perigoso deixar um arcabouço jurídico prontinho pra que apareça um DeSantis tropical e faça uso dele. Já aconteceu coisa análoga aqui, como por exemplo, anos de ataque do PT a imprensa não alinhada, tornaram palatável pro Bolsonaro também descredibilizar a mesma.
            Minha visão de vida é de integração, não me importo com o sexo, com o gênero, com a etnia, com a orientação sexual, com nenhuma desses nichos pra classificar a pessoa. Talvez minha única grande régua seja o caráter.
            Fico muito triste e preocupado com a integração que vivo cada vez mais distante e a segregação “do bem” cada vez mais em voga. É um lance quase como se fosse as Leis Jim Crow do século XXI.

          2. Não vi, não gosto do gênero. Ele poderia fazer o show sem essa piada racista e estaria tudo bem. Não é difícil.

            Ninguém se vê como massa de manobra, Alexandre, nem prega a segregação. Quando casos como esse acontecem, todo mundo se revolta porque o racista (ainda que seja “só uma piada”) está reforçando a segregação. Mesmo que não seja intencional (e tenho sérias dúvidas), denota um descuido que não cabe em 2023, com todo o esforço de combate à discriminação feito nos últimos anos, vindo de alguém que lida com o público, que vive disso.

            (As Leis Jim Crow e a piada racista em 2023 estão no mesmo balaio, sabe? Ainda que por meios diferentes, elas demarcam espaços, inferiorizam a pessoa preta só por ele ser quem é.)

            Não gosto de ser a pessoa “leia este livro”, mas talvez aquele da Djamila Ribeiro, Pequeno manual antirracista, te ajude a entender o que estamos tentando explicar aqui há dias.

          3. Eu tive a pachorra de ler Olavo de Carvalho para poder meter o pau nele com conhecimento de causa.

            Eu me via como massa de manobra, quando cai em algumas coisas que depois fui ver que não era bem assim. Formador de opinião pra mim não é algo que caiba mais em tempos de internet, com informação fácil. Se eu posso ir direto na fonte primária, pra que ouvir de um terceiro o que devo pensar sobre aquilo.

            Dividir as pessoas em grupos e botá-las cada uma em seu nicho, pra mim é segregação igual. Muito do que muita gente defende hj, me remete ao “separados, mas iguais” do lance da Jim Crow.

            Muita gente não gosta do Cardoso, mas ao ler isso (https://contraditorium.com/2023/05/19/ele-enfrentou-os-nazistas-no-peito-e-na-raca/), imaginei que uma galera do bem ia aplaudir a idéia hj em dia, de um navio só de negros, por exemplo.

            PS: Eu tenho o livro da Djamila aqui.

          4. Formador de opinião pra mim não é algo que caiba mais em tempos de internet, com informação fácil. Se eu posso ir direto na fonte primária, pra que ouvir de um terceiro o que devo pensar sobre aquilo.

            Porque, acredite, você não é a pessoa mais esperta do mundo em todos os domínios. Ouvimos especialistas porque essas pessoas dedicam suas vidas a entender determinado assunto, com todas as peculiaridades e complexidades que ao leigo — eu e você — passam batidas.

            Sua interpretação da questão do racismo, por exemplo, contraria todos os especialistas sérios no tema. É muita presunção tua (embora esteja no seu direito) achar que sabe mais disso do que gente que passa a vida estudando a questão só porque você leu alguma coisa como curiosidade. Equivaler as leis Jim Crow à luta antirracista, por exemplo, a mim passa um recibo grandão de que você não entende do que está falando.

            Você leu o livro da Djamila? Ter na estante não adianta muito. Em janeiro, quando da aprovação da lei que equiparou injúria racial ao crime de racismo (e que está em debate aqui), ela disse isto:

            “O Brasil é um país que, infelizmente, às vezes, o racismo vem camuflado. Isso [a nova lei] é muito importante em um país que as pessoas se escondem por trás dessa justificativa de que foi só uma piada e não quis ofender. Então, traz para o debate essas questões. E, agora, a gente vê isso também como um marco legal. Eu acho que é um avanço imenso na luta de antirracista e dos movimentos negros, dos juristas negros, das pessoas que estão lutando historicamente por essas transformações.”

          5. Eu sei que não sou a pessoa mais esperta do mundo em um monte de domínio. Mas, eu não fico passando pra frente uma ideia ou uma opinião que eu só peguei de um terceiro.

