O robô do Google Meet

No final de agosto, o Google organizou o Cloud Next, uma conferência para clientes corporativos. Lá, lançou (mais) alguns recursos de inteligência artificial, dessa vez voltados ao trabalho.

Um deles é o Duet AI, uma espécie de assistente para o Google Meet.

O Duet toma notas em tempo real da reunião em curso e faz resumos para atualizar quem chega atrasado. Mais que isso: ele pode “participar” de uma reunião em seu nome. Um botão no Google Agenda, ao ser clicado, manda o robô no seu lugar.

Dá até para dar instruções à IA do que você gostaria de debater nessa reunião que… sabe como é… emergência aqui… foi mal, não posso ir… e ela passará seu recado aos colegas.

A primeira coisa que me ocorreu foi um cenário em que todos os participantes de uma reunião (que provavelmente poderia ter sido um e-mail) enviam seus robôs para participarem.

O Google também. Se isso acontecer, o Google Meet detecta a presença unânime de seres etéreos (ou a falta de gente de carne e osso) e encerra a chamada, poupando o mundo de mais uma reunião.

Bom demais, não? Ou não? Pensando melhor, o mais provável de acontecer é o chefe marcar a reunião para sexta-feira, às 17h, exigir a presença personalíssima de todos os ~colaboradores, mas mandar seu robô Duet AI. “Resolvam esse pepinão aí e depois a IA me atualiza”, dirá ele, com outros termos, por seu emissário virtual.

Talvez o Duet possa ajudar a modular o tom da mensagem do chefe: “Precisamos entregar esse job ainda hoje para bater o target do mês. Meu digital assistant vai dar um help.” Bem melhor!

Viver no futuro é uma droga.

Google, Meta e X decidem que usarão nossos dados e conteúdo para treinar IAs

O acordo entre pessoas e empresas da chamada web 2.0 já não era dos melhores: em troca de espaço para publicar na internet, conexão e alcance, cedemos nossos dados mais íntimos para que elas lucrassem horrores direcionado anúncios invasivos.

A explosão da inteligência artificial gerativa, liberada pela OpenAI e seu grande sugador de dados da internet, piorou os termos para o nosso lado.

De maneira unilateral, as big techs que veiculam conteúdo gerado pelos usuários alteraram seus termos de uso, garantido a elas o direito de usar os nossos dados para treinar IAs.

Google, Meta e, em breve, X (antigo Twitter). Não houve grandes anúncios nem nada do tipo. Coube à imprensa e aos ativistas pró-privacidade jogar luz nessas alterações faustianas.

A Meta disponibilizou um formulário que (supostamente) permite às pessoas excluírem dados pessoais de fontes/conjuntos de terceiros obtidas ou comprados pela empresa para treinar IAs.

Note a engenhosidade do texto: em momento algum a Meta diz que os dados em suas plataformas abertas (Facebook e Instagram) estão no pacote. Você usa Facebook? Instagram? Parabéns, você está treinando as IAs da Meta.

Esse “trabalho forçado” invisível não é novidade. Há mais de uma década, o Google treina seus algoritmos de computação visual com CAPTCHAs — aqueles desafios que nos pedem para identificar pontes, faixas de pedestres e carros em pequenas imagens borradas.

Quando muito, essas empresas pagam uma mixaria a trabalhadores precarizados em países do Sul Global.

A diferença desta nova fase de exploração generalizada com a IA gerativa, é a (falta de) transparência, abrangência e escala.

Até então, as big techs “apenas“ lucravam com os nossos dados. Agora elas querem mais que isso; querem nos usar para criar novos produtos que, depois, pagaremos para usar.

Também na China, IA se alimenta de trabalho precarizado

Quando trabalho existe em alimentar a inteligência artificial? Muito.

Para criar padrões de análise e oferecer respostas, os programas como ChatGPT ou MidJourney (de imagens) precisam de dados detalhados, estruturados e catalogados.

