Como o Flogão virou um reduto online de fãs de caminhão

Caminhões estacionados à noite.

Em meados dos anos 2000, quando câmeras digitais compactas ainda eram maioria e estávamos limitados às 12 fotos que o Orkut permitia enviar, a fotografia digital encontrava nos fotologs o caminho mais fácil para chegar à Internet.

Era uma época mais ingênua, com fotos mais granuladas e resoluções menores. O local onde a maioria que gostava de tirar e publicar fotos era o Fotolog.net, mas outros, como Vibeflog e Flogão, corriam por fora e conquistavam adeptos. Além da publicidade, esses serviços ofereciam planos pagos com vantagens, como maior número de comentários, personalização e música de fundo. Eram, pois, modelos sustentáveis, mas que não resistiram ao atropelo de redes sociais maiores, como o próprio Orkut, depois que relaxou o limite de fotos, e o Facebook, que terminou o que a rede social do Google havia começado e praticamente monopolizou a publicação online de fotos de nós mesmos e de amigos.

Hoje os flogs só são lembrados em duas situações. Quando não em sessões nostálgicas de quem viveu seu auge, é por jornalistas que encontram pérolas arqueológicas de astros recém-saídos da adolescência — Ganso e Leandro Damião, para ficarmos só no esporte, que o digam. Mas os flogs não são só isso. Sem muita invencionice, parados no tempo, eles seguiram em frente, e um desses serviços, o Flogão, acabou evoluindo para algo meio difícil de entender: virou o ponto de encontro de jovens que idolatram caminhões.

Flogão dos caminhões

Descobri esse “pivot” do Flogão durante a gravação do Radiolink, um projeto de extensão do curso de Comunicação e Multimeios da UEM. Um dos temas daquele programa foi flogs, e em meio a muitas histórias do passado despontou essa curiosa roupagem moderna do Flogão: ele foi invadido por caminhões, que aparecem no bloco dos VIPs (contas pagas), entre os flogões mais populares, são os mais comentados… A página inicial do Flogão de 2014 está dominada por caminhões.

Intrigado, resolvi investigar como o Flogão passou de selfies e fotos de gente para veículos de grande porte.

Clube dos adoradores de caminhões

Caminhões.
Foto: Conexão 277.

Para entender essa mudança tão grande no público-alvo, inicialmente procurei os responsáveis por ela: os flogueiros, como eles se chamam.

Logo de cara, Luiz, 15 anos, de Cascavel-PR, revelou o mistério: a maioria dos flogueiros é formada por filhos de caminhoneiros, jovens que, como ele, adoram a profissão, ainda não têm idade para dirigir e curtem muito um “caminhão mais arrumado, com frente rebaixada, traseira levantada, um tanque bem polido… sabe? Caminhão levado no capricho”.

Luiz mantém, com dois amigos, o Conexão 277, um Flogão VIP (pago). Além do tema pouco usual, a escolha do Flogão com tantas outras opções gratuitas disponíveis, como Instagram, Flickr e Facebook, era outra dúvida grande. Sendo um membro mais recente dessa onda de flogueiros de caminhões, Luiz apenas seguiu o fluxo. “[Escolhi o Flogão] porque já nas antigas existiam Flogões de caminhões”. Ele começou em 2012, mas diz que em 2008 já havia Flogões do gênero. Estar entre seus pares é uma vantagem importante para ele, pois facilita encontrar e ser encontrado por outros jovens que curtem caminhões.

As estatísticas do Flogão são importantes.
Imagem: Conexão 277.

Apesar da opção pelo Flogão, ele reclama um pouco do descaso. Vez ou outra o sistema “buga” e bagunça as estatísticas, ou rejeita fotos. Outra crítica recai em Flogões que, aproveitando-se desses bugs, trapaceiam e inflam artificialmente as estatísticas. Não existe sistema perfeito.

A arte de tirar fotos de caminhões

Danillo Araújo, 17, de Luziânia-GO, é outro apaixonado por caminhões que mantém um Flogão, o Elite Goiana. Ele também entrou nessa recentemente, no final de 2012, e assim como o Luiz escolheu o Flogão pelo público que já estava lá: “Acho que não teria tanto público nesses sites [Flickr, Instagram], já que 80% do Flogão é destinado a caminhões. Ele se tornou muito conhecido, então quem quer ver fotos [de caminhão], vai diretamente aos Flogões”.

