As peças da Insider duram muito. As promoções de Black Friday, não. Cupom MANUALDOUSUARIO

Fotos geradas por IA podem ser arte?

Na exposição Indomináveis Presenças, em exibição Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, até 30 de junho, são exibidas obras da artista Mayara Ferrão. Feitas com inteligência artificial generativa, elas emulam fotografias antigas a fim de “ressignificar o passado”: mulheres indígenas e escravizadas se beijando (exemplo), cenas que provavelmente ocorriam, mas de que não se tem registros por motivos óbvios.

O perfil do CCBB carioca no Instagram está batendo boca com alguns seguidores indignados com a promoção da arte criada com o auxílio da IA. Até em temas profundos, ainda sem respostas de quem vive de encontrar essas respostas (filósofos, no geral), o @ccbbrj está se posicionando:

IA é uma ferramenta que responde a comandos. A autoria é de quem teve a consciência estética pra criar um novo projeto.

Será que é?

Em outro comentário mais abaixo, a argumentação segue controversa, mas melhora. Fica mais pé no chão, mais defensável:

Sim, a inteligência artificial é uma ferramenta usada em muitas atividades. A artista fez um trabalho belo, representativo e investigativo até chegar nessas criações.

(Ainda hoje, em 2025, me é estranho comentar a “opinião” de uma marca que se manifesta em redes sociais como se fosse uma pessoa. Acho que isso me incomoda mais do que retratos inventados por IA.)

Em rincões progressistas da internet, como neste neste fórum no Reddit, o tom negativo impera. A ojeriza parece maior pelo fato da exposição — que conta com outros 15 artistas além de Mayara, muitos (todos?) sem usar inteligência artificial — ser uma realização do Ministério da Cultura.

Do outro lado do espectro político, o pessoal conservador parece mais receptivo à tecnologia. Que coisa.

***

É difícil debater a questão sem entrar no mérito artístico da obra (não tenho capacidade de debater e acho uma questão tangencial) ou suscitar o famigerado debate “o que é arte?”

Outras perguntas que ajudam a refletir: se em vez de IA, a artista tivesse usado… sei lá, o Blender para criar as imagens super realistas, aí seria arte? Ou se ela contasse com a ajuda de atrizes para encenarem tais momentos e tirasse fotos convencionais? Se a “arte” tem finalidade pragmática, como o anúncio da prefeitura de Ulianópolis (PA), aí tudo bem?

Mais: foto digital é arte? O faz-de-conta com ares de registro histórico descredibiliza o caráter artístico do resultado? Se sim, filmes ficcionais de época deveriam ser descartados?

Vi as fotos geradas por IA da Mayara domingo (1º) de manhã e passei os dias seguintes refletindo. Não me incomodei com elas. Pode-se questionar um bocado de coisas ali — a (suposta) falta de esforço, a propriedade intelectual das imagens usadas para treinar a IA, até a estética e o que o trabalho representa. O mérito artístico? Isso, acho que não. Ao menos, não topei com argumentos que justifiquem invalidá-las enquanto arte, seja qual for a definição de “arte” usada.

Se a história nos serve de parâmetro, arrisco dizer que o pessoal indignado com o trampo da Mayara vai precisar de muito chá de maracujá. O que vimos até agora é só a ponta do aicebergue da arte feita com IA. A situação é similar à da turma do “fotografia não é arte” no início do século XX, do “computadores não fazem arte” no final do mesmo século e outros grupos de oposição a novas técnicas de produção artística.

Aceitar a arte feita por IA não é fatalismo nem determinismo. É só que brigar com quem faz esse uso é, no fim das contas, um gasto de energia mal direcionado. Temos problemas maiores com que nos preocuparmos.

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41 comentários

  1. Agradeço pelo que foi compartilhado pelos colegas e pelo Ghedin ter trazido a reflexão. Sei pouco sobre Arte, o debate aqui me fez pensar e pude aprender bastante com as mensagens de vocês.