Esta tradução de Jeffrey Ding (do ChinaAI) de um artigo publicado na 南风窗 (South Reviews) conta a história de mulheres chinesas sem ensino superior, com filhos e morando no campo que estão fazendo esse trabalho — normalmente mal pago, mas que tem sido importante para complementar a renda da família.

A Shūmiàn 书面 é uma plataforma independente, que publica notícias e análises de política, economia, relações exteriores e sociedade da China. Receba a newsletter semanal, sem custo.

Trabalho plataformizado ainda está longe de ser justo no Brasil, aponta relatório do Fairwork.

O projeto Fairwork divulgou a segunda edição do relatório de trabalho plataformizado no Brasil. Em 2023, foram analisadas dez plataformas de diferentes segmentos, das quais apenas três pontuaram — AppJusto, iFood e Parafuzo.

O número é igual ao da edição 2022, mas com outros nomes (à exceção do iFood) e uma nova nota máxima, de 3/10 pontos, obtida pelo AppJusto, estreante na pesquisa. Em outras palavras, ainda há muito a ser feito para assegurar condições justas de trabalho a quem depende das plataformas digitais.

O relatório também chamou a atenção ao lobby intenso que as plataformas têm feito no país para “convencer a opinião pública sobre seu ponto de vista, muitas vezes de maneira sutil ou como washing — ou seja, tentativa de limpar a imagem”.

Evernote sofre novas demissões em migração para Europa.

A Bending Spoons fechou os escritórios do Evernote nos EUA e Chile, demitiu funcionários desses locais e migrou toda a operação do aplicativo de anotações para a Europa. A Bending Spoons tem sede na Itália e comprou o Evernote, por uma soma não divulgada, em novembro de 2022. Em fevereiro, 129 funcionários do Evernote haviam sido demitidos. O número de demissões desta vez não foi divulgado.

O CEO da Bending Spoons, Francesco Patarnello, disse em nota que “nossos planos para o Evernote são mais ambiciosos do que nunca”, mas… né, demissões em massa seguidas não costumam inspirar muita confiança. Via Bending Spoons, SFGate (ambos em inglês).

33–46% dos trabalhadores do Mechanical Turk usam inteligência artificial em suas tarefas.

Uma pesquisa descobriu que 33–46% dos trabalhadores da plataforma Mechanical Turk, da Amazon, estão usando inteligência artificial para completar as tarefas repetitivas e enfadonhas que costumam ser publicadas lá.

O MTurk é muito usado por empresas, entre outras coisas, para treinar IAs a um custo irrisório e sem encargos trabalhistas, ou seja, caminha-se para um circuito fechado de automação de tarefas repetitivas/enfadonhas. É a revolta dos precarizados usando as “armas” dos seus empregadores, hehe.

O pesquisador Manoel Ribeiro, um dos autores do estudo, alerta para o risco de que o treinamento de novos conjuntos de dados com IAs perpetue vieses e ideologias já existentes. Via @manoelribeiro/Twitter (em inglês).

CEO da IBM vai substituir quase 8 mil funcionários por inteligência artificial.

Em entrevista à Bloomberg, Arvind Krishna, CEO da IBM, disse que a empresa suspenderá contratações de cargos que ele acha podem ser substituídos por inteligência artificial. Nas contas do executivo, em áreas que não lidam diretamente com clientes, como recursos humanos, cerca de 30% dos trabalhadores podem ser trocados por uma IA. São cerca de 7,8 mil cargos que, ainda de acordo com Krishna, serão desativados nos próximos cinco anos. Via Bloomberg (em inglês).

A sangria da tecnologia é consequência de um “novo normal” que nunca chegou

Queremos conhecer quem ouve o Tecnocracia. Se puder, tire dois minutinhos para responder a primeira pesquisa demográfica do podcast. Ajuda bastante e não custa nada.