Os dois contaram como é o processo de tirar fotos. Em ambos os casos, os meninos vão a um posto de combustível e ficam esperando pelos caminhões mais bacanas (“aqueles que têm acessórios e andam sempre limpos”, conta Danillo). Tiram fotos e, quase sempre, recebem um retorno dos caminhoneiros.

Foto do Flogão Elite Goiana.
Foto: Elite Goiana.

A prática é nacional, então vários motoristas já sacaram os flogueiros e mantêm uma relação amistosa com eles, param para conversar, se interessam e querem saber mais sobre o assunto. Uns poucos torcem o nariz e ficam até bravos com o pessoal dos Flogões, mas a maioria dos menos amistosos são apenas precavidos. Perguntam para que são as fotos, desconfiam das respostas que recebem… Uns acabam convencidos das boas intenções dos flogueiros, mas sempre tem aquele que acha ruim, independentemente das explicações, ter o seu caminhão fotografado por adolescentes.

Vez ou outra a polícia interfere. Meio sem entender, apenas mandam os meninos para casa. Luiz conta de uma situação em Toledo, cidade próxima a Cascavel, também no Paraná. Um grupo de flogueiros menores de idade foi abordado pela polícia, que os mandou para casa sob a ameaça de, em caso de reincidência, serem encaminhados ao conselho tutelar.

Parece exagero, mas uns poucos flogueiros tornam o receio válido. Luiz conta que costuma ficar com seus amigos na sombra de alguma árvore, esperando os caminhões passar e sempre tirando fotos fora da pista, em locais seguros. Nem todos têm essa prudência: “tem piá que não, que faz por merecer, se joga no meio da pista pra tirar foto, deita no chão… bobeira, sabe? Outros se jogam no meio da pista e balançam as mãos para os motoristas darem ‘quebras de asa’, sabe?”

Não, não sei. O que é quebra de asa?

O perigo da quebra de asa — e da superficialidade da mídia

Ano passado o Fantástico, da Rede Globo, veiculou uma matéria que alertava sobre a “quebra de asa”, manobra em que o motorista joga a carroceria do caminhão para o lado, fazendo uma espécie de zigue-zague na pista. Pouco tempo depois a RPC, afiliada paranaense da Rede Globo, exibiu outra reportagem mostrando (mas não identificando) flogueiros que pedem aos motoristas para que façam a manobra a fim de tirarem fotos.

A matéria não foi muito longe e ignorou completamente a motivação dos que ficam na beira das rodovias pedindo pela perigosa manobra. Eles existem, mas são, segundo Luiz e Danillo, exceções que mancham a reputação dos flogueiros. Luiz me disse:

“Na maioria das vez os próprios flogueiros pedem para eles fazerem isso. Nós não achamos legal; além de danificar o caminhão, [a quebra de asa] oferece grandes riscos. (…) É revoltante. Por causa de alguns bestas, todos os outros ficam mal vistos.”

O YouTube está repleto de vídeos de quebra de asa, vários feitos por flogueiros, alguns assustadores, como este. Infelizmente, uma prática sadia e que valoriza o caminhoneiro, profissional muitas vezes esquecido ou ignorado, é deixada em segundo plano por causa de uns poucos inconsequentes que extrapolam a segurança e buscam esse tipo de emoção pra lá de questionável.

Um dos rapazes que procurei para conversar, aliás, cancelou a entrevista temendo represálias no trabalho. Por e-mail, disse que “os ‘flogueiros’, como somos chamados, estão sendo vistos de uma forma negativa conforme esta passando na televisão, sendo que nem todos ficam no acostamento se arriscando para conseguir filmar uma quebrada de asa”. Afinal, é mais fácil ser sensacionalista.

E o Flogão?

O gato-mascote do Flogão.
Imagem: Flogão.

Pelo que apurei dessas conversas, o Flogão virou o que é hoje meio que por acaso, pelo comportamento de manada dos flogueiros mais novos. Alguém começou a subir fotos de caminhões lá atrás e depois dele, outros seguiram o exemplo.