    Mais de um colega daqui disse que IA/LLMs não seria uma ferramenta e sim um dispositivo. Em busca de entender isso, encontrei uma postagem interessante no site da Sheila Rocha, que eu não conhecia. Caso queiram saber mais:

    https://sherocha.com/2025/02/08/ia-nao-e-ferramenta-e-dispositivo/

    Curiosamente, após encontrar o texto, vi que ela elaborou com base numa entrevista dada ao Nexo Jornal pela Giselle Beiguelman, que eu só sabia quem era por ter lido antes a indicação nesta postagem do Órbita e procurado saber quem era.

  2. Pessoalmente acho que o debate tem várias camadas/questões diferentes (que inclusive surgiram nos comentários) e separá-los pode ser mais produtivo. Eis algumas questões que surgiram nos comentários (até o momento em que escrevo este) e minha humilde opinião:

    • É fotografia algo feito por IA? Parece que estritamente falando não. São imagens geradas por IA. E isto está na divulgação da obra.
    • É arte? Sou de exatas! Mas lembrando das minhas aulas de artes do ensino médio. Se nos provoca ou nos emociona ou nos tira do indiferente, então, sim é Arte! Eu fui à exposição Ancestral: Afro-América (CCBB/RJ) em que tem algumas imagens geradas por IA, da mesma artista, e me emocionou e comoveu! Se é uma arte que você não aprecia por questões não artísticas já é outra conversa…
    • E, finalmente, a questão de fundo que tem provocado os comentários mais “incisivos”. As IAs/LLMs são, enquanto tecnologia, intrinsecamente ruins? A tecnologia não. O modelo de negócios das bigtechs que tem popularizado a tecnologia sim!

    Então temos motivos para “satanizar a obra e a artista”? Pessoalmente, acredito que não! Parafraseando a resposta de uma personagem da série Jericó, quando uma criança perguntava se alguém era bom ou ruim: Não existe pessoas/artistas/artes boas ou ruins! Existem contextos!

    No caso, a artista é uma profunda pesquisadora não só da temática das ilustrações mas também uma artista que transita por várias ferramentas e estéticas! A IA foi apenas mais um espaço para a sua Arte invadir… ocupar espaços e meios a despeito dos puristas e fiscais do certo e errado no mundo!

    Meus dois centavos na conversa!

