Não é de hoje que se fala em pagamentos por celular. Em várias partes do mundo, como Estados Unidos e alguns países africanos, esse método de pagamento já é realidade, com sistemáticas diversas, todas usando o aparelho como meio. As grandes bandeiras de cartão de crédito também já investem pesado nisso lá fora. E no Brasil? A matéria foi regulamentada nesta semana, marco que promete acelerar a migração dos cartões de plástico para os smartphones. A mudança, aliás, precede a nova lei.
Mês passado a Lei nº 12.865, que trata dessa questão, foi aprovada e publicada no Diário Oficial da União. Havia ainda a necessidade de regulamentação do Banco Central, que por sua vez precisava ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional. Tudo terminou bem e na última segunda-feira (4/11) o final feliz foi anunciado em um evento no Ceará pelo Presidente do BC, Alexandre Tombini.
Quais os objetivos da nova lei?
Os serviços afetados pela nova lei são três: pagamentos via celular, cartão de débito pré-pago e “moedeiros virtuais”, que são como contas correntes, mas que operam via Internet — pense em PayPal, PagSeguro ou Google Wallet.
Além de definir regras básicas para o funcionamento desses serviços, alguns já em operação por aqui e outros em fase de testes, a lei brasileira passa a oferecer algumas garantias aos usuários. Com esse conjunto de diretrizes, espera-se que tais serviços se popularizem no Brasil e deem mais agilidade à economia.
Outra esperança do governo é que a facilidade desses meios, comparada à burocracia da conta corrente tradicional, estimule o brasileiro a se livrar do dinheiro em espécie e abraçar a tecnologia. “É mais fácil esquecer a carteira que o celular”, disse um comerciante que já aceita pagamentos via NFC na Grande São Paulo. Números oficiais também dão uma boa ideia de como nós somos avessos à praticidade: quase 40% dos brasileiros adultos não têm conta corrente.
Cá para nós: é bem mais fácil criar uma conta no PayPal do que ir a um banco, levar aquela papelada toda, conversar com o gerente, descobrir que esqueceu um papel, voltar… O governo concorda e, pensando lá na frente, imagina um futuro em que contas atreladas a celulares serão usadas também para o recebimento de benefícios de programas sociais, como o Bolsa Família. Como a maioria das ofertas desse tipo de serviço independe de sistemas e tecnologias modernas, como apps e NFC, é uma aposta realista, pé no chão.
As instituições interessadas em prestar esse serviço terão que conversar com o Banco Central e se submeterem à supervisão dele no prazo de 180 dias. Elas precisarão, ainda, deixar uma espécie de caução no BC para garantir os valores depositados pelos usuários em caso de quebra, como instituições bancárias fazem.
As ofertas de pagamento móvel das operadoras
As maiores operadoras de telefonia móvel do Brasil se anteciparam bastante à legislação e estão testando serviços de pagamento via celular há algum tempo. Algumas até já comercializam soluções. Veja o que cada uma tem, hoje, ou oferecerá em breve nessa área.
Meu Dinheiro Claro
Em parceria com o Bradesco, a Claro opera o Meu Dinheiro Claro. É preciso ir a uma loja física para fazer ou finalizar o cadastro, o que é meio chato. Além de ser cliente Claro, é preciso ter à mão CPF, RG e comprovante de residência.
Feito isso, o usuário pode transferir e receber dinheiro para/de outras contas do serviço, fazer compras em estabelecimentos credenciados, adquirir créditos para o celular e até realizar saques na rede de atendimento do Bradesco.
O funcionamento se dá através de um código USSD, o mesmo usado para conferir o saldo, o que significa que não há consumo de minutos ou dados nas operações. Digitando *444# surge um menu de opções e, para garantir a segurança, toda ação exige a entrada de uma senha de quatro dígitos. A maioria dos serviços é gratuita; apenas dois, transferência e saque, são cobradas. Pelo menos esses valores se convertem em bônus de minutos para falar com outros clientes Claro.