Em janeiro de 1953, estreou no Théâtre de Babylone, em Paris, a nova peça de um dramaturgo irlandês chamado Samuel Beckett. Na peça, dois mendigos passam dois atos conversando sobre a vida, interagindo com outros três personagens e esperando um sujeito que só conhecemos pelo nome. Dado que em janeiro de 2023 completaram-se 70 anos da estreia, não tem por que se preocupar com spoiler, não é mesmo? Então um leve spoiler para você: no fim, o tal Godot não aparece e os mendigos, Estragon e Vladimir, terminam a peça revoltados com a ausência, mas imóveis, incapazes de se movimentarem. Ambos, em outras palavras, se mantêm Esperando Godot, o que vem a ser o título da peça. Esperando Godot é um clássico do teatro moderno, reencenado centenas de vezes com diferentes abordagens e panos de fundo e dissecada atrás de significados políticos, psicológicos, filosóficos, sexuais…

Continue lendo “A sangria da tecnologia é consequência de um “novo normal” que nunca chegou”

A carta em que Zuckerberg anuncia a demissão de 10 mil funcionários da Meta é… uma coisa.

O grande executivo Mark Zuckerberg anunciou mais uma rodada de demissões em massa na Meta depois demitir, em dezembro, 11 mil pessoas. A carta de Zuck divulgada aos funcionários e publicada no site da empresa é… uma coisa.

Logo no início, Zuckerberg diz que espera “fazer essas mudanças organizacionais o quanto antes para que passemos por esse período de incerteza e foquemos no trabalho crítico à frente”, apenas para, no parágrafo seguinte, traçar uma linha do tempo que se estende até o final de 2023, com 10 mil demissões previstas concentradas entre abril e maio, mas que “em um pequeno número de casos” pode se estender pelo ano inteiro.

E essas mudanças não se aplicam aos escritórios internacionais da Meta, que… bem, só sabem que vem mais destruição por aí. Zuck não detalha como ela se dará.

Atenção a este outro trecho:

Todos os dias, a Meta cria novas maneiras para as pessoas se sentirem mais próximas. Essa é uma necessidade humana fundamental que talvez seja mais importante que nunca no complexo mundo atual. Um dia, esperamos possibilitar que cada pessoa sinta uma conexão forte da mesma maneira que você sente quando está fisicamente próxima a alguém que ama.

Muito bonito, ainda que impraticável. Aí descemos algumas linhas e o mesmo Zuckerberg, na mesma carta, manda esta:

Nossas análises preliminares de dados de desempenho sugerem que engenheiros que ingressaram na Meta no [trabalho] presencial e depois se transferiram para o remoto ou que permaneceram no presencial desempenham melhor, na média, do que pessoas que ingressaram remotamente. […]

Como parte do nosso Ano da Eficiência, vamos focar em entender mais e encontrar maneiras de garantir que as pessoas construam as conexões necessárias para trabalharem efetivamente. Enquanto isso, encorajo todos vocês a buscarem mais oportunidades de trabalharem com seus colegas presencialmente.

Pelo visto, as reuniões no metaverso usando headsets desengonçados de US$ 1,5 mil só servem para outras empresas.

Via Meta (em inglês).

Banidos retornam às redes sociais, demissões em massa nas big techs e entrevista com Celso Pinto, advogado de entregadores de aplicativos

Neste Guia Prático, Rodrigo Ghedin e Jacqueline Lafloufa comentam a onda de “perdões” a banidos em redes sociais — como Donald Trump, que voltará ao Facebook. Falam também das demissões em massa nas big techs. Por fim, Ghedin conversa com Celso Pinto, advogado de Belém (PA) que representa entregadores de aplicativos na Justiça.

Continue lendo “Banidos retornam às redes sociais, demissões em massa nas big techs e entrevista com Celso Pinto, advogado de entregadores de aplicativos”

Mudanças no 99Food, falência da Sis Express e regulamentação no governo Lula.