  3. Não entendo de onde está vindo a comparação de foto digital e analógica, filmes de época com roupas e hábitos que nada têm a ver com a época que retratam, com escrever um pedido para um programa entregar algo que te agrade.
    Nas fotos e nos filmes, existem ações humanas que tornam aquilo possível. Antes da foto surgir, é necessário alguém que saiba manipular a câmera, mas não apenas isto, deve saber utilizá-la, saber enquadrar ou os princípios por trás de uma boa foto e então clicar e capturar aquele momento. E se perder o momento, talvez nunca mais consiga capturá-lo. Na foto digital, os bits representam o acúmulo de ações, pensamentos, planejamentos. Até mesmo uma edição posterior implica em uma ação direcionada.
    O mesmo sobre os filmes de época, chamados pelo Ghedin de “O faz-de-conta com ares de registro histórico”, existem por conta de uma série de ações e decisões humanas, os figurinos, a lente a ser utilizada, a atuação. O fato de sua inexatidão não afasta o caráter de ser sétima arte.
    Para estes dois exemplos, a foto e o filme “faz-de-conta com ares de registro histórico”, o conhecimento humano importa, toda a ação é construída sobre os ombros de incontáveis gerações de pessoas que vieram antes, não nasceram num vácuo e o mais importante, tudo isto é utilizado, em maior ou menor grau, pela próxima geração de pessoas que criarão suas artes.
    Ademais, para além disso, existe uma expressão de cultura nisto tudo. Como eu falei antes, elas não existem em um vácuo, estão inseridas em um momento.
    E então entramos nos modelos de aprendizado de máquina, que não são inteligência artificial. A principal questão do meio artístico está no fato de que é necessário processar centenas de milhares de imagens para que estes modelos entreguem um resultado. Tudo isso objetivando o lucro, sem, porém, pedir autorização, compartilhar esse lucro. Eles não possuem um estilo, o estilo é o dos dados alimentados (é isto o que sobre de tudo o que é jogado lá). Por exemplo, se eu pintar um quadro exatamente igual ao Guernica, chamar de Guernico e disser que eu o pensei e pintei, serei considerado um plagiador, um salafrário, golpista, trambiqueiro e muito mais, porém os modelos não possuem este rigor, pelo o que trazem aqui.
    O cerne está no fato da suposta artista aparentemente ter apenas digitado um direcionamento e ficar apertando F5 até vir uma imagem que agradasse, coubesse na proposta imaginada. Não precisou aprender algo, não precisou compreender de onde vem, não precisou perceber que talvez aquela imagem gerada, na verdade, veio de uma foto que está em outra exposição e que a pessoa responsável nem possui ideia de que esta imagem foi utilizada para alimentar um programa com fins de lucro, e que ela não receberá qualquer mísero centavo disso.
    A questão é que temos empresas, utilizando informações massivas, conhecimento massivos, o suor, o sangue, as vidas, os sacrifícios de incontáveis pessoas, com o fim exclusivo de não precisarem mais delas, de obter o máximo lucro possível, de riscar a necessidade de controlar as paixões, os desejos, as influências e as criatividades humanas e apenas entregar algo mastigado, controlável, asséptico, vazio de humanidade.
    Estas imagens geradas são iguais ao Jesus feito de camarão, à aquelas imagens de facebook “esse senhor fez essa escultura maravilhosa e Jesus usando garrafas pets e ninguém curtiu”, elas negam a arte, a cultura e a humanidade que nos levou até aqui. Essa é a questão, nega-se o que veio antes, cortam-se os custos e no final fica o vazio de “veja o que eu pedi para esse programa fazer”.
    Agora, se vocês negarem enxergar as pessoas que vieram antes, as pessoas que vivem hoje deste ofício, e preferirem colocar um processamento maciço de dados como algo natural, inevitável e de igual importância, talvez vocês sejam tão frios e vazios quanto os techbros que dirigem e direcionam esta indústria, o que neste caso implicaria em uma bela hipocresia da parte de muitos ao criticarem as bigtechs, porque aqui haveria a negação da criativade humana de igual forma.

    1. Apenas um adendo, mas quanto ao comentário do Ghedin de que “Do outro lado do espectro político, o pessoal conservador parece mais receptivo à tecnologia.” é interessante pensar o quanto o pessoal conservador adora acabar com arte e cultura.
      Faz sentido eles abraçarem esta tecnologia, porque ela é vazia disto, uma vez que ela nega um ponto crucial, a diversidade existente na arte e na cultura, uma vez que, com o tempo, considerando a auto-alimentação dos modelos de aprendizado de máquina, a tendência é tudo ficar com uma mesma cara. Além, é claro, de que, assim como o grok passou a dizer que as pessoas de pele em tons mais brancos na África do Sul sofrem racismo, esses modelos servem muito bem para pintar e direcionar para algo conservador e não diverso, alimentando a ânsia destes conservadores em viver no seu paraíso infernal.

    2. Eurides, mais respeito com a artista, por favor. Não é uma “suposta” artista: ela já expôs esta mesma obra no Masp antes de participar da exposição do CCBB e é uma das mais importantes artistas brasileiras da nova geração.

      Aliás, é impressionante como uma mulher negra e periférica de Salvador tem recebido ataques bastante violentos nas redes sociais.

      Além disso, perceba que a obra dela só faz sentido por ter sido gerada por IA: o fundamento poético da obra está na superação dos vieses e preconceitos sedimentados nas bases de dados que alimentam esses dispositivos. Conseguir construir a representação desses afetos e desses relacionamentos em meio a estes preconceitos é justamente o cerne do procedimento artístico dessa obra — leia meu comentário abaixo.