            Eu não to equivalendo Jim Crow as lutas antirracistas e sinceramente não vejo qual o link. Eu to equivalendo essas leis segregacionistas, com certos comportamentos de certos grupos da sociedade, que geram um segregacionismo new wave. Pega o lance do palmitar por exemplo, já que tanto fala de racismo comigo.

            Eu li o livro, quase tudo do livro assino embaixo.

  1. todos esses comentários falando de “humoristas” …

    pra mim esses caras não são humoristas, são uns escrotos que fazem “piada” com os fracos e/ou menos favorecidos, ou então “piadas” contra quem já bombardeado pela mídia (tipo Gentili fazendo “piada” com Lula etc)

    quero ver eles fazerem com judeus, com juízes, com procuradores, com a PF …

    1. Esse é o mesmo argumento que reaças usam quando falam que feministas radicais vão em igrejas mas não vão em mesquitas.

      1. Como assim? Claro que vão, e arriscando a vida. Ao contrário dos “humoristas” que não tem coragem de contar uma “piada” sobre negro na quebrada ou durante o ensaio da escola de samba.
        Esses caras só se apresentam em ambientes seguros.

  2. Everybody Hates Chris faz piada com racismo todo episódio. Da pra fazer piada com temas sensíveis sim, basta ter um pouco de criatividade.

    1. A sitcom lida mais com o cotidiano dos personagens e o estereótipo do “negro americano classe média sofre”.

      O mal é o Chris Rock, que já vimos que ele ultrapassa limites de qualquer forma… :/

  3. Achei a lei sancionada em janeiro que embasou. Ela traz recortes específicos.

    No meu entender (de leigo), a decisão contra o Léo Lins passa um pouco do ponto, tipo a parte de proibir ele de antemão de temas que já são vedados por lei… não precisaria disso, né? Já está na lei, ora. Acaba dando margem a quem chama a lei acima de “lei antipiada”. O lance de comunicar ausências de mais de dez dias de São Paulo e aparecer para dar um alô todo mês, também não vejo qual seria o risco que isso visa coibir.

    Bem provável que essa sentença seja reformada na segunda instância.

  4. De curiosidade…que tipo de piada e quais humoristas deveriam ser permitido para vocês.
    E não se esqueçam que esse tipo de coisa pode gerar jurisprudência pro pau que tá batendo em Chico, bater em Francisco lá na frente, numa eventual alternância de grupo no poder.

    1. Na verdade eu tendo reduzido bastante o “consumo de humoristas”. Os únicos caras que sigo no YouTube são os Barbixas, e ainda assim só assisto o “cenas improváveis” e o “frases”. Só que diferente de anos atrás, se vejo uma cena com algo que me incomoda, fecho o player.

      A comédia de fato tem uma carga de preconceitos e abusos. A própria Laerte já falou sobre.

      Estava assistindo dias atrás “Loucademia de Polícia” e é engraçado como lá o filme expõe diversos preconceitos tanto sobre a própria polícia quanto a estereótipos (O grandão negro Hightower, o malandro branco Marroney, o esperto em estéreo surround Jones, a simples Hooks). E bem, foi um filme de sucesso lidando com todos os preconceitos expostos (tanto o movimento de pessoas diferentes indo prestar serviços à polícia, quanto da situação social que tanto a policia quanto a sociedade enfrentam).

      É uma comédia boa? Isso é bem subjetivo. Reassisti e gostei, mas sei que ele ficou dentro de uma linha tenue sobre o preconceito.

      Toda comédia entra nesta linha tênue. Saí de Baixo era o estereótipo da “classe média se vira como dá” de São Paulo, o Toma Lá da Cá é quase o mesmo mas no Rio. Escolinha do Professor Raimundo é puro suco de estereótipos expostos, assim como já a lendária Praça é Nossa.

      1. Eu ADORAVA M*A*S*H. Assistia com meu pai e chorava de rir.
        Baixei a série, num dos episódios eles desmontam o barracão dos chuveiros onde a enfermeira-chefe está tomando banho e ela fica completamente nua na frente de uma plateia que aplaude o desespero dela, tentando se cobrir.

        Apaguei os episódios e só pensei naquele pqp, as merdas que eu achava engraçadas.

        1. Senti algo parecido quando assisti ao filme A vingança dos nerds depois de velho, em que um dos nerds finge que é o cara popular, encontra a menina popular que namora o cara popular e transa com ela. Zoado demais — é um estupro! —, mas… né, anos 1970.

