Aqui tem aparecido vários textos sobre a solidão moderna, o que também envolve as discussões sobre trabalho remoto. Com qualquer problema complexo e desse porte, há vários fatores que contribuem e o trabalho era um dos últimos lugares que sobraram para criação de relações.
A religião tinha um papel importante na formação de comunidade e relacionamentos, mas é algo que tende a ser cada vez menos presente. A formação de famílias é cada vez mais raro, por questões sociais e econômicas, que não devem mudar. Cidades grandes nunca formaram comunidades também e seguem atraindo a população.
O trabalho sobrou como o único lugar mais comum e perene de formar comunidade – há outras N novas oportunidades como clubes, esportes, curso, hobbies, comunidades online – mas são coisas que cada um precisa correr atrás. Talvez a família “expandida” (e.g. primos, tios) ainda sigam relativamente estáveis.
Eu entendo que o Paulo comenta que o escritório não é o lugar que se vai para formar amizades, mas nessa escassez, é uma das oportunidades. Graduação não é para fazer amizades, mas há uma expectativa enorme de se formar amigos também.
Não estou dizendo que deveríamos voltar a trabalha presencial como solução, mas acho que essa discussão não é apenas sobre produtividade, mas sobre esse cenário maior de isolamento.
Creio que o sentimento de solidão é muito além do que convivência (laboral, religiosa, terapia em grupo, eventos esportivos, dentre outros). Não se sentir só é ter alguém em quem confiar, ajudar e ser ajudado, compartilhar sentimentos (alegrias, remorsos, desejos, etc.) e não faz diferença o local em que esse laço é construído e fortalecido, muito menos quanto irá durar essa relação que, por inúmeras casualidades da vida, pode afastar as pessoas. O mundo mudou, está mais dinâmico e isso afeta inclusive a forma como nos relacionamos. E não interpretem, por favor que, o que quero dizer é que com isso devemos nos entregar às redes sociais, porque na minha perspectiva, estas mantêm a nostalgia de algo positivo que aconteceu e pode não voltar mais; a presença, o olhar, o abraço é que faz toda a diferença para nos afastar da solidão.
Sem querer bancar o inocente nem soar piegas, a cada dia tenho tido a convicção de que temos que aprender a sermos felizes sozinhos e saber nos relacionar em qualquer ambiente, na oportunidade que surgir, sem expectativas e sem medo de ser feliz. Simples de dizer, complexo de se aplicar, porque nos obriga a mostrar quem realmente somos, aceitar a verdade do outro e sintetizar o que foi proveitoso daquela relação vivida, a fim de que cresçamos como pessoas e vivamos novas relações.
Só de começar pela premissa de que o trabalho não é um lugar que vc escolhe estar mas sim PRECISA estar já refuta qualquer característica social. Toleramos o colega apenas para tornar a convivência mais suportável.
Quem acha que faz amizade em local de trabalho ou é ingênuo ou não quebrou a cara ainda. Só pensar um pouco, fora daquela condição quais seriam as chances de vc e o colega de aproximarem? A maior parte das vezes é pequena. Isso sem falar em condições exploratórias que se estabelecem quando existe esse vínculo, complicado.
Mas não duvido funcionar para quem se satisfaz com superficialidade e aparência
Mas o que você escolhe? A família você não escolhe e todos os demais locais sociais – assim como o trabalho inclusive – estão fortemente restritos por condições sociais e econômicas: escola, igreja, graduação, bairro, país, etc….
Tudo isso você escolhe muito pouco, isso quando tem alguma escolha. O trabalho é só mais uma dessas, que você só tem mais escolha quando está em condições privilegiadas.
Novamente: isso não é para qualquer outra coisa? Os locais de relacionamentos são construídos ao acaso, limitados por N motivos.
No trabalho, é comum as pessoas compartilham da mesma carreiras e interesses, isso já é um ponto de partida em comum. Família, faculdade, bairro, etc…todos esses lugares tem algum ponto em comum que são um ponto de partida.
Os amigos de infância são as pessoas do bairro e escola, você “escolhe” nesse universo em comum. Talvez você faria amigos “melhores” em outro bairro? Estatisticamente, é praticamente certo que sim.
Concordo que a dinâmica de trabalho não é o melhor lugar, um dos piores na verdade, mas os relacionamentos são circunstancias em sua maioria e não criados em ambientes otimizado para isso.