      Eu tenho achado impressionante como as pessoas se metem a falar sobre o assunto sendo completamente ignorantes sobre arte.

      1. Para você ver, sequer sabia o tom de pele dela, mas você supôs o que quis supor. Desculpe quanto ao “suposta artista”, mas para além disto, nada focou, o que me é interessante. Parece o pessoal que fixa no erro de gramática e não fala sobre o restante.

        1. Eurides, por ter sido uma das mais recentes, sua postagem foi uma das últimas lidas por mim.

          Ela me aparentou ter sido elaborada sem que você tivesse lido as respostas anteriores às suas, tendo em vista que os argumentos levantados por você já haviam sido apresentados e debatidos. Em postagem seguinte, você acrescenta que não houve foco ao conteúdo da sua mensagem e questiona o Gabriel ter comentado sobre o seu erro anterior e nada sobre o restante dela.

          O debate nas mensagens anteriores foi muito elogiado e agregador, ao menos para mim. Sugiro a leitura do que os colegas já escreveram, pois até mesmo a apresentação da “suposta artista” a qual você disse que desconhecia, havia sido feita por aqui. O próprio Gabriel, a quem você cobrou maior foco, já havia elaborado bastante sobre o assunto e, inclusive, contra-argumentado sobre o que você escreveu em postagem do dia anterior.

  4. Imagens geladas por IA ordem ser consideradas arte. Não podem é ser consideradas fotos.

    Fotografia, analógica ou digital é a captura da luz refletida por uma cena real. Encenada ou não, uma cena real.

      1. Mas esse é um debate que também já rola há muito tempo na fotografia, sobre o que seria uma foto. Há estudiosos que defendem que um print de tela também é um tipo de foto, por exemplo. Vai muito da linha teórica que cada estudioso segue.

  5. Não sei dizer se são arte ou não, mas tenho certeza de que não são fotos. São imagens.

    Prefiro reservar o uso da palavra “foto” apenas para as que são capturadas através de uma câmera apontada para o mundo real.

  6. O processo de criação de uma imagem no Blender, ou na fotografia, ou na pintura são totalmente diferentes de um feito com IA, pois envolvem técnica, teoria, memória muscular, experimentação e decisões subjetivas e subjetivas. A IA só ajusta weights e biases de acordo com um match de texto, não tem nada de artístico nisso.

    E enquanto as bases de treinamento não forem construídas sem usar de forma não consensual trabalho de outros artistas isso nem devia ser considerado

  7. Gostei das imagens da Mayara, e concordo com o Ghedin no ponto de que o perigo maior da IA esteja na “reescritura” da realidade. As imagens dela me fizeram sentir algo, e por isso considero que são arte, ao contrário das fotos de perfil em estilo de Ghibli e dessas charges horrendas que estão surgindo no LinkedIn e Instagram. E o motivo é que a Mayara já era uma artista antes da IA, ela já criava imagens de outras formas, conhecia os básicos da técnica, pensava processos criativos. A maioria das imagens geradas por IA são horrendas, justamente pois são criadas por pessoas sem a mínima experiência no estilo visual que eles estão emulando. Elas não entendem o básico da técnica para saber o que faz uma boa obra. É o paradoxo do nerd que nunca teve paciência de fazer uma aula de desenho na vida e se acha um grande desenhista por pedir para que o MidJourney crie uma ilustração em um estilo genérico qualquer. E no mais, o debate sobre “o que é arte” é tão velho quanto a arte, e não é a primeira vez que vemos uma exposição causar polêmica por conta disso no Brasil.

    1. E o motivo é que a Mayara já era uma artista antes da IA, ela já criava imagens de outras formas, conhecia os básicos da técnica, pensava processos criativos.