    2. A questão não é o “tipo de piada”. Como já ensinava minha avó, quando o alvo da graça não ri, a piada não é engraçada. Tipo chutar menino preto e chamá-lo de “macaco”, como se fazia no país na década de 1980, ou dizer que mulher feia pode ficar sossegada e não ter medo de estupro.

      O que mais me impressiona é como você sempre acha que isso tem a ver com “o grupo no poder”, quando na verdade é uma questão de 1. Constituição, 2. Código Penal, 3. Direitos Civis, e 4. evolução da sociedade.

      Há séculos era engraçado ver um judeu ser posto na roda de pregos e jogado colina abaixo, ou uma criança com síndrome de Down viver numa jaula e exposta como atração de circo vestida da palhaço. Ainda bem que hoje isso deixou de ser engraçado – pelo menos, eu ACHO que deixou, porque né, um saco esses “limites do humor” e essa “censura politicamente correta”.

      (E gostaria de lembrar que “liberdade de expressão” se aplica somente em relação ao Estado, ou seja, a máquina estatal em todas as suas esferas não pode processar alguém que fale SOBRE ELA. O conceito – nem aqui nem nos EUA, explicitado na Primeira e na Décima Quarta emendas – não alcança a esfera do que não é estatal. Qualquer um pode e deve levar processo quando faz “piada” com a doença grave de uma criança.)

      1. Então se o alvo da Piada for o Bolsonaro e ele vier a público dizer que a piada o machuca, a piada perde a graça?
        Quando fizeram aquele absurdo de perseguição, por parte de evangélicos e conservadores contra o Porta dos Fundos (que eu acho mais sem graça que uma fratura exposta), por fazerem piadas envolvendo Jesus ou da exposição do cara pelado, muita gente que achou um absurdo, agora tá defendendo a censura em relação a piadas, coisa que nem a ditadura militar fazia.
        E outra dúvida….se algumas pessoas do grupo “alvo” das piadas achar graça, mesmo assim, as mesmas devem ser banidas?

        1. Não a toa é uma linha tênue.

          Rir do salnorabo é de lei, até porque o que ele mais foi fazer é rir sobre cadaveres.

          Piadas sobre religião é uma das linhas tênues. Boa parte das piadas geralmente atacam a hipocrisia religiosa, mas como não vi a esquete do Porta dos Fundos pois não sou fã deles – sempre os achei estúpidos – então não posso falar do filme.

          Mas lembrando também que tem leis de combate a intolerância religiosa. Se uma piada ataca uma religião, há chance da mesma cair na lei.

          É como posto pela Julia, se o alvo da piada não ri, a piada acabou ali. Não adianta bullying ou ataques se o alvo já se aquietou ou arrependeu. A piada – se serviu como ridicularização – já fez seu trabalho de punir.

          (exceção: rir do salnorabo para tudo que ocorrer contra ele. esse merece todo o escárnio possível).

          1. “É como posto pela Julia, se o alvo da piada não ri, a piada acabou ali.” Então, isso não é absoluto, já que tem pessoas e grupos que podem ser alvo de piadas, mesmo que não riam. E ai, quem decide isso?

            “as pessoas não concordam que grupos religiosos queiram impor suas crenças pessoais ao outros” Ao defender censura, está agindo, no cerne, da mesma forma.

            Me assusta demais o pensamento totalitário que vejo em uma parte das pessoas, parecendo que buscam o mundo orwelliano de 1984.

        2. Se o alvo da piada for o Bolsonaro ele tem o CP e o CPP, além do CV e seu respectivo CPC para usar num processo penal e cível. E nem de longe está no mesmo nível fazer piada com Bolsonaro (uma pessoa) e usar minorias marginalizadas, brutalizadas, expoliadas e exploradas como material para fazer graça.

          Quanto aos “absurdo de perseguição, por parte de evangélicos e conservadores contra o Porta dos Fundos por fazerem piadas envolvendo Jesus” ou da “exposição do cara pelado” (adorei esse resumo completamente desconectado da realidade), as pessoas não concordam que grupos religiosos queiram impor suas crenças pessoais ao outros, independentemente de a questão ser sobre uma piada ou uma política de saúde pública.

        3. Me assusta demais você não ter entendido a obra de George Orwell e o contexto em que ela foi escrita, pra comparar a evolução de uma sociedade que não mais admite que minorias sejam, além e depois de tudo, alvo de escárnio e humilhação, com um mundo distópico.

