O presidente global de assuntos globais da Meta, Nick Clegg, comentou com entusiasmo a divulgação de quatro artigos sobre a influência do Facebook e Instagram nas eleições norte-americanas de 2020.
São os primeiros resultados de um projeto mais amplo, iniciado em 2020, entre pesquisadores de universidades norte-americanas e a Meta. Da Science:
Em um experimento, os pesquisadores impediram que os usuários do Facebook vissem quaisquer postagens “recompartilhadas”; em outro, eles exibiram feeds do Instagram e do Facebook para os usuários em ordem cronológica inversa, em vez de em uma ordem com curadoria do algoritmo da Meta. Ambos os estudos foram publicados na Science. Em um terceiro estudo, publicado na Nature, a equipe reduziu em um terço o número de postagens que os usuários do Facebook viram de fontes com opiniões parecidas — ou seja, pessoas que compartilham suas inclinações políticas.
Em cada um dos experimentos, os ajustes mudaram o tipo de conteúdo que os usuários viram: remover postagens recompartilhadas fez com que as pessoas vissem muito menos notícias de política e menos notícias de fontes não confiáveis, por exemplo, mas mais conteúdo incivil. Substituir o algoritmo por um feed cronológico levou as pessoas a ver mais conteúdo não confiável (porque o algoritmo da Meta rebaixa fontes que compartilham repetidamente desinformação), embora tenha cortado o conteúdo de ódio e intolerante quase pela metade. Os usuários dos experimentos também acabaram gastando muito menos tempo nas plataformas do que outros usuários, sugerindo que eles se tornaram menos atraentes.
Crédito a quem é devido, é um passo no caminho certo. Só que as conclusões sinalizam algo mais complexo que o entusiasmo de Clegg pode levar a crer.
Desde a publicação dos materiais, nesta quinta (27), muita gente apontou incongruências, como o período analisado, eleitoral nos EUA, quando a Meta costuma “ligar” recursos temporários de contenção de danos e limitação de desinformação.
Fora os próprios estudos, a leitura fundamental dessa história é o relato de Michael W. Wagner, publicado na Science, revista onde saíram três dos quatro artigos.
Wagner foi uma espécie de auditor independente do projeto, supervisionando reuniões, documentos, códigos e conversando com pessoas de todas as partes.
Sua conclusão é de que embora os estudos tenham sido conduzidos com o máximo cuidado e sejam consistentes, e que não tenha encontrado indícios de erros, sabotagem ou qualquer aspecto negativo (pelo contrário), é impossível ter independência absoluta quando a empresa objeto da análise é quem dá as cartas.
Alguns trechos de lá, em tradução livre:
Mas a Meta definiu a agenda de maneiras que afetaram a independência geral dos pesquisadores. A Meta colaborou nas escolhas do fluxo de trabalho com os pesquisadores externos, mas enquadrou essas escolhas de maneiras que direcionaram quais estudos você está lendo nesta edição da Science. […]
Uma deficiência dos modelos de pesquisa de colaboração indústria-academia num sentido mais amplo, que se refletem nesses estudos, é que eles não se envolvem profundamente com o quão complicados a arquitetura de dados e o código de programação são em empresas como a Meta. Simplificando, os pesquisadores não sabem o que não sabem, e os incentivos não são claros para que os parceiros da indústria revelem tudo o que sabem sobre suas plataformas.
Programas de pesquisa não são totalmente independentes quando os dados são mantidos por corporações com fins lucrativos, nem são independentes quando essas mesmas corporações podem limitar a natureza do que é estudado. Parcerias criativas entre mídias sociais-academia-financiador, ou, mais provavelmente, regulação governamental e exigências de compartilhamento de dados (por exemplo, a Lei de Serviços Digitais da União Europeia) que também fornecem proteções de privacidade, bem como estruturas definidas para incentivar e proteger pesquisadores empregados pela indústria a colaborar, são necessárias para promover oportunidades de projetos de pesquisa abrangentes e inovadoras que não precisem de permissão das plataformas de mídias sociais.
O texto divulgado por Clegg, da Meta, apresenta os novos estudos como evidências cabais de que Facebook e Instagram não exercem influência no debate político. Talia Stroud, da Universidade do Texas e co-líder da pesquisa, contestou ao Wall Street Journal as declarações de Clegg:
As conclusões desses documentos não suportam todas essas declarações. [O comentário de Clegg] não é a declaração que nós faríamos.
Outros 12 estudos, parte do projeto, ainda serão publicados.
Outras leituras indicadas sobre o tema são a coluna do Casey Newton na Platformer e a reportagem do New York Times (todos os links desta nota estão em inglês).
Vi chamadas por aí destacando que esses estudos demonstraram que o “Facebook não altera as crenças dos usuários”. Ora, é claro que não! Desde o Cambridge Analytica que ficou demonstrado: o poder do Facebook (e outras redes) não é mudar a opinião política das pessoas, mas sim direcionar conteúdo para elas, já prevendo quais serão as reações, dando um empurrãozinho na direção desejada. A questão é que “empurrãozinho” pode definir eleições, como no Brexit ou então naqueles estados-pêndulo dos EUA, em que algumas dezenas de milhares de votos viram uma eleição.