      Esse trecho do seu comentário me levou a um paralelo com a programação. Ninguém questiona o programador que usa o Claude ou o Cursor para facilitar/enriquecer seu trabalho, né? Continua sendo programador/desenvolvedor. Se “code is poetry”, como dizia o negligenciado slogan do WordPress, o uso de IA para gerar código não deveria ser um… problema?

      O paralelo persiste no sentido de que IAs são muito poderosas para programar, mas dependem da revisão e do direcionamento de escopo de alguém que sabe o mínimo do que está acontecendo. “Vibe coding” só funciona se o ser humaninho atrás do teclado tem alguma noção do “coding”.

      1. Ninguém questiona o programador que usa o Claude ou o Cursor para facilitar/enriquecer seu trabalho, né? Continua sendo programador/desenvolvedor.

        O que…? Muitos questionam. Uma passada no hackernews em alguns dias e vc vê posts e discussões sobre isso.

        E de qualquer forma, discordo que esse paralelo funciona. Posso estar muito enviesado para as atividades do meu dia a dia, mas vibe coding funciona muito pouco que não seja copiar códigos famosos do stack overflow ou github. A não ser que vc considere ficar brigando por horas afim com um “co-piloto” sobre coisas básicas que ele está errando funcionar.

  8. Arte é uma construção social, é social o entendimento do que é, ou não, arte. A IA entrou no imaginário social, como algo real e que está no dia a dia de quem quiser, recentemente – E a construção social de arte está sendo alterada, conforme nosso uso e uso socialmente aceito, de IA, vai alterando a consciência coletiva. Enquanto isso, ficamos travados em mais uma guerra cultural

    A IA é uma ferramenta, com muito potencial ainda para se realizar. Ferramentas, por si só, podem ser consideradas neutras, mas o seu uso certamente não é, e a IA está sendo usada, dentro do contexto do conflito de classes, e com isso, muitas pessoas associam a ferramenta a seu uso dentro desse conflito, então o problema deixa de ser as contradições entre as classes sociais e vira o uso de uma ferramenta. Estou no processo de escrever um post no meu blog justamente sobre isso

    Essa semana estou montando um setup para rodar ai generativa no meu computador pessoal, e é um trabalho complicado, que requer hardware bom. No entanto, eu não me chamaria de artista, não por gerar uma foto com o flux, mas pode ser justamente que minha geração cresceu sem a AI na construção da definição de arte. Sei lá, de qualquer jeito, o CCBB está certo em provocar essa discussão, assim como aquela banana presa na parede, o incomodo é um sinal do acerto que a decisão foi

  9. Sem entrar no mérito da obra específica, quero observar que esse lance de “é uma ferramenta” torna abstrata uma discussão concreta. Ferramenta não é um “papel” que existe no vácuo, é algo histórico, se relaciona com o passado, presente e futuro e com a cultura. Argumentar que IA é uma ferramenta é quase ontologizar a discussão, retirar ela do nosso mundo e do nosso tempo. Além disso, já que estamos no campo das frases prontas: “se tudo é arte, nada é arte”.

    1. IA não é ferramenta, é dispositivo e não é nada neutro. A obra da Mayara Ferrão lida justamente com isto: ela desafia os preconceitos de gênero, raça e classe impregnados nas bases de dados que alimentam essas IAs.

      E sobre a frase pronta: ela está equivocada. Mais preciso seria dizer o seguinte: qualquer coisa pode ser arte se o mundo da arte afirmar que é, mas nada é arte a priori.