A seção de ajuda do site do Meu Dinheiro Claro traz orientações bem claras sobre como proceder a partir daí de acordo com a opção desejada. O serviço foi lançado mês passado em quatro cidades: Belford Roxo, São João de Meriti e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e Goiânia, em Goiás. A expectativa é que ele seja expandido para o Brasil inteiro no começo de 2014.
Oi Carteira
A Oi se gaba de ser pioneira nesse setor. Data de 2007 a primeira investida em pagamentos móveis, feita em parceria com a Cielo. Ao longo dos anos, o Banco do Brasil entrou na jogada e compõe, hoje, a oferta da empresa, o Oi Carteira.
O Oi Carteira é um sistema híbrido: dá para usar o celular para todas as ações permitidas (saque, transferência, compra e recarga de créditos), mas a Oi e o Banco do Brasil ainda mandam um cartão convencional de plástico para a casa do usuário. A operadora diz que seu sistema é “a única transação móvel aceita em larga escala no Brasil”, graças à Cielo — mais de um milhão de estabelecimentos com a maquininha dela aceita, também, pagamentos via celular com o Oi Carteira.
Diferentemente da Claro, a solução da Oi cobra uma tarifa mensal, de R$ 8, que se converte em créditos para falar ao telefone. Ela só é cobrada quando existe crédito suficiente na conta do usuário para cobrir o custo. Após a primeira recarga, é cobrada uma taxa de R$ 10 para a emissão do cartão. O plano contempla um saque gratuito por mês — os excedentes são mais baratos que na Claro, custam R$ 1 cada.
O funcionamento do Oi Carteira se baseia no SMS. São dois números, o 4004 e o 40040001. O site oficial informa exemplos de textos que desencadeiam as ações, e existe também uma animação que explica de forma didática os recursos disponíveis:
TIM Mobile Payment e Mobile Money
A TIM atua em duas frentes: uma em torno de pagamentos com celular via NFC, outra de pagamento via celular (conta virtual).
A primeira está em fase bem avançada. de testes. Eles começaram no início do ano e a previsão de lançamento comercial é para o primeiro trimestre de 2014. O TIM Mobile Payment tem um grupo de parceiros de peso: Itaú, MasterCard, Redecard, Gemalto, Bradesco, Visa, Motorola e LG. A TIM ressalta a importância da Gemalto devido à sua solução TSM, que permite a instalação remota e segura de recursos baseados em NFC e, segundo a operadora, é “fundamental” para o oferecimento desse tipo de serviço.
O TIM Mobile Payment funciona com NFC e se restringe ao pagamento por bens e serviços em estabelecimentos comerciais. Na hora de efetuá-lo, o comerciante insere o valor na máquina habilitada e o usuário apenas aproxima o celular dela. O valor é, então, cobrado da conta do cliente em um dos bancos parceiros — Itaú e Bradesco.
Já o TIM Mobile Money tem como parceiras a Caixa e a MasterCard. Ele é uma “conta pré-paga virtual” e se assemelha às soluções da Claro, Oi e Vivo: o usuário poderá fazer pagamentos, transferências e outras ações com o celular ou um cartão vinculado ao número do aparelho. A conta será gerida pela Caixa e o processamento dos pagamentos, pela MasterCard.
A TIM não dá, ainda, muitos detalhes nem um prazo para o início dessa operação, mas garante que graças às suas parcerias, quando estiver em funcionamento o serviço será aceito de pronto em mais de 1,5 milhão de estabelecimentos comerciais em todo o Brasil.
Zuum (Vivo)
A Vivo, em parceria com a MasterCard, tem o Zuum. Assim como as ofertas da Claro e Oi, trata-se de uma conta pré-paga virtual atrelada ao seu celular e, a exemplo da Oi, com cartão de plástico — mas aqui ele é opcional.
Com o Zuum é possível fazer compras, transferir e receber valores e inserir créditos na conta pré-paga do celular. O cartão, que custa R$ 14,90, é opcional e garante R$ 30 em créditos para conversar. A transferência de dinheiro para outra conta Zuum custa R$ 0,99 e o saque, R$ 6,90 sem nenhum gratuito, como na Oi — aqui tem a tabela completa.
