Revelações no julgamento que acusa o Google de monopolizar o mercado de buscas

Começou, nos Estados Unidos, o julgamento antitruste mais importante desde o da Microsoft, no final dos anos 1990.

O Departamento de Justiça (DoJ) acusa o Google de práticas abusivas para estabelecer e manter o monopólio do seu buscador web. (Um bom resumo no The Verge, em inglês.) O julgamento deve durar 10 semanas.

O foco do DoJ está nos acordos que o Google mantém, desde pelo menos 2010, com empresas como Apple, Mozilla e fabricantes de celulares Android, a fim de garantir que seu buscador seja a opção padrão em navegadores web.

É um caso difícil. A lei antitruste norte-americana prioriza o não prejuízo ao consumidor, em especial o financeiro. E o Google é, para esse público, gratuito.

Além disso, em pendengas recentes que chegaram aos tribunais norte-americanos envolvendo big techs, como o caso Apple vs. Epic Games (de Fortnite) e a compra da Activision Blizzard pela Microsoft, as grandes saíram vitoriosas.

Ainda que não dê em nada, o caso importa por colocar o Google sob os holofotes e na defensiva, o que ajuda a desnudar detalhes suculentos de como a empresa age de má-fé.

O DoJ trouxe conversas internas do Google em que executivos orientam e são orientados a evitarem termos que sugiram o monopólio nas buscas online. Em outra conversa, foi solicitado que o histórico de mensagens fosse desativado para tratarem do assunto.

Atitudes normais de negócios, nada suspeito… né.

Por coincidência, o Wall Street Journal divulgou, na mesma semana em que teve início o julgamento do Google, documentos internos da ExxonMobil, a petroleira norte-americana que descobriu e negou, por décadas, a emergência climática decorrente, em grande parte, da queima de combustíveis fósseis.

Neles, Rex Tillerson, ex-CEO que em 2006 que reconheceu o papel da empresa e das petroleiras no aquecimento, parece outra pessoa, muito diferente da sua persona pública. Ele conspira para desacreditar e atrasar pesquisas contrárias aos interesses da Exxon.

E ainda tem gente que acha que corrupção é uma mazela exclusiva do setor público…

Enxurrada de pedidos “inócuos” em ações contra a Meta leva juiz a pedir para que parem de tumultuar

O juiz da 29ª Vara Cível de Belo Horizonte, José Maurício Cantarino Villela, proferiu uma decisão (íntegra) nas ações coletivas que o Instituto Defesa Coletiva moveu contra a Meta implorando às pessoas para quem parem de protocolar pedidos para participarem das ações.

São quelas em que o mesmo juiz sentenciou a Meta a indenizar em R$ 5 mil todo brasileiro que tivesse conta no Facebook e/ou WhatsApp entre 2018 e 2019.

A notícia, divulgada com pouco cuidado por diversos veículos de comunicação, gerou uma enxurrada de pedidos inadequados de “habilitação” nas ações em curso.

Em texto destacado, o juiz Villela indeferiu todos esses pedidos e fez ele próprio um:

Recomendamos, também, que cesse a apresentação de requerimentos de “habilitação” nos autos da ACPCiv no 5064103-55.2019.8.13.0024 e da ACPCiv no 5127283-45.2019.8.13.0024, visto que essas peças processuais, além de causarem tumulto e dificultarem o trâmite processual, são inócuas para se alcançar a finalidade pretendida pelos peticionantes.

Ele também indeferiu “os futuros requerimentos que venham a ser apresentados nas mesmas condições”.

Essas petições, segundo o juiz, “têm sido contraproducentes, bem como comprometem a prestação do serviço judicial de forma célere e efetiva”.

O caminho correto, em casos como esse, é o de apresentar uma execução independente das ações coletivas originárias, em qualquer comarca do Brasil. Nela, o exequente deverá comprovar que tinha conta no Facebook/WhatsApp à época dos vazamentos que são objeto da ação.

O prazo prescricional para execuções do tipo é de cinco anos a partir do trânsito em julgado, ou seja, tem tempo de sobra, visto que as ações coletivas sequer chegaram nessa fase.

Ainda, na mesma peça os interessados pessoas físicas são orientados a aguardar o trânsito em julgado (o fim das possibilidades de recurso) porque, caso a sentença seja reformada (alterada) em instâncias superiores, o(a) beneficiário(a) pode ser obrigado a devolver a indenização.

Relembrando, o entendimento corrente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que danos morais decorrentes do vazamento de dados pessoais não são presumidos, ou seja, a pessoa que quiser pleitear a indenização teria que provar que o vazamento lhe causou algum transtorno.

Alguns advogados têm orientado interessados na indenização de que o artigo 42, § 2º da Lei Geral de Proteção de Dados embasaria a indenização pelo dano moral individual presumido, ou seja, sem a necessidade de demonstrar prejuízo efetivo pelo vazamento de dados, cabendo à Meta provar que não houve.

Ainda que esse entendimento não seja descartável de pronto, a discussão no processo de execução é nova, e caberá ao juízo de cada ação nova interpretar a situação. Como baliza, deverão usar o entendimento vigente do STJ, que, como demonstrei aqui, é o de que não se presume dano moral individual por vazamento de dados pessoais não classificados como sensíveis (art. 5º, II, da LGPD).

