Game houses: Nas redes sociais, proprietários mostram dia a dia e dão dicas de negócio

Três crianças, de costas, jogando video game em consoles contra uma parede com pôsteres e adesivos.

Gerailton Gomes estava sempre atento aos eventos religiosos da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, em Ferreiros, município pernambucano de cerca de 12 mil habitantes. Na infância, ele ia às missas com um só objetivo: coletar material para criar seu próprio video game.

Com caixas em papelão de fogos de artifício, criava console, tela e controles, cuja conexão por fio era feita de uma corda de nylon simples. Mais tarde, Gerailton passou a frequentar lan houses e locadoras de games, e não tardou a perceber como esses locais facilitavam o acesso a jogos para pessoas como ele.

Print de um vídeo do TikTok, com William Santos em primeiro plano, fazendo um sinal de vitória com a mão, respondendo a uma pergunta de seguidor.
William Santos, proprietário da WD Games. Foto: @wdgamehause/TikTok.
Febre nos anos 1990 e no início dos anos 2000, as locadoras evoluíram. O aluguel de jogos saiu de cena, sobrou apenas as sessões no local, com os video games mais recentes e interação social. Não à toa — e como parte de um processo de modernização —, esses locais também são chamados “game houses”.

Gerailton mostra, em vídeos no YouTube, os bastidores da sua própria game house, a Locadora do Way. Mostra o dia a dia do espaço e dá dicas para quem está ou quer entrar no ramo, que sofreu um baque a partir de 2010 com o maior acesso a jogos, celulares e a internet.

O pernambucano, porém, não é o único produzindo esse tipo de conteúdo nas redes. Em plataformas como TikTok, Instagram e YouTube, proprietários de game houses têm revelado, de dentro, todos os detalhes envolvendo o empreendimento.

Do game à rede

Assim como Gerailton, William Santos sempre sonhou em ter uma game house. Ao alcançar o objetivo, começou a criar conteúdo para a internet “sem malícia de ganhar dinheiro, só pra produzir mesmo”. O intuito era publicizar a conquista, mas Santos tomou gosto pelas redes e expandiu o escopo da sua produção.

Ele está no TikTok, Kwai, Instagram e YouTube e usa os canais como divulgação da WD Games, localizada em de Itatiaia (RJ), o que tem ajudado a angariar mais clientes. A locadora fica na garagem da residência de Santos, adaptada para acomodar as necessidades da game house.

Três pessoas jogando video games distintos, em um ambiente com iluminação roxa.
WD Games. Foto: William Santos/Arquivo pessoal.

Em vídeos e lives, William aparece no espaço respondendo dúvidas de seguidores, mostrando o movimento do negócio, divulgando promoções e campeonatos, participando de “trends” e revelando detalhes da operação. Formato de produção comum à categoria, os vídeos compõem, para alguns, um acervo importante de informações.

“Querendo ou não, as pessoas compartilham erros também”, afirma Matheus Oliveira, proprietário da World Player, situada em Custódia (PE), a mais de 300 km de Recife. “Aprender com os erros dos outros é interessante e encurta muito o caminho para você ter sucesso. É uma chance também de ver uma oportunidade.”

Oliveira, que cria conteúdo relacionado a game houses há cerca de sete anos, tem uma visão sistêmica sobre o tema. Na avaliação dele, esse tipo de produção incentiva o surgimento de novas game houses, gerando, assim, desdobramentos benéficos ao setor.

“Quando esses negócios começam a aparecer, o pessoal volta a jogar também. Influencia-se o público. As pessoas estão conectadas o dia todo. Vêem um vídeo e tal: ‘Eita, legal! Tem esse espaço para eu jogar. Não sabia que existia’”, explicou ele, que é formado em administração.

Várias pessoas jogando em múltiplos video games, no canto de uma sala. Alguns pôsteres de jogos e o logo da World Player estão na parede.
World Player. Foto: Matheus Oliveira/Arquivo pessoal.

Para promover a inauguração do novo espaço da World Player, Oliveira realizou uma live no Instagram, rede que utiliza com frequência para divulgar a game house, evidenciando um expediente comum a pequenos empreendedores brasileiros: a presença digital ativa como publicidade para pequenos negócios.

A incorporação dessa estratégia foi uma das ferramentas encontradas pela categoria, diz Oliveira, hoje mais formalizada do que no passado, para sobreviver ao declínio do interesse do público.

Novas armas

Embora em municípios menores seja menos frequente, como é o caso de Gerailton Gomes, é comum a descoberta dos locais via redes sociais graças aos filtros de geolocalização das plataformas, capazes de direcionar conteúdo a pessoas de uma cidade ou região.

Corredor com video games de um lado e um fliperama de Street Fighter II do outro. Em primeiro plano, doces em um balcão.
World Connection. Foto: Jonathan Roberto/Arquivo pessoal.

“Quero compartilhar informação para nunca deixar essa essência de game house, de locadora, acabar. Nosso objetivo é manter essa potência. Cada vez mais tem mais pessoas abrindo”, ressalta Jonathan Roberto, que mantém a World Connection of Games em Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana de São Paulo, e está no Instagram e YouTube.

Jonathan participa de um grupo junto com outros proprietários de game houses que também produzem conteúdo, o que, na visão dele, contribui para o fortalecimento do setor, que tem um recorte bastante heterogêneo. As especificidades vão do contexto socioeconômico em que estão inseridas até serviços e produtos ofertados — acessórios para celular, xerox e impressão, alimentos, manutenção de consoles etc.

