Revista Real Life encerra operações.

A revista Real Life anunciou o encerramento das suas atividades nesta terça (6). O comunicado foi feito na newsletter e, segundo o editor Rob Horning, o fim se deve à falta de financiamento.

A Real Life surgiu em 2016, bancada pela Snap (do Snapchat). Não sei se nesses seis anos a revista diversificou sua fonte de receita, mas o anúncio coincide com um momento delicado da Snap: semana passada, a empresa anunciou um corte de 20% da força de trabalho e o fim de várias iniciativas paralelas ao aplicativo principal. Se for o caso, é mais um projeto editorial bancado por uma empresa de tecnologia que é abandonado ao primeiro sinal de crise — em junho, aconteceu com o LABS/Ebanx.

Era uma ótima publicação. O Manual do Usuário mantinha uma relação frutífera com a Real Life, traduzindo e republicando alguns ensaios fascinantes (veja o arquivo). O arquivo da revista, em inglês, ficará disponível por tempo indeterminado.

Fará falta. Via Real Life (newsletter), The Verge (ambos em inglês).

Inventando o naufrágio: A abordagem pessimista da tecnologia na obra de Paul Virilio

Pouco antes de mudar de nome, a empresa de tecnologia anteriormente conhecida como Facebook experimentou o que chamou de “inconveniência”. O que é uma forma bastante suave de descrever “alterações de configuração nos routers de backbone” que resultaram na indisponibilidade do Facebook (juntamente com as plataformas Instagram e WhatsApp, de sua propriedade) durante cerca de seis horas, em 4 de outubro de 2021. A experiência da interrupção não foi uniforme: o que para alguns foi principalmente uma desculpa para desdenhar outra leva de más notícias para o Facebook, para outros foi uma séria perda de acesso a plataformas essenciais. Assim que o Facebook voltou, Mark Zuckerberg pediu desculpas “pela interrupção”, observando saber “o quanto vocês dependem dos nossos serviços para se manterem ligados às pessoas com quem se importam”. E, sem demora, a interrupção era apenas mais um ponto no retrovisor, enquanto o Facebook acelerava em direcção ao metaverso.

Não foi que a “interrupção” não fosse importante, mas sim que (como diz o provérbio) “merdas acontecem”.

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Dinheiro por nada

O recente falatório sobre NFTs produziu, em grande medida, muita confusão. Em quase todos os artigos, NFTs são enquadrados como um fenômeno tecnológico incrivelmente complicado que exige uma explicação cuidadosa, em vez de uma blablablá entediante que nos impede de focar. Essa dissonância gera dúvidas. Você pode dizer a si mesmo(a): “Ok, o que entendi disso parece ridículo, mas é um negócio de alta tecnologia e parece que está rolando uma grana alta, por isso talvez eu esteja deixando escapar alguma coisa?” Leitor(a), você não está. NFTs são tão absurdos e banais quanto você provavelmente acha que são.

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Sobrecarga de experiência

Um repórter entra numa loja da Baixa Manhattan para explorar um “experimento curioso em entretenimento público”. Ele é levado a um espaço parecido com um estúdio banhado por luzes coloridas. Música estranha emana de alto-falantes invisíveis enquanto membros da equipe com vestimentas que lembram togas distribuem brinquedos, caleidoscópios e balões, cujo propósito permanece desconhecido. “Estamos tentando derrubar todas as convenções de entretenimento”, proclama o carismático jovem fundador do lugar a título de explicação — com exceção do ingresso superfaturado, o repórter descobrirá mais tarde.

Esta cena não ocorreu no Museu do Sorvete, no Snark Park, no 29 Rooms ou em nenhum dos atuais espaços fotogênicos e multissensoriais de lazer urbano. Na verdade, nem sequer aconteceu neste século. Aconteceu em 1968, quando um repórter da revista Time foi a um evento psicodélico de curta duração no SoHo chamado Cerebrum. Tal qual seus descendentes contemporâneos, o Cerebrum era difícil de categorizar, mas acabou por ser descrito com um termo abrangente hoje familiar. “Qualquer definição que tenha — e talvez não possa ter uma”, escreveu o repórter da Time, “o Cerebrum é uma experiência”.