          1. Mas aí, no caso, levando isso ao pé da letra, qualquer piada pode ser entendida pro alvo como escárnio e humilhação, logo a única forma de resolver isso é proibindo o humor e coibir qualquer piada ou gracejo.

            Além disso, quem decide o que e quem são minorias? Pra mim, isso entra numa seara totalitária demais.

          2. “Mas aí, no caso, levando isso ao pé da letra, qualquer piada pode ser entendida pro alvo como escárnio e humilhação, logo a única forma de resolver isso é proibindo o humor e coibir qualquer piada ou gracejo.
            Além disso, quem decide o que e quem são minorias? Pra mim, isso entra numa seara totalitária demais.”

            Deixo aqui o meu “Misericórdia”, desejando sorte e sucesso a quem quiser rebater os argumentos acima (ganhará minha admiração eterna).

          3. Sério. Tá faltando o básico de um monte de coisas: cultura geral, história das civilizações, sociologia, filosofia, leitura analítica e crítica, rudimentos de ciência política e econômica etc. Não dá, não, desculpe. Perguntar “quem decide o que e quem são minorias” atingiu o meu limite.

          4. @ Alexandre Faustini

            Minorias são grupos marginalizados na sociedade. De fato, não existe um conceito muito objetivo para isso, embora a maioria dos casos não deixe muita margem para dúvidas — se pensarmos em grupos como indígenas, pessoas pretas e mulheres, seria mais difícil provar que eles não têm desvantagens do que o contrário.

            Em alguns casos, existem leis específicas e leis que, por tabela, definem grupos minoritários. (Alguns preferem o termo “minorizados”, porque nem sempre esses grupos são numericamente inferiores.)

            Importante não extrapolar injustiças ou equívocos a um indivíduo e achar que se tratam de minorias. Por isso é meio zoado, inadequado, falar em “racismo contra branco”, ou “ódio contra ricos“ — esses perfis são dominantes e não sofrem, regra geral, por serem quem são.

            Deve ter vários conteúdos explicando isso. Dei uma olhada rápida aqui e este me pareceu uma boa introdução.

            E, claro, em se tratando de algo subjetivo, sempre há margem para discordâncias, ainda que a maioria dessas discordâncias seja pretexto para o exercício de preconceitos e o reforço de estigmatizações que geram minorias/grupos minorizados. No Manual, a gente parte da premissa de que minorias existem e que são consenso.

          5. @Ghedin, eu sei que existem minorias, o lance é o fato de quem vai decidir o que posso falar e de quem. Isso eu acho muito complicado, e que vai gerar jurisprudência que pode ser nefasta pra quem tá aplaudindo isso agora.

            Além disso, se gente que faz parte de uma minoria que tá sendo objeto da piada achar graça, ela tem que ser proibida de ouvir a mesma? Minha esposa é negra e uma coisa que revolta a ela, é quando querem vir com esse paternalismo de decidirem por ela o que ela pode e o que ela não pode.

            Também tem o fato de toda e qualquer piada ter uma “vítima” e ser IMPOSSÍVEL de fazer humor sem a possibilidade de afetar ninguém. Logo, pela lógica, a única solução proposta é proibir e criminalizar o humor e a criação de piadas.

            E tem minoria que mta gente do bem aceita que se faça deboche e até um leve preconceito, como os evangélicos.

            Pelo visto, o único alvo de humor permitido seria o homem branco heterossexual rico e cis.

            Eu lembro de tempos idos, a mais ou menos 25 anos atrás, uma banda de música rock, chamada Planet Hemp, foi presa por incitar crime (consumo de diamba). Só que na época, entre a grande maioria não reaça, todo mundo foi contra usando justamente a liberdade de expressão. Quem diria que regredimos tanto no século XXI.

          6. @ Alexandre Faustini

            Um filtro muito bom — que eu uso, pelo menos — para navegar nesse mar de “será que estou sendo engraçado ou preconceituoso?” é definir se o objeto da piada é uma característica inerente à pessoa ou não. Etnia (cor da pele), orientação sexual, gênero e nacionalidade, por exemplo, são aspectos inerentes à pessoa, ou seja, que ela não escolhe ter e que não são modificáveis. Brincar com isso é zoado, seja crime ou não.

            Você pode fazer piada com essas características inerentes com alguém que ache graça também, como sua esposa. Lei penal alguma “proíbe” as pessoas de fazerem qualquer coisa, até porque isso é impossível. O problema é que você corre o risco de arcar com as consequência. Achava que o crime de racismo era de ação penal privada, ou seja, quando o(a) ofendido(a) precisa fazer a queixa-crime (“fazer o BO”), mas descobri hoje, pesquisando aqui, que é pública, ou seja, independe da vontade da vítima. Talvez seja uma boa fazer piadas com ela em locais privados.