  10. gente, eu sinceramente peço perdão pela minha rabugice, mas eu fico realmente incomodado quando leio comentários tão problemáticos sobre arte como aqueles que estão sendo feitos aqui nesta seção. Sinto que é uma espécie de negacionismo ou de terraplanismo para os quais ninguém liga, como se fosse um mundo no qual todo achismo fosse válido — o que não quer dizer que as pessoas não tenham direito a pensarem o que quiserem, mas elas também podem pensar o que querem sobre vacinas e nem por isto elas estão certas sobre o assunto, seja de um ponto de vista técnico ou mesmo político.

    certas platitudes sobre o mundo da arte são difíceis de engolir porque elas já foram superadas pela teoria e história da arte há décadas: coisas como “arte é expressão da alma”, “arte promove experiências estéticas”, “arte é uma forma de expressão”, etc.

    arte é aquilo que o mundo da arte acolhe como arte e pode ser virtualmente qualquer coisa. Há certamente protocolos socialmente aceitos em diferentes contextos e em diferentes períodos, mas eles obedecem a contingências igualmente localizadas no espaço e no tempo — e sobretudo respondem à própria história da arte e a suas contradições, tornando o fazer artístico antes uma conversa consigo mesmo que uma tentativa de expressar o que quer que seja.

    vi as imagens da Mayara Ferrão quando estiveram expostas recentemente no Masp. Elas são antes uma performance que um conjunto de imagens cujo valor encerra-se em si mesmas (o que não as minimiza enquanto tal). Trata-se de um processo de negociação com um dispositivo reconhecidamente marcado por vieses de raça, gênero e classe — IAs alimentadas inclusive por “imagens de época” nas quais não se admitiam os afetos e os relacionamentos expressos pelas imagens geradas pela artista. É justamente nesta performance que se encontra o fundamento poético de sua obra: ela desafia preconceitos sedimentados nos bancos de dados para produzir imagens improváveis.

    e é justamente por isto que a graça da obra dela é justamente a utilização da IA: não teria o mesmo efeito se fossem fotografias feitas com figurino e cenário de época ou criações no Blender. A poética da obra envolve necessariamente a IA.

    1. Gostei do muito do que disse. Tem uma parágrafo que guardo para uso em discussões como essa e que vai de encontro a tua fala:

      “Toda apreciação está sujeita à subjetividade humana. Assim, as convenções do que é ou não cultura, conceitos como ‘bom’, ‘prestigioso’ e ‘apreciável’, são sempre construídos socialmente, a partir do consenso entre os indivíduos. A noção de ‘valor intrínseco’ é mais que uma falácia; é uma ferramenta de coerção e segregação. Qualquer manifestação humana é cultural, seja ela orgânica ou controlada por algoritmos.”

  11. Um dos principais autores sobre história da arte, Gombrich, disse que não existe arte, existe o artista.

    Para Gombrich, a obra de arte é um resultado do processo criativo humano, da intenção e da habilidade do artista. Não é o material ou a ferramenta que define a arte, mas sim o impulso e a visão de quem a cria. Nesse sentido, a IA é apenas o meio pelo qual a Mayara consegue expressar sua visão.

    O uso de IA, nesse contexto, é como o uso de um pincel, de uma câmera fotográfica ou de qualquer outro instrumento que amplia as possibilidades de criação. A arte é a concepção, direção e curadoria do artista. É a Mayara Ferrão quem seleciona os prompts, quem orienta a IA para produzir as imagens desejadas, e quem decide quais dessas imagens cumprem seu propósito expressivo.

    1. Acho que todo pensamento é histórico, sabe? Gostaria da ideia de que a IA ajuda o artista, mas ela nasceu para se igualar a ele, não para lhe servir de instrumento, e isso muda algumas coisas essenciais de lugar quando comparamos a IA e uma SPen

      1. Edson, os dadaístas e os surrealistas (pra não dizer o pessoal da pop art) teriam ADORADO as IAs (sobretudo pelos delírios delas)

        e os artistas que têm trabalhado com IAs não estão usando-as como instrumentos, mas estão negociando com elas enquanto dispositivos. Dê uma olhada no trabalho da Gisele Beiguelman.

        1. Fala, Gabriel!

          Bom… Dessa vez vou admitir que fui vítima da pressa, e acho que o texto do Ghedin depende muito dos links, que dão bastante contexto também, mas nos quais eu não cliquei, deixando tudo abstrato demais.