Cadastro e operações são feitos via USSD, pelo número *789#. Não é preciso levar documentos a um estabelecimento físico; apenas a aquisição do cartão e o depósito de dinheiro na conta Zuum exigem que o usuário vá a um lugar específico.
O Zuum foi lançado em maio de 2012 e funciona nas seguintes cidades: Osasco, Sorocaba, Mogi das Cruzes, Jundiaí e Guarulhos, todas de São Paulo, e Belo Horizonte, Minas Gerais. O site oficial diz que ele estará disponível para o resto do Brasil “em breve”.
A Vivo ainda tem uma parceria com o PayPal que permite adquirir créditos usando esse sistema de pagamento, a primeira do tipo no mundo envolvendo o PayPal e uma operadora — segundo a Vivo. É possível criar uma conta no PayPal pelo celular, via mensagens USSD, e além da recarga de créditos, comprar e receber dinheiro por ali também.
Como a regulamentação do Banco Central afeta essas iniciativas?
Antes, uma tabela comparativa com as tarifas dos três serviços já em operação:

As operadoras responderam ao meu pedido para se posicionarem sobre a regulamentação do Banco Central. Ela afeta esses programas em testes ou já em funcionamento? Na prática, muda alguma coisa para os clientes? Aparentemente, não — as parcerias com instituições bancárias dão as garantias aos clientes exigidas pelo Banco Central e, assim, dispensam aquele procedimento de adequação pelo qual outras empresas independentes, como PayPal e PagSeguro, precisarão passar..
A Oi preferiu não comentar.
A TIM disse:
A TIM está analisando a regulamentação de serviços de pagamentos móveis estabelecida pelo Banco Central. A operadora entende que as novas regras passam, primeiramente, pelas instituições financeiras e irá conversar com seus parceiros para que os projetos em desenvolvimento se adequem ao que foi determinado.
A companhia ressalta que os serviços de pagamentos móveis são uma oportunidade de suportar o core business das operadoras de telefonia e – no caso da TIM – reforçar o seu posicionamento inovador, entregando ainda mais benefícios para os clientes e conferindo ao celular um novo uso mais abrangente. Por isso, está realizando projetos pilotos de pagamento com a tecnologia NFC – em parcerias com Itaú, MasterCard e Redecard e Bradesco, Visa e Cielo – e desenvolvendo um produto de mobile money (cartão pré-pago no celular), em conjunto com a Caixa Econômica Federal. Os lançamentos estão previstos para o próximo ano.
A Claro:
A Claro entende que a regulamentação da Lei para pagamentos móveis ajuda a estimular cada vez mais o acesso da população aos serviços bancários, especialmente o público não bancarizado. Um dos benefícios é a simplificação do modelo de cadastramento nas contas mobile, por meio de telefone ou via web.
Conversei com Maurício Romão, diretor de serviços digitais para B2C da Vivo, sobre o Zuum. Para ele a regulamentação do Banco Central dá mais tranquilidade às empresas que já atuam ou pensam em entrar nessa área de pagamentos via celular. O Zuum, uma joint venture, tem correspondido às expectativas e até superado algumas previsões, como o volume de gasto médio dos clientes. Romão espera que o Zuum e outros serviços supram a lacuna dos brasileiros que possuem renda, mas trabalham apenas com dinheiro em espécie, sem qualquer tipo de conta bancária.
É cedo para prever se o impulso das novas regras locais será sentido na prática, se os serviços de pagamento via celular terão a adesão do público e mudarão o cenário da economia nacional. Ainda existem incompatibilidades (não dá para transferir dinheiro entre operadoras concorrentes, por exemplo), e mesmo para vanguardistas ainda existe certo receio em aderir a essa nova modalidade. São os primeiros passos de algo que pode ter um impacto significativo na maneira com que lidamos com dinheiro.
Ilustração: Satoshi Kambayashi/The Economist. Agradecimentos ao Thássius pela revisão, valeu!