Por fim, é bastante atípico — para não dizer incorreto — fixar o valor do dano moral individual numa ação coletiva. Afinal, a intensidade do dano sofrido varia de pessoa para pessoa.

O papel da big tech nas eleições brasileiras de 2022, parte 1

Perto das 19h30 do dia 1º de dezembro de 2022, o coronel Jean Lawand Junior, subchefe do Estado-Maior do Exército, abriu o WhatsApp e gravou uma mensagem de áudio para um colega do Exército. Nela, não existe espaço para subjetivo: Lawand clama para que “ele dê a ordem que o povo tá com ele”.

O “ele” na mensagem se referia ao ainda Presidente da República, Jair Bolsonaro, a um mês de sair do Palácio após ser derrotado nas urnas cinco semanas antes pelo agora presidente Lula. O destinatário da mensagem de Lawand era o tenente-co­ronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cid era uma espécie de braço direito, faz-tudo do ex-presidente — onde estava Bolsonaro, estava Cid a tiracolo carregando pasta, celulares e afins.

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Justiça decide que financeira não pode bloquear celular de devedor.

A Justiça do Distrito Federal decidiu que é ilegal às empresas financeiras “sequestrar” o celular de consumidores inadimplentes. A grande ideia — de fazer Orwell se revirar no túmulo, de inveja — consistia em obrigar o consumidor a instalar um app ao tomar um empréstimo que, em caso de não pagamento, bloqueia funcionalidades do aparelho.

A ação foi movida pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e Idec. Ainda cabe recursos. Via Convergência Digital.

Justiça condena Meta a indenizar advogado vítima de conta falsa no WhatsApp.

Um juiz de Santa Adélia (SP) condenou a Meta a indenizar um advogado em R$ 5 mil e excluir perfil falso no WhatsApp que usava a foto dele para tentar aplicar golpes. O expediente usado pelos estelionatários virou uma epidemia por aqui — eu mesmo já fui usado de “isca” em uma tentativa de golpe do tipo. Se a moda pega… Via Migalhas.

Inteligência artificial no banco dos réus

Um escritório de advocacia da Califórnia, processou a OpenAI e o Google por infringirem direitos autorais e a privacidade no treinamento dos seus chatbots, ChatGPT e Bard.

Em outra ação, a comediante e escritora Sarah Silverman e outros escritores processaram a OpenAI e a Meta pelo mesmo motivo. Aqui, a alegação é de que as empresas usaram cópias piratas de seus livros, de repositórios como Z-Library e Biblotik, para treinarem os algoritmos do ChatGPT e LLaMA.

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Twitter ameaça processar Meta por Threads.

Um advogado do Twitter enviou uma carta à Meta ameaçando processar a empresa pelo lançamento do Threads. Diz o texto que ex-funcionários do Twitter, contratados pela Meta, teriam desviado propriedade intelectual para criar a nova rede social.

Só que, segundo Andy Stone, diretor de comunicação da Meta, ninguém da equipe de engenharia do Threads já trabalhou no Twitter. Via Semafor (em inglês).

Atualização (7/7, às 8h30): A fonte anônima do Semafor agora tem nome e cargo. A nota foi atualizada.

Europa decide que personalização de anúncios da Meta viola lei de privacidade.

O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu nesta terça (4) que a Meta precisa da autorização explícita dos usuários europeus para rastrear e processar dados pessoais para personalização de anúncios, rejeitando todos os artifícios e contorcionismos jurídicos que a empresa usava desde a entrada em vigor do GDPR — a lei de proteção a dados pessoais da UE —, em 2018, para sustentar suas práticas comerciais abusivas.

No TechCrunch, Natasha Lomas aproveitou o feriado nos Estados Unidos para pegar no pé de Zuckerberg e companhia: para os europeus, 4 de julho passa a ser o dia da independência — do capitalismo de vigilância norte-americano. Via TechCrunch, Fortune, noyb (todos em inglês).

FTC processa Amazon por enganar consumidores e forçar assinatura do Prime.

A FTC abriu um processo contra a Amazon nesta quarta (21). O órgão, espécie de Cade dos Estados Unidos, acusa a Amazon de enganar consumidores a fim de forçá-los à assinatura do Prime e de dificultar seu cancelamento. Esse procedimento, segundo reportagem do site Insider, é conhecido dentro da Amazon como “Ilíada”, referência ao trabalho homérico exigido do consumidor que não quer mais o Prime. Via FTC (em inglês).

Comissão Europeia acusa Google de monopólio em publicidade digital.

A Comissão Europeia (CE) abriu um processo antitruste contra o Google por abuso de poder no mercado de publicidade. O comunicado à imprensa explicita que o resultado almejado pelo bloco continental é separar os negócios de publicidade do Google, o mesmo desfecho que os Estados Unidos desejam no processo similar aberto contra a empresa em janeiro. O comunicado da CE é didático, com detalhes e até infográficos para demonstrar os abusos cometidos pelo Google. Via Comissão Europeia (em inglês).