Alguns eventos importantes no setor de aplicativos de entregas/caronas das últimas semanas:

  • A 99 encerrou o serviço de delivery com entregadores parceiros. Agora, o 99Food funciona apenas como marketplace, ou seja, os entregadores são todos vinculados a restaurantes ou terceiros. Via Mobile Time.
  • A Sis Express, maior operador logístico (terceirizada/intermediária) do iFood no Brasil, faliu. Em novembro de 2022, o The Intercept denunciou as investidas abusivas da Sis Express e do iFood contra um entregador youtuber. Via iFood.
  • O governo Lula conseguiu um feito: agradar empresários do setor e representantes dos entregadores/motoristas. O desafio agora é convergir as promessas feitas aos dos lados da mesa. Via Folha de S.Paulo.

Spotify demite 600 funcionários; responsável por podcasts pede demissão.

Chegou a vez do Spotify demitir em massa. Nesta segunda (23), o CEO da empresa sueca, Daniel Ek, anunciou um corte de 6% dos quase 10 mil funcionários.

Dawn Ostroff, até então diretora de conteúdo e publicidade, responsável por “aumentar em 40 vezes o nosso conteúdo em podcasts”, pediu demissão. Sua saída parece não ter relação com as demissões em massa, mas foi anunciada no mesmo comunicado de Ek.

Não é o primeiro abalo que a vertical de podcasts sofre. Em outubro do ano passado, o Spotify demitiu 1/3 dos funcionários dos estúdios que havia comprado, Gimlet e Parcast, e cancelou 11 podcasts. Os sindicatos dos dois estúdios culparam falta de apoio e a restrição do acesso aos programas ao Spotify pela queda de audiência.

Ek usou a mesma desculpa dos outros CEOs — esperava que o crescimento da pandemia se mantivesse, corte de custos, “assumo total responsabilidade”, blablablá —, mas talvez o podcast enquanto mídia esteja passando por uma ressaca: o volume de lançamentos despencou mais 80% em 2022 no comparativo com 2020, segundo dados do Listen Notes compilados pelo Chartr. Via Spotify, The Verge, @Jason/Twitter (todos em inglês).

Perderemos nossos empregos para o ChatGPT?

O ChatGPT, inteligência artificial gerativa da OpenAI, foi lançada em novembro de 2022 e deixou todos de boquiaberto: ela cria textos coerentes a partir do nada. Nossos empregos, de quem vive da escrita, estão ameaçados?

Continue lendo “Perderemos nossos empregos para o ChatGPT?”

Ser otimista ao ver o ChatGPT exige criatividade

Tem sido um trabalho inglório ser otimista hoje em dia. Depois de dois anos no papel de pessoa que “pensa positivo” ou “vê algo bom” como co-apresentadora do podcast Guia Prático ao lado do Rodrigo Ghedin e em trocas frequentes com o Guilherme Felitti, tenho ficado cada vez mais sem argumentos, sem defesa.

Também pudera: junto com o avanço na carreira, veio também menos deslumbramento com o cenário de tecnologia. Se no passado olhava maravilhada para algumas novidades (um computador de bolso que vai mudar nossas vidas pra melhor, celebrava na época dos áureos lançamentos de Steve Jobs), hoje as novidades vêm um pouco mais agridoces.

Continue lendo “Ser otimista ao ver o ChatGPT exige criatividade”

Meu trabalho em risco

Alguns séculos depois, sinto hoje o que artesãos e pequenos produtores ingleses devem ter sentido quando viram chegar as primeiras máquinas e serem inauguradas as primeiras fábricas durante a Revolução Industrial.

Tecnologia recente, as inteligências artificiais (IA) gerativas representam uma ameaça a trabalhos intelectuais que, até pouco tempo atrás — coisa de cinco anos — pareciam garantidos frente à automação avassaladora do trabalho.

Não mais. IAs como o ChatGPT, as do tipo LLM (de “large language model”), são capazes de gerar textos originais coerentes a partir de “prompts” (enunciados) curtos escritos por humanos.

Continue lendo “Meu trabalho em risco”