Sempre que posso leio sobre as experiências alheias em home office (escrevo isso enquanto trabalho presencialmente, inclusive) e acho bem interessante os diferentes pontos de vista, inclusive quem defende o presencial por causa das amizades, trocas de experiências e etc. Trabalhei 3 meses em casa durante a pandemia e não senti falta da socialização, e até falo sobre isso na terapia, da minha falta de necessidade do bate papo do dia a dia. Mas não sei até que ponto o trabalho presencial supre a necessidade de quem precisa ou gosta dessa socialização.
Recomendo um livro: “A ética protestante e o espírito do capitalismo” do Max Weber. Nesse livro o autor se debruça sobre esse sentimento de pertencimento que o capitalismo e a doutrina protestante criaram na sociedade dos EUA. É muito bom e explica muito do que vemos até hoje por lá. Ja vi ele de graça na Amazon pro Kindle, inclusive.
Outra questão é que se estamos dependendo do trabalho como fonte de sociabilidade e amizades, estamos muito mal na vida. A doença moderna, chama de capitalismo tardio, está exterminando o que entendemos como comunidade e sociedade, e o pior, estamos (socialmente) defendendo a ideia de que o trabalho é o local para se formar laços (como se eles não fossem capazes de serem formados online, mas essa é outra questão) duradouros.
Tem quem consiga, claro. Mas até hoje, os meus laços fora da minha família são de amigos de infância. Pessoas da mesma classe social que a minha, com a mesma vivência e com os mesmos problemas e anseios. Esse é o meu mundo. Onde eu me sinto bem. Num escritório eu quero trabalhar, ser pago e voltar pra minha casa pera descasar. Uma relação profissional sadia. E isso pode ser feito de casa, sem problemas.
Sinto que suas experiências em escritórios foram meio traumáticas, Paulo. Eu concordo com a premissa básica, de que o trabalho não deveria ser o centro da vida de ninguém, mas acho que, excluindo casos abusivos ou desequilíbrios (e, claro, colocando sempre o bem-estar do trabalhador como ponto de partida para o debate), o ambiente profissional pode ser um acréscimo importante e também saudável na vida de alguém.
Por exemplo, quando você diz que:
Concordo que isso é importantíssimo, mas não seria um posicionamento que exclui, mitiga ou demoniza o contato com o diverso? Para mim, dialogar e ter vislumbres das vidas de outras pessoas é uma maneira super potente de aperfeiçoar a minha visão de mundo, de entender os problemas macro e individuais e de ampliar a empatia (e a antipatia também, em alguns casos). De todo modo, é uma troca enriquecedora e algo que o trabalho, dependendo de qual estamos falando, facilita um bocado ter.
Acho que entendo um pouco a questão do Paulo, pois a experiência das pessoas são diversas.
O que muitas vezes escuto de papos sobre o trabalho em um transporte público é muitas vezes rugas com colegas de trabalho. Por mais que de fato se faça “amigos” em um espaço de trabalho, isso varia realmente muito de situação e pessoa. O que tem as vezes são conflitos também Não tive as melhores experiências quando empregado CLT, não que não fiz “amigos”, mas tal como o Paulo, minha cabeça era ir trabalhar e depois ir embora.
Na cabeça de alguns, é ir para o “happy hour” se socializar, “fazer networking”… bem, é de cada cultura e ok se a pessoa não quer também.
Talvez o ponto onde se quer chegar é que uma coisa é estar em um espaço “comunitário”, com pessoas que são próximas a ti por uma convivência (geralmente familiares, amigos e vizinhos em uma vizinhança). Outra é estar em um espaço de trabalho, que pode até ser comunitário pois de fato estamos lidando com vizinhos, mas ao mesmo tempo tem mais momentos de competições e problemas devido a natureza do capitalismo.
Não adianta ir para a happy hour fingir amizade e daqui a um tempo sai do trabalho e tudo se perde também (o que muitas vezes pode acontecer). A convivência neste caso é efêmera, trabalhos atuais não são como trabalhos há 40/50 anos atrás ou mais, que literalmente a pessoa vivia para a empresa.
E claro, acho que fica claro também o ponto é que cada tipo de trabalho permite ou não uma convivência social em trabalho que permite mais amizades.
Concordo que o ambiente próximo – familiares e vizinhança – é mais propício, mas também acho que não podemos idealizar. Em ambos os cenários, é legal quando funciona, mas não é regra e muitas vezes são um terror em casos de conflitos mais profundos.
Nunca tive problemas sérios, mas me afastei de meus amigos de infância simplesmente por falta de afinidade, quando crianças sempre estávamos juntos….mas ao crescer simplesmente não compartilhávamos mais interesses, opiniões, etc. Família então, nem preciso exemplificar ou contar anedotas sobre.