          Em seu primeiro comentário, você é bem explícito em dizer “[…] nesse contexto”. E, nesse caso, sinto que tenho pouco a dizer. Acho que você tem razão.

          Na pressa, considerei mais a discussão sobre a diferenciação entre algo como um pincel e algo como a IA, dada a finalidade declara de ambos, que me parecem ser um tanto diferentes, mas essa é outra discussão.

          Certamente existem usos e formas de “fagocitar”, usar e se compor com todo esse contexto na produção da arte, e o uso da IA não desmerece algo, ao menos não nesse sentido.

      2. Mas aí você está olhando para a IA já vislumbrando algo 100% autônomo, o que por enquanto não é o caso. É preciso o olhar do artista para ver se a imagem gerada está boa, para criar o prompt. É o mesmo tipo de olhar que os pintores do realismo tinham em relação à Fotografia quando ela surgiu.

        1. Acho que não foi bem o que quis dizer… Talvez o comentário acima, na resposta ao Gabriel, explique melhor.

  12. Acredito que para que algo seja arte é necessário haver uma experiência estética presencial perante o objeto. Ficar de frente para as fotografias e refletir sobre as imagens lá no CCBB-RJ. Se aquilo me tocou de maneira tal, então, posso chamá-la de arte. Só de olhar pelo Instagram não conta não. Me desculpem. A IA não é arte per si, é uma técnica, assim como existem técnicas de pintura, de fotografia, de escultura, etc.

    Por tudo isso exposto, proponho que façamos uma vaquinha para enviar o Rodrigo Ghedin até o Rio de Janeiro para que ele tenha uma experiência estética ou não perante as fotos e nos diga o que achou.

  13. Essa conversa não é exclusiva sobre IA, não é sequer nova no meio acadêmico de artes…

    Opiniao pessoal: IA é só a ferramenta.

    1. o povo que está reclamando do uso de IA simplesmente ignora MEIO SÉCULO de teoria da arte (pelo menos, porque dá pra retomar até os anos 1910/1920: dadaístas e surrealistas adorariam usar IAs).

      estão direcionando a raiva relacionada a uma pauta justa (o combate às empresas de IAs fechadas) a pessoas que não têm nada a ver com isto: os artistas

  14. Eu não entro na questão se é ou não arte porque não tenho bagagem nenhuma pra tal discussão 😬, mas sei que não estou preparada para a enxurrada que teremos de “fotos antigas nunca antes vistas” e que, na verdade, são IA.

    Não poderei mais nem soltar um “eu só acredito vendo”. (Só se for o meme: “eu vendo: não acredito”. 😅)

    1. a proliferação de imagens (sobretudo as fotorrealísticas) feitas por IA me parece a oportunidade perfeita para que todos se toquem de algo essencial a qualquer imagem: ela é sempre antes uma ficção que um indício do real — e é como ficção que deve ser apreciada

  15. O que transforma algo em arte não é o mérito técnico, e sim o significado pretendido. E isso acho que as imagens têm de sobra. Se fosse uma pintura cheia de detalhes e com uma técnica perfeita, certamente iria impressionar mais pela parte técnica, mas a carga de significado seria a mesma.

    Dá até pra dizer que só essa discussão sobre ser arte ou não já valida a “obra” também. É o tipo de questionamento que nos enriquece (pelo menos quem questiona de verdade e não só regurgita algum dos extremos).

    Me entristece um pouco que os robôs chegaram e estão “fazendo arte”* ao invés de atividades manuais e perigosas, mas fazer o quê…

    Entre muitas aspas aqui, porque o robô que faz arte, óbvio. O robô pode reproduzir a parte técnica, mas o significado e peso artístico de algo sempre vai partir da mente humana.

  16. Claro que terminologias mudam com o passar do tempo, mas vamos usar o dicionário.

    Em geral, pegando por exemplo o Michaelis: “Atividade que supõe a criação de obras de caráter estético, centradas na produção de um ideal de beleza e harmonia ou na expressão da subjetividade humana. A capacidade criativa do artista na expressão e transmissão da inteligência, sensações ou sentimentos; criatividade, talento.”