            No mesmo sentido, ser a favor da descriminalização de uma conduta hoje tipificada como crime não é, a princípio, crime. Nos anos 1990, quando o Planet Hemp se envolveu naquela polêmica, muita gente ficou do lado deles por achar que o consumo de maconha não deveria ser crime. (Acho que nem é mais, né?) Você, no mesmo sentido, poderia argumentar que fazer piadas racistas não deveria ser crime, mas… né, boa sorte com isso.

          7. @Ghedin

            Na decisão judicial está proibindo conteúdos em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes e mulheres. Sinceramente, se você cavucar, ainda mais no direito freestyle que impera no Brasil, você consegue, com isso virando jurisprudência proibir qualquer piada ou conteúdo humoristico.
            Vai ser tipo isso https://www.youtube.com/watch?v=ylAOB3V3fAQ

            Não faço piadas e não acho graça de piadas racistas. Tá subentendendo isso só por ter citado a etnia de minha esposa em relação a outra coisa?

            O lance do Planet Hemp acompanhei muito de perto. Sou muito fã. Pouca gente defendeu eles por questão de não achar consumo de maconha crime (continua sendo). O lance maior foi a liberdade de expressão mesmo.

            “Os artistas do Planet Hemp estão presos por expressarem sua opinião através de suas músicas. Já vimos esse enredo antes. E, como antes, não vamos ficar calados diante desta agressão à liberdade. O coro da censura e da repressão desafina com as aspirações de democracia e de liberdade” (Manifesto de vários artistas a época da prisao).

            “Somos pessoas honestas e vamos agir dentro da lei. Sabemos que as drogas fazem mal e não fazemos apologia ao uso. Esperamos ter contribuído para o debate, não apenas da legalização da maconha, mas também sobre a liberdade de expressão”. (D2 assim que foi solto)

          8. @ Alexandre Faustini

            Concordo que a sentença é ruim. A determinação da Justiça, de que o humorista está proibido de dizer isso ou aquilo, parece descabida. Parece-me, à primeira vista, uma espécie de censura. O que não quer dizer, nem de longe, que o humorista agiu corretamente ou que seja inocente — o erro, se houve, foi no remédio, não no diagnóstico.

            Quanto ao Planet Hemp, é um tema tabu ainda hoje. O Brasil é carola e boa parte da população demoniza umas coisas que não dá para entender, tipo o uso recreativo (e até medicinal, o que é ainda mais intrigante) de maconha.

          9. Sobre a questão da maconha meio que explico: acho que é o estereótipo de “maconheiro”, aquela imagem da pessoa que algumas pessoas -as que são postas como “carolas” aqui – veem como “perigosas”, ou “descoladas”.

            Fora também que todo dia vemos notícias sobre morte relativas a tráfico de drogas, então fica muito na mente a associação de violência com a venda de drogas.

            Quando o Tarcísio apoiou a liberação de uso do Canabidiol em São Paulo, achei interessante pois outrora um cara que foi imagem dos tais “carolas” (e posto na política por estes) acabou tomando uma decisão que a estes seria ousado.

            Do uso recreativo, penso que a gente fala muito da liberação, e também ignora um fato: existe uma lei de proibição de fumo em locais abertos ao públicos, ou em ambientes fechados públicos e privados. Se talvez esta lei não tivesse em vigor, pode ser que seria um fator que aceleraria um aceite maior do uso da maconha (dado que o uso “recreativo” seria geralmente em fumo). Mas bem, sou também adepto de uma regulação do uso de drogas – ao mesmo tempo que exista a permissão, seja de maconha ou drogas leves; também exista uma espécie de “incentivo ao fomento da prevenção de uso”. Ou seja, se a pessoa por exemplo trabalha com uma tabacaria, que cria-se um mecanismo para gerar uma taxa para pagar serviços públicos de prevenção, cuidado e recuperação de dependência.

            E voltando ao tema, um tema também que tem muito estereótipo é justamente do uso de drogas também. Tem um filme que meio que entra neste meio, acho que é Cheech e Chong, no que usam e abusam de piadas sobre maconha.

          10. Repito que a defesa que o Planet Hemp recebia caia muito mais no lance de liberdade de expressão do que na criminalização ou não da diamba.