Prateleiras com doces e outros produtos e uma geladeira na WD Games.
WD Games. Foto: William Santos/Arquivo pessoal.

“Isso incentiva a gente”, revela ele. “Você vê que não está sozinho, que certas dificuldades todos passam. ‘Ah, estou errando aqui, então vou por ali, como ele está indicando’. Isso ajuda muito.”

Matheus Oliveira, da World Player, acredita que as redes sociais são um divisor de águas para esse tipo de empreendimento que, para muitos, já havia sido extinto. É quase como uma redescoberta de um espaço muito presente na cultura e no imaginário de games brasileiro. Matheus publica no Instagram, YouTube e TikTok.

“Acho que esse negócio nunca morreu. Ele evoluiu, e as pessoas pararam no tempo. Quando o público não vem ao seu comércio, você tem de levar o seu comércio até ele.”

William Santos tem uma opinião parecida. “Por conta da internet, eu recebo gente de outros bairros e cidades”. Para ele, uma realidade muito contrastante com o passado das locadoras, quando eram ligadas de forma restrita à comunidade local – o que ainda acontece, porém de forma muito menos acentuada.

Foto de dentro da garagem/game house, com várias TVs e cadeiras brancas em um amplo corredor.
A WD Games fica na garagem da casa do proprietário. Foto: William Santos/Arquivo pessoal.

Apesar do otimismo, não existem dados que acompanhem a evolução desse setor no Brasil e que poderiam atestar um suposto ressurgimento ou perenidade das game houses brasileiras.

De onde vêm

Na visão de Ivan Mussa, professor e pesquisador de games da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o conteúdo produzido por pessoas como Santos, Oliveira, Gerailton Gomes e Jonathan Roberto responde a demandas do público não contempladas em meios tradicionais.

“Não existe mídia especializada ou perfis de grande circulação nas redes que falem de games sob a perspectiva local”, explica. “E essa perspectiva local inclui esse tipo de consumo típico do Brasil, que inclui locadoras, lan houses e outros espaços onde o jogo é consumido pública e coletivamente.”

Três pessoas jogando video game de futebol em um monitor pequeno. Na parede, adesivos e folhas com avisos da game house.
Locadora do Way. Foto: Gerailton Way/Arquivo pessoal.

Há também paralelos entre o papel exercido por esses proprietários e a cultura de influenciadores digitais, muito forte no meio de games, mas novidade quando se fala em locadoras de jogos. O que começa como uma forma de promoção do negócio, acaba se tornando um espaço de personificação na figura do microempreendedor.

“A gente vê essa mistura do profissional com o pessoal, o dono da locadora fazendo um TikTok sobre os últimos lançamentos disponíveis e logo em seguida mostrando a filha bebê, por exemplo”, destacou Beatriz Blanco, doutoranda em comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). “É até difícil separar pessoal e profissional nesse tipo de prática.”

Já para José Messias, pesquisador de games e gambiarra da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), para além de tudo, o conteúdo é uma maneira não só de valorização das game houses, mas de preservação histórica delas, o que não tem tido espaço na imprensa nem na academia.

“Acho que não tem essa intenção, mas acaba fazendo isso. Ser capaz de fazer o resgate desses registros é muito importante para a gente observar a cultura do videogame”, diz.

Foto do topo: Gerailton Way/Arquivo pessoal.

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12 comentários

  1. Eu alugava os cartuchos de super Nintendo no fliperama que minha mãe não deixava eu frequentar. Kkkk

  2. Sou muito grato por pessoas como André Alcântara dar espaço para negócio e empreendimento como o nosso muito obg meu amigo pela oportunidade de divulgar nossas gamehouse/Lan house/ locadoras , coisas que já mais vão acabar doque depender de mim WDGAMES

  3. Que postagem legal, traz lembranças.

    Minha cidade tinha algumas Lan Houses que dividia o espaço, de um lado era PC e do outro só consoles. Aqui demorou sumir porque a internet era bem ruim (a rádio na maioria da cidade).

  4. Aqui perto, a uns cinco quarteirões mais ou menos, ainda há uma locadora de games… de Sega Saturn a PS5. Um pouco mais pra frente, uma lan house. Em São Paulo, Capital, em um bairro a 10 quilômetros do centro. Sempre tem gente nesses locais (eu, inclusive, alugo uns games de vez em quando). No sábado e no domingo, lota.

  5. Tá aí algo interessante. Aqui na minha cidade já não existe mais essas game houses, e olha que vivo numa cidade minúscula.

  6. O bacana é que as vezes o próprio amigo tem o console, mas muitas vezes o pessoal marcava em Lan Houses para evitar o “desconforto” de ter que ir na casa do amigo. E convenhamos reunir mais de 5 amigos já deixava o local lotado, sem contar que os pais não gostavam muito disso rsrs

    Para cidades com poucos habitantes acredito que é bom ter esse tipo de negocio, mas como eu já via no final do boom das locadoras/lan houses, já vendiam e prestavam todo tipo de serviço para ajudar no negocio, como os caras da matéria fazem.

    O negocio de trocar por latinhas ficou show!

  7. Cara. Acabei de ver o video dele trocando as latinhas, a galera paga pra jogar com latinhas. É muito fora da nossa realidade. Foda. Parabéns pela artigo Ghedin!

    1. Obg meu amigo pelo apoio e carinho para com nossas gamehouse, doque depender de mim nunca vou deixar esse empreendimento acabar , Tmj sempre att WDGAMES

    2. Obg meu amigo pelo apoio e carinho para com nossas gamehouse, doque depender de mim nunca vou deixar esse empreendimento acabar