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Por que apago meus tweets antigos

Nota do editor: Desde que comecei a apagar meus tweets, o assunto tem chamado a atenção de alguns amigos e colegas. Foi tema de um podcast aqui e, embora a minha motivação não seja exatamente igual à do Rob, que assina o texto abaixo, compartilho de vários dos seus argumentos. Em nota relacionada, a ferramenta que usei para apagar todos os meus tweets, o Cardigan, deixará de funcionar a partir de 1º de agosto devido a mudanças na API do Twitter. Achei a ocasião oportuna para publicar este relato.

Comecei a apagar meus tweets antigos. Isso é algo que tenho a intenção de fazer por algum tempo, não por qualquer razão em particular, mas por um senso geral de higiene digital — parece uma boa ideia desmantelar arquivos de materiais pessoais que estão abertos ao escrutínio de algoritmos de aprendizado de máquina e outros adversários. É impossível saber quais conclusões a nosso respeito podem ser derivadas de algum processamento agregado do que na época pareciam ser piadas aleatórias, trocas casuais e links compartilhados.

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O que se perde quando “vemos Netflix” em vez de filmes

Cada vez mais os livros não têm capas: o rápido crescimento de tablets e e-readers fez com que mais livros fossem lidos em telas que não enfatizam a capa como um identificador visual e um delimitador físico. Uma capa já representou a individualidade tangível de um livro, sua discrição. Agora, nas telas, as capas persistem como imagens retangulares vestigiais, ornamentando de maneira supérflua resultados de busca ou PDFs. Essa mudança de ênfase significa que os leitores se envolvem mais diretamente com os próprios textos, em vez de julgar os livros por suas capas, como adverte o clichê? Cinquenta Tons de Cinza e livros de autoajuda ganharam popularidade em aparelhos pós-capa. Estamos finalmente livres para ler o que realmente queremos, seguros em saber que ninguém pode nos julgar?

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Bicicletas e patinetes nas calçadas, carros autônomos na vizinhança e a inevitabilidade do Algoritmo

Em uma famosa imagem dos protestos da Praça da Paz Celestial em 1989, um homem confronta uma fila de tanques de guerra para protestar contra um governo autoritário que declarou lei marcial em parte para afirmar seu controle sobre o espaço público. Em 2018, no Arizona, Estados Unidos, outro homem se impôs:

Charles Pinkham, 37, estava parado na rua em frente a um veículo da Waymo, em Chandler, em uma noite de agosto, quando foi abordado pela polícia.

“Pinkham estava muito intoxicado e seu comportamento variava de calmo a agressivo e agitado durante o meu contato com ele”, escreveu o policial Richard Rimbach em seu relatório. “Ele afirmou que estava cansado dos veículos da Waymo rodando em sua vizinhança e aparentemente achou que a melhor ideia para resolver o problema era ficar parado na frente desses veículos.”

Seu protesto não foi inteiramente em vão:

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A Amazon quer que todos sejamos consumidores o tempo inteiro

Todos os dias, o imperativo de perceber a si mesmo como um consumidor cresce em toda uma gama de experiências e instituições: nos shoppings e nos centros de negócios que substituíram praças e parques públicos; nas escolas e hospitais, onde as ofertas são criadas não para o bem-estar social geral, mas para a escolha individual do consumidor e o que cada um pode pagar; e nas academias de ginástica, onde exercícios, nutrição e outras formas de bem-estar foram redefinidas como escolhas pessoais de estilo de vida. Continue lendo “A Amazon quer que todos sejamos consumidores o tempo inteiro”

Tribunal do júri

Nota do editor: Adam Kotsko é professor assistente do Shimer College, em Chicago, e autor de livros sendo o mais recente The Prince of This World (sem tradução no Brasil).


A maioria de nós provavelmente assistiu ao filme A Rede Social, ou ao menos ouviu falar sobre como ele retrata os primeiros momentos do Facebook. Uma noite, um entediado Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) programa — dramatizado no estilo holywoodiano como digitar muito rápido — um site que permite aos visitantes julgar o quão gostosas são as mulheres de Harvard. Ele se prova tão popular que ameaça derrubar toda a rede de computadores da universidade. Essa foi a semente do Facebook, um gostinho do que viria a ser um sucesso mundial. Continue lendo “Tribunal do júri”