    Quando houve as novas tecnologias e foram ditas que “não fazem arte”, de fato tais tecnologias – tanto a fotografia quanto os computadores – realmente não fazem por si só. Fotografia é um retrato do momento capturado, computadores podem ser programados para criar algo considerado arte. Ponto. O que uma pessoa fará com tais é o que pode gerar arte. Revelar com efeitos é arte? Videogames é arte? Música digital é arte? DJ é arte? “Rebaixar é arte?” (e raspar faz parte?)

    “IA faz arte?” Não exatamente. “E se a pessoa descreve algo e faz de tudo para o prompt alcançar o resultado”… Errr… Chegamos a uma zona cinza aqui. O Blender PRECISA que a pessoa faça manualmente comandos para gerar um resultado. Uma IA é meio que fazer o computador fazer ests comandos manuais do Blender, no entanto, só lembrando também que muitos dos sistemas de arte de IA realmente copiam informações alheias postas. Não que um artista também não copie e faça do seu jeito. Mas que bem, lembrando que uma IA não é um artista, é um computador processando e regurgitando informações. Baseada em milhões de outras artes “roubadas” pelas big techs.

    O vídeo da propaganda da prefeitura (e um do governo paulista) são frutos de uma ação comercial. Tal como na discussão do Órbita, o entendido é que aquilo ele gerou um problema: se usa a desculpa da economia para evitar de contratar pessoas para um trabalho. Não se fez uma arte per si, mas sim um trabalho comercial.

    Se for focar no conceito de arte como criação humana para gerar recursos capitais, a volta a ser dada neste debate é tanta que uma hora vamos chegar na máxima do “se o cara fazer uma performance teatral dele literalmente ‘cagan*o e andando'” e cobrar por isso no YouTube, tem gente que vai considerar arte. E tem gente que vai cobrar patronato para fazer uma performance para quebrar computadores que processam IA e falar que é arte e jogar no Peertube.

    No final, tem coisa que é subjetiva. Achar um denominador comum requer que as pessoas tenham uma cultura em comum. Cultura essa que pode ajudar a definir o que é arte.

  17. Sou uma pessoa simples. Vende? Então é arte.

    Se ngm se interessa ao ponto de pagar e se não forma mercado, não é nada.

    Tenho um professor que tem uma empresa de quadros criados por IA (sim?!?). Ele está fazendo dinheiro (as pessoas acham bonito, ficam emocionadas) e eu estou aqui comentando com aleatório desconhecidos.

    Claro, pode ser só conversa dele para não parecer fracassado e o povo puxando saco.

  18. Concordo com práticamente tudo que li nesse link do reddit.
    Imagens geradas por IA podem até ser estéticamente agradáveis, mas não dá pra chamar de arte

      1. Perdão KKKK
        Para mim, arte é expressão de humanidade. É feita quando exteriorizamos nossa interpretação do mundo a partir de nossos esforços, como em pinturas, músicas, etc.

        Imagens geradas por IA são apenas um amontoado de dados reorganizados e regurgitados por um algoritmo e a única intervenção humana é escrever o prompt e julgar os resultados, acho difícil chamar isso de arte.

        Mas eu nunca parei para pensar profundamente sobre esse assunto e estou sempre aberto para mudar minhas opiniões.

        1. Quando surgiu a fotografia foi a mesma coisa, o cinema idem.
          Acho que por fim daqui alguns anos ou meses se considerar a velocidade a IA, a arte vai ser justamente escrever o prompt, só isto, ai poderemos achar algo mais raso ou mais profundo mas não vai deixar de ser uma arte.
          No caso ai das fotografias de situações que provavelmente existiram mas nunca foram documentadas já podemos considerar que o insight(Lu Gimenes), foi um quê de arte.

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Atualizado em 17/11, às 14h10.


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