          11. @ Alexandre Faustini entendo seu ponto mas não consigo disvincular a liberdade de expressão com a forma com que essa liberdade esteja sendo usada.

            Uma coisa é defender liberdade de expressão em letra de música que incentiva a discriminalização ou uso da maconha. Outra coisa seria defender que a mesma liberdade de expressão deveria ter a letra de música “Lôraburra” do Gabriel Pensador ou “Nega do cabelo duro” do Luiz Caldas.

            Se defendermos isso, volto a provacação que fiz ao criar esse post. Por ser uma música deve existir imunidade para cometer crimes?

            Uma letra que incentiva o racismo, misoginia, pedofelia, xenofobia, etc, deveria ser permitada e tolerada em favor da liberdade de expressão que o Planet Hemp deveria ter em relação a letra da maconha?

          12. @Quandt Loraburra é mais uma crítica a futilidade de algumas mulheres (tal como retrato de um playboy faz com os homens). “O Pensador dá valor às mulheres/Mas não vocês/Vocês são o mais puro retrato da falsidade/Desculpa amor/Mas eu prefiro mulher de verdade/É o problema não tá no cabelo/Tá na cabeca/Não se esqueça”

            “Uma letra que incentiva o racismo, misoginia, pedofelia, xenofobia, etc, deveria ser permitada e tolerada em favor da liberdade de expressão que o Planet Hemp deveria ter em relação a letra da maconha?” Dependendo da régua, ambas devem ser proibidas, pois ambas incentivam condutas criminosas.

    3. Olha, dá pra fazer piada em cima dessa linha tênue que o Ligeiro falou, e provavelmente não será crime. Agora se vai ser de mau gosto ou se vai ser ofensivo, são outras questões que dá pra discutir.

      Eu tenho visto alguns reels no Instagram, especialmente de influenciadores negros, fazendo piada com a cor da própria pele (não quero dizer que eles estão corretos por causa disso). Imagino que tenha no TikTok também, muitos desses conteúdos são regravados com a exata mesma piada.

      Os vídeos envolvem a pessoa reagindo negativamente a uma frase se referindo a ele como “preto”, mas aí depois ele vê que era uma vírgula faltando ou que a frase não estava completa, e depois reage positivamente. Inclusive, há versões desses vídeos em inglês, onde a palavra equivalente é bem mais estigmatizada. Tem outros exemplos, mas acho que só com esse dá pra entender o teor. O que vocês acham?

      Na minha opinião, esses vídeos chegam a ser crime (posso estar errado, porém), mas com certeza nem todo mundo vai gostar. É tipo piada que envolve autodepreciação (especialmente quando a pessoa é minoria) ou falar de um assunto espinhoso/polêmico. Tem que saber fazer a piada sem envolver um preconceito ou uma ofensa gratuita.

      1. Veja se isso ajuda você a entender.

        “Bestselling author Ta-Nehisi Coates answers an audience question about the power and ownership of words at the Family Action Network event with Evanston Township High School while on tour for his newest book, WE WERE EIGHT YEARS IN POWER.”

        https://youtu.be/QO15S3WC9pg

    4. Olha, não cometer crime para contar a piada é um bom parâmetro inicial. Racismo é crime, logo…

      Mas supondo que fosse o contrário e no humor “tudo seria permitido”. Eu poderia matar alguém e alegar que “foi só uma piada, o mundo tá chato demais, credo”?

  5. O Fábio Porchat saiu em defesa do Léo Lins (e foi bastante criticado por isso) com o argumento de que “se não gosta, não consuma” (link). O que me deixou surpreso, pois tinha a impressão que o Porchat não se prestaria a esse tipo de coisa (se bem que o Porchat já fez parceria com o Danilo Gentili em um filme, então pensando melhor não devia ser surpresa).

    Esse argumento (“se não gosta, não consuma”) é bastante comum para essa galera que faz esse tipo de “humor”. O próprio Léo Lins repete isso a esmo toda vez que ele cai nesse tipo de polêmica (ou quando comenta polêmicas dos outros).

    E de certa forma, isso faz sentido: só quem consome esse tipo de conteúdo – os shows ou os vídeos – é quem realmente se diverte. Tanto é que o vídeo que foi retirado do ar foi publicado ano passado, mas só veio à tona agora em Maio de 2023.

