Em fábricas e escritórios não é exatamente raro nos depararmos com trabalhadores que, além do uniforme e acessórios necessários para o desempenho de suas funções, contam com um adereço extra: fones de ouvido. A música, companheira de festas, romances, do dia a dia, também se faz presente no ambiente de trabalho. Mas até que ponto ela é útil, e quando começa a atrapalhar?
Na Quartz, Adam Pasick escreveu um texto intitulado “O guia completo para ouvir música no trabalho”. Amparado por estudos científicos, em especial este de 1972, as conclusões a que ele chegou variam de acordo com a função desempenhada. Músicas agitadas, por exemplo, podem dar um impulso em produtividade àqueles que cumprem jornadas mais mecânicas, realizando tarefas repetitivas que, embora demandem foco, não pedem muito da nossa capacidade cognitiva.
Já em atividades contrárias, ou seja, aquelas que exigem mais cérebro do que músculos, músicas agitadas ou com letras atrapalham. Ao ouvir uma música, qualquer que seja, ela demanda parte da cota finita de atenção de que nosso cérebro dispõe:
“Não se engane: ouvir música significa que você está em modo multitarefa. Quaisquer recursos cognitivos usados pelo seu cérebro — para entender uma letra, processar emoções desencadeadas por uma música ou lembrar onde você estava quando a ouviu pela primeira vez — ficarão indisponíveis para ajudá-lo no trabalho.”
A melhor música para trabalhos cognitivos

Para alguns, como eu, o ideal é deixar todo o cérebro a postos para o que estiver fazendo. Dou o meu melhor no silêncio, e isso vale para além das músicas — os sons ambiente também devem ser preferencialmente mínimos. O mesmo se aplica a leituras, e quanto mais complexo o assunto, mais o silêncio é bem-vindo.
Infelizmente, nem sempre o silêncio proporciona a animação para uma tarefa que exija muito da minha capacidade cognitiva. É aí que entram as sugestões da Quartz: atentando a alguns detalhes, é possível obter os benefícios musicais dos trabalhadores “braçais” em atividades mais… digamos… paradas.
Na hora de montar sua playlist para essa finalidade, as principais dicas são:
- Ouça apenas músicas instrumentais. O cérebro tem áreas dedicadas para várias funções e, na hora de escrever ou pensar em palavras (ler, inclusive), o ideal é concentrar todos os recursos que temos para esse fim na atividade em curso. Músicas com letras, nesse contexto, apenas atrapalham. Exceção à regra: letras em idiomas que você não conhece são permitidas.
- Prefira músicas que tenham um ritmo bem marcado e constante. Nosso cérebro está sempre tentando adivinhar o que vem a seguir. Ao ouvir uma música muito elaborada, com mudanças brutas, picos intervalados e arranjos diversos, parte da nossa concentração, ainda que inconscientemente, se dedica à tentativa de “decifrá-la”.
Os melhores gêneros, segundo aquele post, são jazz, música clássica, e minimalista. Trilhas sonoras de filmes e jogos também são, em geral, recomendadas. Ao final, há uma playlist com indicações do autor. Se quiser arriscar, ela está no Rdio e Spotify.
Sai a música, entram os barulhos. Mudam os resultados?

Minha qualidade de vida melhorou significativamente quando descobri o ruído branco. No contexto em que o abordo aqui, refiro-me a barulhos do ambiente capazes de anular outros indesejados.
Na física, engenharia e matemática o termo tem significado diverso, mais complexo, como muitos comentaristas apontam nesta matéria da Scientific American. O uso dele, aqui, diverge do científico, mas para fins didáticos se aplica. Pense, pois, no barulho da TV fora do ar, ou no que o ventilador faz quando ler “ruído branco” nesta matéria.
Por ter o sono leve, barulhos externos, como vizinhos conversando, música no bar da esquina e outros atrapalham meu sono. Ao ligar o ventilador contra a parede, o barulho das pás se sobrepõe aos demais e sua constância rapidamente é assimilada pelos meus ouvidos. Resultado: uma noite bem dormida.
O mesmo benefício se aplica ao trabalho? Aqui o terreno se torna mais acidentado. Existem estudos que suportam os dois lados, mas analisando-os melhor, como fez o pessoal deste tópico no StackExchange, as conclusões mais uma vez variam. Resumindo:
“O ruído branco melhora o desempenho na medida em que mascara ruídos que geram agitação ou que tiram o foco da tarefa em curso sem causar agitação por si mesmo. Falando de forma prática, se você estiver em um ambiente silencioso, o ruído branco provavelmente não terá um efeito positivo na sua concentração. Se estiver em um lugar mais ou menos ruidoso, ele provavelmente terá um efeito positivo. Entretanto, em um ambiente muito barulhento ele não terá efeito algum ou, se sim, um negativo.”
(A resposta mais votada do tópico mencionado acima traz diversas referências científicas embasando a conclusão do autor.)
Novamente me usando de exemplo, comigo o ruído branco para produção nunca funcionou bem. O silêncio é preferível e, quando tenho tarefas menos cognitivas, como lançar gastos no controle financeiro ou lavar a louça, geralmente coloco uma música qualquer para tocar.

O que eu testei e, em certa medida, gostei, foi de “simuladores” de sons ambiente. O Coffitivity é um app/site que reproduz o burburinho típico de locais como cafeterias e bibliotecas de universidade. Os criadores defendem a ideia com um estudo científico recente que diz provar que esses ruídos, dentro de níveis aceitáveis, dão um impulso na concentração. A parte do “dentro de níveis aceitáveis” tem um papel importante aí — em torno de 70 decibéis.
Ok, já sabemos que barulheira não ajuda, mas por que o outro extremo, o silêncio, é ruim? Em entrevista ao New York Times, o professor assistente Ravi Mehta, da Universidade de Illinois, que liderou o estudo que embasa o Coffitivity, explica que o silêncio absoluto leva a níveis altos de concentração, e que isso atrapalha o pensamento abstrato:
“É por isso que quando você está muito focado em um problema e não consegue resolvê-lo, deixa-o de lado por algum tempo e, quando volta, encontra a solução. [O ruído moderado] ajuda a pensar fora da caixa.”
Ele também faz uma ressalva: o barulhinho de fundo ajuda principalmente em tarefas criativas. Outras que demandam concentração absoluta, como a revisão de textos ou trabalhos envolvendo números, são melhores executadas no silêncio.
O que for melhor para você
São muitas variáveis a serem consideradas na hora de escolher a companhia auditiva para o trabalho: o tipo de função desempenhada, algumas predisposições pessoais, o humor do momento. Talvez fosse o caso de experimentar e ver o que te faz melhor, mas é difícil mensurar os resultados objetivamente. Neste paper de 1989, por exemplo, foi constatado que às vezes a gente se engana e aprecia a música no trabalho mesmo quando ela diminui a produtividade.
Uma mistura, em consonância com a variação de humor e natureza do trabalho, aponta para uma boa saída. Identificar os momentos onde um tipo de música ou barulho afeta positivamente nosso ânimo é o tipo de conhecimento que, mesmo sem perceber, pode acabar nos ajudando a trabalhar melhor. O problema é que, mesmo querendo, é bem difícil perceber quando e que tipo de som nos é benéfico. Argumentos pró e contra todo tipo de música existem aos montes (vários aí em cima, inclusive).
Como você usa a música, ou não, para fazer seu trabalho melhor?
Foto do topo: kev-shine/Flickr.