União Europeia aplica multa recorde à Meta — € 1,2 bilhão (~R$ 6,5 bi).

A União Europeia multou a Meta em € 1,2 bilhão (~R$ 6,5 bilhões). O motivo é a transferência de dados de usuários europeus do Facebook para os Estados Unidos. Além da multa, o bloco deu seis meses para que a Meta cesse a transferência de dados entre Europa e EUA.

É a maior multa já aplicada pela União Europeia com base no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês). Andrea Jelinek, chair do Conselho de Proteção de Dados Europeu (EDPB), disse que “a multa sem precedentes é um forte sinal para empresas de que infrações sérias têm consequências de longo alcance”.

Em resposta, executivos da Meta fizeram objeções à decisão em um post no site da empresa. “A capacidade dos dados serem transferidos pela fronteiras é fundamental para o funcionamento da internet aberta global”, escreveram.

E… talvez a Meta tenha um bom argumento aqui? Embora o EDPB tenha fundamentado a decisão no artigo 46(1) do GDPR, que permite a transferência de dados a outros países desde que haja salvaguardas apropriadas e remédios legais estejam disponíveis (leia-se: evitar a espionagem estrangeira), dizendo que a Meta foi negligente “no mais alto nível”, a punição determinada pode, sim, inviabilizar o funcionamento do Facebook na Europa.

A Meta vai recorrer. A empresa espera, porém, que as tratativas entre EUA e União Europeia a respeito de um acordo de transferência de dados, iniciadas em 2022, sejam formalizadas antes do fim do prazo de seis meses. Um acordo do tipo, conhecido como Privacy Shield, foi invalidado pela suprema corte europeia em 2020 após ser questionado por um ativista austríaco, Max Schrems. Via EDPB, Meta, New York Times e Ars Technica (todos em inglês).

A tensão entre as instituições brasileiras e as big techs

Neste episódio do Guia Prático, recebo Paulo Rená, do Aqualtune Lab, para uma conversa animada a respeito do PL 2630/20 (PL das fake news), a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, contra o Telegram, e a crescente tensão entre os poderes da República e as big techs no contexto da regulação das plataformas digitais no Brasil. No final, Rená comenta duas iniciativas de inclusão muito bacanas: a AkObEn — Antirracismo na Organização de Eventos, da Aqualtune Lab, e Mulheres na Governança da Internet, do IP.rec e Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS).

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Na última semana, o Manual do Usuário ganhou cinco novos apoiadores: Rodrigo de Campos, Sergio Luiz Tutui, Rui Vilarinho, Silvio Junior e Bruno Rocha. Obrigado!

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Música de abertura: Free Jazz, de Steve Combs.

Regulação das plataformas digitais entra em fase caótica com interferências de STF e governo federal.

Não é só o Congresso Nacional que tenta regular as plataformas digitais. Em paralelo, os outros poderes tentam influenciar o debate legislativo e agir por conta própria.

A decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes nesta quarta (10), contra o Telegram, parece uma interferência arbitrária. Leia na íntegra (PDF).

Leitura leiga e inicial do texto não encontra fundamentação jurídica. Moraes refere-se a decisões do próprio Supremo, ao famigerado inquérito das fake news que corre no STF e a certa “imoralidade” para justificar a ameaça de suspender o Telegram por 72 horas, caso a empresa não se retrate da mensagem lamentável enviada a seus usuários na terça (9).

Em tons mais republicanos, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, pautou o julgamento das ações que contestam a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, o da responsabilidade das plataformas por conteúdo gerado por usuários, para a próxima quarta (17). O resultado pode embolar o meio-campo da votação do PL 2630/20, o PL das fake news, ainda sem data para ir à votação.

O governo federal, por sua vez, tem usado a Senacon (ligada ao Ministério da Justiça) para agir contra as investidas irresponsáveis das big techs, como Google e Telegram. A justificativa da prensa dada no Google, por exemplo, de que ela feriria o Código de Defesa do Consumidor, é classificada por alguns especialistas como “malabarismo jurídico”.

Por fim, o adiamento da votação do PL das fake news, que pegou a todos de surpresa, deixa-nos todos apreensivos. O primeiro fatiamento, anunciado nesta terça (9), que separa o assunto da remuneração dos jornais pelas plataformas, não é ruim — era um tema estranho ao texto original e grande, importante demais para estar no PL 2630/20. Merece, de fato, uma lei própria e um debate à parte. O que virá depois, porém, é uma incógnita. Via Poder360, Folha de S.Paulo.

Telegram protege criminosos, não a liberdade de expressão, ao recusar colaboração com a Justiça

No despacho em que determinou o bloqueio do Telegram em todo o território brasileiro, o juiz federal Wellington Lopes da Silva, do Espírito Santo, afirmou que o aplicativo “se limitou a negar o fornecimento dos dados requisitados sob alegação genérica de que ‘o grupo já foi deletado’”.

Desde a noite de quinta-feira (26), o aplicativo está inoperante no país. A medida é extrema, mas não é ilegal. Ela é prevista no Marco Civil da Internet (MCI), no artigo 11, III.

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