    Só que, parando pra pensar, essa fala, “se não gosta, não consuma”, quer dizer o quê? Se quem consome, é por que gosta, significa que o público não vê nada de errado. Na prática, é como se eles estivessem dizendo: “Olha, a gente não tá comentendo nenhum crime, pois tem um público que nos assiste e que aprova nossas piadas. Errado é quem vê crime no nosso conteúdo e vai denunciar o que a gente falou.”

    E como eles realmente tem um público que os acompanham, isso diz um pouco sobre a nossa sociedade e como questões como racismo e desrespeito à minorias ainda não são levadas a sério.

    1. “Se não gosta, não consuma” e a posição de “Olha, a gente não tá comentendo nenhum crime, pois tem um público que nos assiste e que aprova nossas piadas. Errado é quem vê crime no nosso conteúdo e vai denunciar o que a gente falou” se aplica a qualquer coisa, de saraus frequentados pelo povo masculinista a uma reunião com jovens neonazistas ou a um encontro nacional da kkk. Com certeza nesses lugares o “público que nos assiste” vai “aprovar nossas piadas” sobre pretos, judeus, gays, mulheres assediadas etc.

      Então né, Fábio Porchat perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado.

      1. Pois é. Com essa história de “liberdade de expressão irrestrita”, a gente começa com “É só uma piada, óbvio que ninguém leva a sério, se não gosta não consuma”, e daqui a pouco chegamos a “É só um partido/candidato nazista, óbvio que eles nunca vão chegar ao poder, se não gosta não vote neles”. Mas é na prática, no mundo real que a gente vê o resultado disso na sociedade. Acaba que sempre alguém vai levar uma “piada” (ou ideologia) a cabo, e vai ter tantos outros pra defender ou minimizar.

      1. E caramba! Esqueci que ano passado Chris Rock apanhou ao vivo do Will Smith! E o pobre do Smith ainda sofreu uma devassa depois da situação. :\

        (E o Chris Rock ainda debochou um ano depois da situação).

  6. Sou da ideia que seria ideal pegar todo humorista e jogar eles em um curso de direitos humanos pelo Silvio Lual (e aproveitam botam a bicicleta zoada no meio deles).

    Falando sério também, toda liberdade tem limite. A gente compara quanto ao Estados Unidos e ignora o caso que a Gawker meio que faliu porque foi falar de um cara (não me lembro se foi abuso da Gawker ou não) e tomou processo que tirou as calças do dono da empresa. Posso estar falando besteira mas por lá a justiça depende de quanto dinheiro você tem e quantos – e quais – advogados também.

    Voltando ao Brasil e botando a comparação com os parlamentares, um dos maiores problemas de fato é a tal “imunidade parlamentar”. Só que aí me lembro que 2022 Janones se destacou por literalmente usar a mesma moeda e ser atacado até por gente legalista (e pela justiça), enquanto que a turma do salnorabo só ficou falando besteira 24/7, e a justiça demorava a reagir. Só nos últimos tempos alguns políticos tiveram processos perdidos – Alexandre Frota pediu falência, tem uma renca em vários bolsonaristas (não vou mencionar nomes para não dar ratio), tem uma lista aí.

    De qualquer forma, o humorismo no Brasil já estava com estes problemas desde o começo da vinda do stand-up (e do CQC – sim, os culpo e continuarei culpando) e já vem com alguns processos. Ganilo Dentili que o diga já que ele deve ter uma renca de processo, além do emblemático comparativo estúpido em uma piada ao vivo do Rafinha Bastos que custou a cadeira do programa que ele participava e um processo bem longo.

    1. Vale lembrar que a “imunidade parlamentar”, na verdade, não deixa o parlamentar imune, como se imagina. Ela cobre apenas o período do exercício do cargo, e quando acontece enquanto a criatura “está” parlamentar, a denúncia é enviada ao STF (a imunidade processual), por causa do foto privilegiado. Há exceção da imunidade material, já que sua excelência pode ser presa caso haja flagrante de crime inafiançável (como racismo).

      No caso de crime antes da eleição, o processo para durante o mandato mas, se não for reeleito, ele volta a andar.

      Obviamente, a casa legislativa apita durante o processo, e o que é preciso é a cobertura da aprovação da PEC 3/21 sair do marasmo e as pessoas acordarem para o que está sendo chamada de “PEC da Impunidade”, porque coloca suas excelências, em muitos casos, acima da lei.