O abandono do serviço é evidente. Além dos problemas técnicos relatados pelo Luiz, o layout não muda há anos e as estatísticas de visitação dos flogões mais populares dão uma pequena dimensão do quão baixo é o alcance obtido hoje.

Tentei conversar com alguns profissionais que estavam no Flogão entre 2007 e 2008, sem sucesso. O máximo que descobri foi uma negociação, posteriormente revertida, que levou o Flogão ao Power.com, uma startup brasileira que tinha por objetivo concentrar diversas redes sociais em uma interface centralizada. O Power.com chegou a aparecer no TechCrunch e fez barulho na época. Um ano depois, em 2009, arranjou briga com o Facebook acerca da portabilidade de dados e, em 2011, fechou as portas. No tempo em que esteve lá, houve uma profunda reformulação no código do Flogão e tentativas fracassadas de expandi-lo.

Desde que voltou a ser independente, o Flogão não viu melhorias em seu sistema ou na oferta de recursos. Entrar no site em 2014 é como voltar ao passado, com a diferença de que no lugar de pessoas existem caminhões adornando os endereços mais badalados.

Da mesma forma que o Flickr passou de um jogo online para uma rede social de fotos e que o Twitter absorveu replies e retuítes, recursos que surgiram organicamente entre os usuários do serviço, o Flogão passou por uma mudança que veio de fora para dentro, um acidente de percurso que talvez seja o único responsável por mantê-lo no ar até hoje.

Com Facebook, WhatsApp e Instagram processando bilhões de fotos diariamente, sobra pouco espaço para redes estagnadas e notoriamente menos dinâmicas, como os fotologs de dez anos atrás. O nicho caminhoneiro criou um ambiente diferente de qualquer coisa na Internet, um lugar fascinante, escondido nas ruínas do que era, há pouco tempo, um lugar bem popular na Internet.

Foto do topo: Pavel P./Flickr.

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35 comentários

  1. Pingback: 6 | backup
  2. Baita matéria. Bom jornalismo tecnológico que vai muito além dos specs dos equipamentos.

  3. Gostei bastante da matéria apesar de não ser uma coisa pra lá de importante para se saber é uma leitura bem gostosa que prende a gente. Parabéns ao redator.

  4. Ai galera do flogao sou Motorista gosto da estrada sonho com minhas viagem mais estou desempregado minha carta E tenho . MOPP .PAMCARY. BONY. BRASIL RISC mandem uma mensagem por Email . tenho disponibilidades para viagem.

  5. Parabéns sou flogueiro tbm gostei muito da Matéria Apenas somos jovens em busca de um Sonho Paixão por Caminhão.. A PRF me abordo varias vezes já só que falarão que eles não quer que fiquem deitado na beira da rodovia e que não fiquem pedindo para os caminhoneiros para da Quebra de Asa.. E isso é coisa de moleques que se arisca por uma foto. E pensam que todos são assim..

  6. Não há apenas flogs de caminhões no flogão!
    Claro, os de caminhões são MUITOS, mas não são só eles, ainda tem flogs fãs (de entretenimento) que não abandonaram o site.
    O problema do flogão em si, não são os flogs, seja lá ele de caminhão, tibia, ou qualquer outra categoria, mas sim seu administrador, que deixou o flog a Deus dará. :/ Aquele lugar precisa de um novo ADM!

  7. Otima materia, explicou muito bem a realidade do flogão, sou dono do Manipulados316, antes pagava o vip, hoje em dia não pago mais nem dou tanta atenção ao meu flogão por desanimo, o flogão parou no tempo em meio a outras redes sociais ele deveria procurar evoluir também, sendo que é o unico que resistiu entre o facebook, instagram e flickr, espero que a materia chegue aos responsaveis pela administração do flogão e abra os olhos deles para tentar melhor a situação.

  8. Ah também os “Caminhoneiros virtuais” localizados normalmente no iFlog e recentemente no Xflog , faça umas pesquisas também, é um bom assunto :D abç… E ótima matéria cara, parabéns!! Unica reportagem q conta tudo sobre os flogueiros ..

  9. Parabéns pela matéria Ghedin!

    É interessante o quanto internet permite o surgimento desses grupos de nicho. De que outra forma adoradores de temas mais específicos poderiam se agrupar para aprender e trocar informações sobre os seus assuntos preferidos?