E, talvez, uma das grandes promessas da internet era que a gente não precisaria se limitar a esses relacionamentos locais, mas no saldo a gente está criando mais relações superficiais e perdendo os “canais” onde se criavam as relações mais profundas.
Eu tinha lido esse comentário no Reddit sobre “Third Places” aqui tem o link do original https://www.reddit.com/r/todayilearned/comments/104y44r/comment/j38il6d/?context=1 e vou colar uma tradução do Google:
Os terceiros lugares estão em declínio catastrófico há décadas. O livro Bowling Alone: The Collapse and Revival of American Community foi lançado em 2000, falando sobre o colapso das atividades comunitárias e terceiros lugares (e esse livro foi, por sua vez, baseado em um ensaio de 1995 escrito pelo autor).
A discussão sobre o colapso dos terceiros lugares remonta ainda mais longe do que isso, embora o trabalho seminal sobre o tema, The Great Good Place, de Ray Oldenburg, tenha sido publicado em 1989.
Uma das razões pelas quais o programa Cheers foi tão profundamente popular na década de 1980 foi porque gerações de americanos estavam de luto, percebendo ou não, tanto a morte (e a capitalização grosseira) do terceiro lugar. Cheers funcionava como um pseudo-terceiro lugar que milhões de pessoas sentavam para assistir todas as noites para sentir que estavam indo para os terceiros lugares que estavam desaparecendo da experiência americana.
Muita gente não pensa nisso, mas parte da morte do terceiro lugar é a capitalização grosseira mencionada acima. Quantos lugares o americano médio pode ir sem a expectativa de gastar seu dinheiro e sair?
Claro, muitos lugares terceiros atuais e históricos têm um elemento de capitalismo (afinal, o bar pode ser um bar, mas alguém precisa pagar os impostos sobre a terra e reabastecer os barris). Mas os bares e restaurantes modernos não cumprem a função de pub e a maioria prefere que você consuma e saia para liberar espaço para outra pessoa consumir e sair. O conceito do local funcionando como uma “casa pública” para a comunidade é completamente apagado.
A maioria dos lugares modernos falha completamente em atender até mesmo alguns dos elementos que Oldenburg usou para definir o terceiro espaço ideal:
Terreno Neutro: O espaço é para qualquer pessoa entrar e sair sem filiação a uma religião, partido político ou grupo.
Nível do solo: o status político e financeiro não importa lá.
Conversa: O objetivo principal do local é conversar e ser social.
Acessível: O terceiro lugar está aberto e disponível para todos e o local atende às necessidades e desejos da comunidade que o frequenta.
Regulares: todas as noites ou pelo menos semanalmente, o mesmo elenco de pessoas entra e sai, contribuindo para o senso de comunidade.
Despretensioso: os terceiros lugares não são majestosos ou imponentes. Eles são caseiros e servem a função de um lar longe de casa para os clientes.
Falta de seriedade: Os terceiros lugares são um lugar para deixar de lado as diferenças pessoais ou políticas e participar de uma comunidade. Brincar e manter o clima leve é uma grande parte da experiência de “casa pública”.
Terceiro lugar como lar: um terceiro lugar deve assumir vários elementos da experiência do lar, incluindo um sentimento de pertencimento, segurança, aconchego e um senso de propriedade compartilhada. Um terceiro lugar de sucesso faz com que os visitantes digam “este é o nosso espaço e me sinto em casa aqui”.
Restam alguns lugares verdadeiramente independentes onde eu moro como uma livraria de propriedade de uma pessoa que mora na minha rua e um pub que tem sido um negócio familiar privado no século passado (novamente, onde o dono do pub mora a uma milha no caminho de mim) que ainda atendem à maioria dos critérios da lista. Mas eu moro em uma cidade de centenas de milhares de pessoas e a maioria dos lugares que deveriam ser terceiros lugares não são. Eles são apenas fac-símiles vazios do que um terceiro lugar deveria ser, se é que são um fac-símile passageiro (embora vazio).
E, francamente, isso é pior do que nenhum terceiro lugar, se você me perguntar. Uma cópia ruim de um terceiro lugar que tenta induzi-lo a acreditar que é um terceiro lugar é muito mais prejudicial do que não haver nenhum terceiro lugar aparente.
Uma das coisas do HO pra mim foi justamente expandir minhas oportunidades de contato justamente com pessoas que eu gosto, não com quem sou forçado a conviver. Se eu dependesse de escritório para formar amizades partia pro churrasco no banheiro.