      1. Obrigado pela aula, Julia! Eu sabia do flagrante mas não sabia dos demais detalhes. Ótimo aprender isso!

        (Ainda te devo uma, viu? E agora mais esta aula! Me cobra! :D )

  7. Os caras enchem a cara de discurso norte-americano e não aceitam a realidade do Brasil. Só ver o bicicleta que vive falando essas abobrinhas de liberdade de expressão sem limites

  8. Como o João disse, isso é coisa de norte-americano. As exceções punitivas no Brasil são previstas em lei — a legítima defesa, por exemplo. E não é que a pessoa não comete crime; o que a lei prevê é a extinção da punição.

    1. E até no caso da legítima defesa ela é questionada e existe a punição para o crime cometido em nome dela: não se pode usar como defesa a um empurrão 14 tiros no meio da cara.

      1. Sim, são exceções que precisam ser analisadas caso a caso. No da legítima defesa, a resposta precisa ser proporcional à ameaça.

        Escrevi ali em cima que a lei prevê “extinção da punição”, mas na real é exclusão da ilicitude. Aos curiosos, esse tema está previsto nos artigos 23, 24 e 25 do Código Penal.

        1. E que, graças aos céus, não passou como default para policiais no malfadado pacote anticrime.

      2. isso me lembrou a notícia que vi semana passada, em que um homem tenta roubar a casa de outro, mas é pego no flagra e vai embora, sem levar nada, o que teve a casa invadida entrou no carro e foi atrás dele, daí o perseguiu e atropelou e foi indiciado por um crime, o que a galera falava o quanto estava errado dele ser considerado culpado…

        1. E o caso do cara que atropelou um suspeito de furto e ainda fez um comentário raivoso político.

          Eu tenho horas que entendo que o punitivismo é uma cultura difícil de ser combatida – até porque eu mesmo tem horas que sou punitivista.

          Só que isso é o resultado de ao invés de incentivar uma cultura cooperativa, se incentivou uma cultura individualista.

          (Só que mesmo em culturas que se dizem cooperativos, existe atitudes punitivistas. Vide um caso de dias atrás no fediverso brasileiro…)

  9. Não existe isso, só virou moda porque os americanos têm esse conceito deturpado de liberdade de expressão e os brasileiros adoram importar as sandices deles

    1. Realmente, aqui mta gente passa fome e não tem saneamento básico em casa, mas pessoal prefere esquentar a cabeça com pautas identitárias chupinhadas da new left americana.

      1. A beleza da coisa é que dá pra fazer os dois. Principalmente porque geralmente quem passa fome e não tem saneamento básico é justamente quem mais sofre com a falta de soluções para pautas identitárias.

        1. Dá até dá, mas falta braço para isso tudo, devido a enormidade dos problemas estruturais.
          E isso também não é exclusividade da esquerda. A direita também tá no mesmíssimo caminho. Ao invés de se preocupar com a educação básica andando pra trás nos últimos 20, 25 anos atrás, prefere esquentar a cabeça com qq citação a não heterossexualidade.
          O debate político andou pra trás nos últimos 10 anos. É muito mais fácil ir pelo caminho que tá sendo feito agora. Defender pronome neutro ou os valores ditos cristãos é uma ótima forma de demonstrar virtude pra respectiva panelinha, com pouco esforço. Pra mim é um dos maiores malefícios gerados pelas redes sociais.
          PS: A maior refração a pautas identitárias é justamente entre mais pobres do que entre mais ricos. Tem muitos estudiosos de ciência política que bota justamente nisso a culpa da queda de apelo popular da esquerda entre o povo mais humilde. E a eleição do Lula não foi uma vitória da esquerda e sim um voto contra o Bolsonaro.

      2. Sigo a Julia. Entendo que é possível fazer os dois, até porque pautas sobre “liberdade de fazer algo” são simples e fáceis, só uma canetada. Além da necessidade óbvia de mudanças culturais – mudar a lei ajuda a dar a certeza que um policial não vai usar a droga como desculpa para ir numa favela descarregar sua raiva devido ao preconceito enrustido (ou que vá cobrar propina… uai, como vai cobrar propina se não tem mais lei criminalizando aquilo? :p )

        Saneamento básico, alimentação e demais relativas depende do ciclo de incentivos do governo (ou da sociedade). Enquanto ainda permitimos compra de votos e corrupção política, sempre vai haver menos espaço para corrigir problemas sociais de infraestrutura.

        Até porque quando menos espera, a gente descobre que um ex-presidente é ligado ao jogo do bicho, que uma prefeitura contratou uma empresa de engenharia baseada em um dono ligado ao jogo do bicho… :p