    Eu gosto muito navios mercantes e achei esse blog sobre o tema (http://www.blogmercante.com/). Além das fotos também tem notícias e artigos. Bem nicho mesmo…

  10. É bem isso mesmo, eu tenho meu flogao des do inicio de 2011 e de la pra muita coisa mudou, a maioria evoluiu, o flogao deixou de dar suporte e ainda passou a fazer propaganda do R7 na nossa pagina mesmo sendo paga, infelizmente mudou demais, perdeu um poco a graça, mais meu flogao ta la, com aas fotos do começo até hoje

  11. Parabéns Rodrigo Ghedin
    Boa postagem,explicando oque realmente nós flogueiros fazemos,e separando bem,que não são todos os que se arriscam por causa de uma “quebrada de asa” afinal acho que a maioria gosta mesmo é de ver um caminhao “top” e tirar uma foto pra recordação e mostrar pros amigos..

  12. realmente, falou tudo sobre nós,
    gostei da parte que separou flogueiros de verdade dos moleques que se taca no meio da pista por causa de uma foto
    Parabéns

  13. Ghedin, apesar do incidente com seu Lumia, vai sair o review do WP 8.1? Ou você ta se aprofundando? Parabéns pelo blog, seus textos são ótimos.

    1. Sim, Renan, mas só depois que eu recuperar meu micro SIM — encurtando uma longa história, devolvi um celular que estava em testes aqui com o chip dentro :-/

      Talvez eu segure o review para quando ele começar a ser liberado para a linha Lumia atual, em junho. Adiantando o mais importante: está bem melhor do que o WP8!

  14. Para mim, a comunidade de fãs de caminhões estaria mais localizada em redes sociais mais comuns ou em sites específicos.

    E fora caminhoneiros, há fãs de tudo. Já citei o Skyscrapercity, onde há fãs de arquitetura, urbanismo, infraestrutura e mobilidade. Mas posso citar que existem muitos fãs de ônibus (chamados busólogos), muitas vezes reunidos em sites como Ônibus Brasil (www.onibusbrasil.com); entusiastas de ferrovias,(www.protrem.org – este tá bem parado), estes um pouco mais difusos; entusiastas de aviões, etc…

    A internet juntou nichos de fãs, pessoas que gostavam de um assunto mais específico, mas não tinham como conversar com amigos e familiares próximos. Muitos destes caras são rotulados como “nerds”, já que viraram pessoas focadas e especializadas no assunto, mas ao mesmo tempo só vivem para isso. O perigo reside aí.

    Em compensação, muitos que já vi começarem como “hobbista” na área, hoje tem curso técnico e trabalham nas áreas que ficaram fãs. :)

    Convivi algum tempo com entusiastas de transporte, mas não tive paciência de manter certos assuntos (ou aceitar algumas coisas por lá) e então sai do meio.

    1. O Skyscraper City é excelente, já passei horas lá só lendo o que postam principalmente sobre urbanismo e mobilidade urbana, mas nunca participei ativamente.

      Sem falar nos threads de fotos de cidades. Já “viajei” pra muitas através do fórum, desde Vitória/ES e Brasília/ES até as capitais do Suriname e da Guiana Francesa.

      1. Teve épocas melhores. A excelência dele já passou. Hoje só sobrou as fotos, algumas feitas até por excelentes usuários que foram banidos injustamente, mas nem acesso lá (fui banido duas vezes, por causa de atitudes idiotas que OUTROS fizeram e me meteram no meio). Pedi para excluírem minha conta e nem excluíram. Quase ameacei de processo (e ainda penso em como fazer isso).

    1. Olha a oportunidade de criar uma comunidade dos adoradores de navios de containers! Fãs de containers eu sei que existem muitos — e os projetos que saem baseados nesses caixotes gigantes são sempre muito bacanas.

    2. Eu odeio recomendar pois já tive problemas com usuários de lá, muitas vezes arrogantes, mas um dos poucos sites / fóruns que conheço que tem informações mais técnicas e fotos sobre isso é o Skyscraper City. Lá “tem de tudo”. É um fórum de urbanismo e arquitetura, mas tem muito papo sobre mobilidade urbana e infraestrutura.

      Fora isso, não duvido que existam outros sites e comunidades com fotos e discussões.